Guia
Introdutório ao Budismo
Por
Davi
Coêlho
É minha intenção com este
pequeno guia apenas sanar algumas dúvidas e instigar o desejo dos leitores a quererem, assim espero, descobrir mais a respeito da riqueza desta maravilhosa
religião, filosofia e modo de vida.
Perguntas
e Respostas
1) Qual
o ensinamento do Buda? O que ele pregava?
– Duas coisas apenas, a causa do sofrimento e como
trazer um fim definitivo a este.
2) Qual
é a origem do sofrimento e o fim deste?
– O Buda nos responde
isso detalhadamente em seu ensino da origem
dependente (paticca-samuppada). Mas em suma, o sofrimento surge por causa
do desejo ou cobiça (e seu irmão mais próximo, o apego), instigado pela
ignorância, e acaba quando a ignorância (e assim, por consequência, o desejo),
é eliminada da mente.
3)
Qual o objetivo da meditação?
– O objetivo da meditação no Budismo é
purificar a mente e fazer com que esta enxergue as três marcas da realidade –
impermanência, insatisfação, e impessoalidade, cortando assim, a causa raiz do
sofrimento – a ignorância.
4)
Quais são os tipos de meditação
praticados?
– Primeiramente, o termo Pali para meditação é bhavana,
que significa cultivo, desenvolvimento. Estamos assim, desenvolvendo nossa
mente para que ela atinja um estado de maturidade. Há dois tipos de meditação que, quando cultivadas, assim como duas
rodas de uma carroça a faz andar quando puxada, levam a mente do meditador ao
estado de realização e felicidade suprema – Nibbana. Os dois tipos são
meditação de tranquilidade (samatha) e meditação de insight (vipassana). Para
quem não está familiarizado com a palavra inglês insight, é um termo que designa uma espécie de “grande sacada”, quando
tudo fica claro pra você num dado instante, um “momento eureca”. A palavra
insight pode não ser a melhor para traduzir a palavra vipassana, mas se
aproxima do seu significado o suficiente. Usamos a meditação de tranquilidade
para treinar a mente a atingir profundos estados de concentração, e quando a
mente está concentrada, ela adquire força. Estando forte e saudável, esta
concentração é então usada (na meditação de insight) para enxergarmos as três
marcas da realidade com clareza.
5)
O Budismo é uma religião pessimista?
– De forma alguma. É
preferível usar o termo “realista”. O fato de o Buda falar tanto a respeito do
sofrimento em seus ensinamentos não faz dele um pessimista, muito pelo
contrário, ele em todos os sentidos mostrou sua compaixão para com todos os
seres quando expôs seus ensinamentos para mostrar que todos têm o potencial de
transcender este estado existencial condicionado e atingir definitivamente a
felicidade suprema.
6)
O que é Nibbana?
– Nibbana é uma palavra
Pali (a língua falada na região onde o Buda habitava, irmã do Sânscrito), que
significa cessação, extinguir. Nibbana é a felicidade suprema porque é o fim de
todo sofrimento, uma vez que significa a cessação das grandes três máculas
mentais que aprisionam os seres nos ciclos de renascimentos – a ganância,
aversão, e a ilusão. É também a cessação final dos cinco agregados que dão
origem às diversas existências, pois Nibbana também é a compreensão de que
estes são impermanentes, insatisfatórios e impessoais, e por isso, não devem
ser apegados. Entre outros títulos que o Buda usava para descrever Nibbana, são: o Imortal, o Elemento Incondicional, Aquilo que Não é Fabricado, Aquilo que Não Morre, O Não-Manifesto, Paz.
7)
O que são Cinco Agregados?
– Khandha é a palavra usada pelo Buda, que significa uma pilha, um
amontoado, um conjunto, um agrupado, de qualquer coisa que seja. O Buda usou
essa palavra comum do seu dialeto e conferiu a ela um novo significado ao
usá-la para descrever os cinco “amontoados” ou agregados que dão forma a um ‘ser’.
Estes são:
·
Rupa – forma física, matéria, os grandes
quatro elementos (terra, água, fogo e ar).
·
Vedana – sensação. Vale ressaltar aqui
que esta palavra é usada para descrever dois tipos de sensação : interna e
externa. Na filosofia budista, sensações externas são aquelas que sentimos com
nosso corpo, como sendo prazerosa, neutra, ou desprazerosa. E também é usada
para descrever o que chamaríamos de sentimentos, que são sensações internas,
também experimentadas como prazerosas, neutras ou desprazerosas.
· Sañña – percepção. É a faculdade
discriminativa, que registra e atribui um nome ou conceito a objetos
reconhecidos ou não.
· Sankhara – formações mentais, atividade
volitiva, intenção, vontade. Esta palavra, um pouquinho difícil de traduzir e
entender, refere-se a disposições mentais, hábitos (mentais), criados pela
atividade volitiva. Isto é chamado de “formações volitivas” por serem formadas
pela volição e são o que dão origem a mais formações dessas, que resultam em
renascimento após renascimento. O Buda usava também o termo “fermentações
mentais”, para descrever a proliferação deste agregado na mente.
· Viññana – consciência. Refere-se à
faculdade de estar ciente, mais especificamente, à consciência sensorial – visão,
audição, olfato, paladar, tato e intelecto (no Budismo, a habilidade da mente
de ‘sentir’ ideias e cognizá-las é descrito como sendo um sexto sentido).
8) O que é kamma?
8) O que é kamma?
– Kamma (ou Karma em
Sânscrito), significa, em seus termos mais amplos, ação. No Budismo, mais
especificamente, significa as intenções por trás de uma ação, pois é a intenção
que impulsiona a ação. Kamma está intimamente ligado com o agregado sankhara,
pois é o produto deste. De acordo com o ensinamento budista, todo kamma gerado
produz um fruto ou resultado (vipaka), por isso o Buda dizia:
“Todos os fenômenos são
precedidos pela mente, comandados pela mente, feitos pela mente. Se falas ou
ages com uma mente pura, então a felicidade lhe segue, como uma sombra que
nunca deixa seu lado.”
--
Dhammapada v.2
“Os seres são os donos
das suas ações, herdeiros das suas ações, nascem das suas ações, estão atados
às suas ações, possuem as suas ações como refúgio. São as ações que distinguem
os seres entre inferiores ou superiores.”
-- M.N 135
Kamma é produzido por três vias: através de
ações mentais (pensamentos), ações verbais e ações corporais. Mas como toda
ação nasce na mente, é gerada na mente, esta ganha um destaque especial no
ensinamento budista. Todo budista procura pôr em prática os preceitos
(virtude), praticar a generosidade, meditar, e estar sempre praticando ações
meritórias, pois isso leva a produção de kamma positivo, que gera bons
resultados tanto aqui como no futuro. Devemos assim, sempre procurar estarmos
ciente em qual direção nossa mente está indo, porque é assim que o grau de
infelicidade ou felicidade em nossas vidas é manifesto.
9)
O nome do seu blog é Na Luz do Dhamma. O que é Dhamma?
– Dhamma é uma palavra de muitos significados. Mas usado desta forma,
com a primeira letra capitalizada, significa os ensinamentos do Buda, como
sendo a Lei Natural explicada por ele para pôr um fim à questão do sofrimento.
10) O Budismo é unificado ou tem divisões?
– Como toda religião,
especialmente uma que se espalhou por tantas partes do mundo, sim, ele tem
divisões. O Budismo é dividido em duas grandes tradições – a Theravada e a
Mahayana. A tradição Theravada (que significa ‘Doutrina dos Anciãos’) é a mais
antiga, que remonta diretamente aos primeiros sanghas (comunidades
monásticas) que surgiram após o falecimento do Buda, e se espalhou por países
como Tailândia, Camboja, Burma, Laos, Sri Lanka. Já a tradição Mahayana (que
significa ‘O Grande Veículo’) surgiu alguns séculos depois, e espalhou-se por
países como Tibete, China, Vietnam e Japão. Como o Brasil é um país que teve
grande imigração de Japoneses e Chineses, a tradição Mahayana encontra-se bem
consolidada em nosso país. Dentro dessas duas tradições, temos então o que são
chamadas de ramificações, por exemplo, dentro da tradição Mahayana temos o
Budismo Tibetano, Zen Budismo, Chán, etc.
11)
Budistas acreditam em Deus?
– Não. Basicamente, é
esta a resposta. Não acreditamos em um Deus tal como compreendido pela maioria
das pessoas que vêm de uma cultura judaico-cristã. Não acreditamos em um Deus
todo-poderoso, criador de todo universo, pai de todos os seres, que é
onipotente, etc., etc. Somente após a compreensão básica dos ensinamentos do
Buda é que se torna claro para um indivíduo porque não acreditamos em um Deus
criador. Já ouvi alguns monges, talvez bem-intencionados, hesitarem em querer
dar uma resposta objetiva a esta pergunta e por isso ficam dando voltas em
círculos quando deparados com esta pergunta. Mas o fato é que nos suttas (as
escrituras), o Buda nunca fez menção à criação do universo por um ser como um
Deus, ele negava isso claramente. Muito pelo contrário, essa ideia pode parecer
esquisita para uma mentalidade Ocidental, mas de acordo com o Buda, o universo
e os diversos mundos que nele existem surgem por causa da mente. É a mente quem
dá origem a tudo. A mente de diversos seres querendo e desejando por
experiência, por querer continuar o processo de vir-a-ser.
12)
Ok, mas ainda não estou entendendo tudo.
– Que bom! Esta
introdução não serve para explicar o Budismo em toda sua totalidade. Mas eu
espero que pelo menos com estas perguntas respondidas, que você caro leitor,
sinta-se instigado a querer procurar mais a respeito para melhor compreender
como o Dhamma se articula e como cada ensinamento se conecta um com o outro
para dar origem a consistência e totalidade do conhecimento adquirido pelo Buda
quando, finalmente, ele compreendeu a verdade suprema de todas as coisas ao
sentar-se debaixo da Árvore Bodhi para meditar há mais de dois mil e quinhentos
anos atrás. Conhecimento este, que está disponível á inteligência de todos.
Em
breve...
Estarei adicionado
ainda nesta seção um pequeno glossário de termos Pali para ajudar a compreensão
do leitor que poderá se deparar com eles ao pesquisarem os artigos aqui
publicados.