quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Guia Introdutório ao Budismo


Guia Introdutório ao Budismo

Por

Davi Coêlho

É minha intenção com este pequeno guia apenas sanar algumas dúvidas e instigar o desejo dos leitores a quererem, assim espero, descobrir mais a respeito da riqueza desta maravilhosa religião, filosofia e modo de vida.

Perguntas e Respostas

    1)      Qual o ensinamento do Buda? O que ele pregava?

– Duas coisas apenas, a causa do sofrimento e como trazer um fim definitivo a este.    

    2)      Qual é a origem do sofrimento e o fim deste?

– O Buda nos responde isso detalhadamente em seu ensino da origem dependente (paticca-samuppada). Mas em suma, o sofrimento surge por causa do desejo ou cobiça (e seu irmão mais próximo, o apego), instigado pela ignorância, e acaba quando a ignorância (e assim, por consequência, o desejo), é eliminada da mente.

    3)      Qual o objetivo da meditação?

 – O objetivo da meditação no Budismo é purificar a mente e fazer com que esta enxergue as três marcas da realidade – impermanência, insatisfação, e impessoalidade, cortando assim, a causa raiz do sofrimento – a ignorância. 

    4)      Quais são os tipos de meditação praticados?

– Primeiramente, o termo Pali para meditação é bhavana, que significa cultivo, desenvolvimento. Estamos assim, desenvolvendo nossa mente para que ela atinja um estado de maturidade. Há dois tipos de meditação que, quando cultivadas, assim como duas rodas de uma carroça a faz andar quando puxada, levam a mente do meditador ao estado de realização e felicidade suprema – Nibbana. Os dois tipos são meditação de tranquilidade (samatha) e meditação de insight (vipassana). Para quem não está familiarizado com a palavra inglês insight, é um termo que designa uma espécie de “grande sacada”, quando tudo fica claro pra você num dado instante, um “momento eureca”. A palavra insight pode não ser a melhor para traduzir a palavra vipassana, mas se aproxima do seu significado o suficiente. Usamos a meditação de tranquilidade para treinar a mente a atingir profundos estados de concentração, e quando a mente está concentrada, ela adquire força. Estando forte e saudável, esta concentração é então usada (na meditação de insight) para enxergarmos as três marcas da realidade com clareza.

    5)      O Budismo é uma religião pessimista?

– De forma alguma. É preferível usar o termo “realista”. O fato de o Buda falar tanto a respeito do sofrimento em seus ensinamentos não faz dele um pessimista, muito pelo contrário, ele em todos os sentidos mostrou sua compaixão para com todos os seres quando expôs seus ensinamentos para mostrar que todos têm o potencial de transcender este estado existencial condicionado e atingir definitivamente a felicidade suprema.

   6)      O que é Nibbana?

– Nibbana é uma palavra Pali (a língua falada na região onde o Buda habitava, irmã do Sânscrito), que significa cessação, extinguir. Nibbana é a felicidade suprema porque é o fim de todo sofrimento, uma vez que significa a cessação das grandes três máculas mentais que aprisionam os seres nos ciclos de renascimentos – a ganância, aversão, e a ilusão. É também a cessação final dos cinco agregados que dão origem às diversas existências, pois Nibbana também é a compreensão de que estes são impermanentes, insatisfatórios e impessoais, e por isso, não devem ser apegados. Entre outros títulos que o Buda usava para descrever Nibbana, são: o Imortal, o Elemento Incondicional, Aquilo que Não é Fabricado, Aquilo que Não Morre, O Não-Manifesto, Paz. 

    7)      O que são Cinco Agregados?

Khandha é a palavra usada pelo Buda, que significa uma pilha, um amontoado, um conjunto, um agrupado, de qualquer coisa que seja. O Buda usou essa palavra comum do seu dialeto e conferiu a ela um novo significado ao usá-la para descrever os cinco “amontoados” ou agregados que dão forma a um ‘ser’. Estes são:
      ·         Rupa – forma física, matéria, os grandes quatro elementos (terra, água, fogo e ar).
     ·         Vedana – sensação. Vale ressaltar aqui que esta palavra é usada para descrever dois tipos de sensação : interna e externa. Na filosofia budista, sensações externas são aquelas que sentimos com nosso corpo, como sendo prazerosa, neutra, ou desprazerosa. E também é usada para descrever o que chamaríamos de sentimentos, que são sensações internas, também experimentadas como prazerosas, neutras ou desprazerosas.
      ·      Sañña – percepção. É a faculdade discriminativa, que registra e atribui um nome ou conceito a objetos reconhecidos ou não.
     ·       Sankhara – formações mentais, atividade volitiva, intenção, vontade. Esta palavra, um pouquinho difícil de traduzir e entender, refere-se a disposições mentais, hábitos (mentais), criados pela atividade volitiva. Isto é chamado de “formações volitivas” por serem formadas pela volição e são o que dão origem a mais formações dessas, que resultam em renascimento após renascimento. O Buda usava também o termo “fermentações mentais”, para descrever a proliferação deste agregado na mente.
     ·      Viññana – consciência. Refere-se à faculdade de estar ciente, mais especificamente, à consciência sensorial – visão, audição, olfato, paladar, tato e intelecto (no Budismo, a habilidade da mente de ‘sentir’ ideias e cognizá-las é descrito como sendo um sexto sentido). 

 8)      O que é kamma?

   – Kamma (ou Karma em Sânscrito), significa, em seus termos mais amplos, ação. No Budismo, mais especificamente, significa as intenções por trás de uma ação, pois é a intenção que impulsiona a ação. Kamma está intimamente ligado com o agregado sankhara, pois é o produto deste. De acordo com o ensinamento budista, todo kamma gerado produz um fruto ou resultado (vipaka), por isso o Buda dizia:

   “Todos os fenômenos são precedidos pela mente, comandados pela mente, feitos pela mente. Se falas ou ages com uma mente pura, então a felicidade lhe segue, como uma sombra que nunca deixa seu lado.”

  -- Dhammapada v.2

    “Os seres são os donos das suas ações, herdeiros das suas ações, nascem das suas ações, estão atados às suas ações, possuem as suas ações como refúgio. São as ações que distinguem os seres entre inferiores ou superiores.”

     -- M.N 135

     Kamma é produzido por três vias: através de ações mentais (pensamentos), ações verbais e ações corporais. Mas como toda ação nasce na mente, é gerada na mente, esta ganha um destaque especial no ensinamento budista. Todo budista procura pôr em prática os preceitos (virtude), praticar a generosidade, meditar, e estar sempre praticando ações meritórias, pois isso leva a produção de kamma positivo, que gera bons resultados tanto aqui como no futuro. Devemos assim, sempre procurar estarmos ciente em qual direção nossa mente está indo, porque é assim que o grau de infelicidade ou felicidade em nossas vidas é manifesto. 

    9)      O nome do seu blog é Na Luz do Dhamma. O que é Dhamma?

Dhamma é uma palavra de muitos significados. Mas usado desta forma, com a primeira letra capitalizada, significa os ensinamentos do Buda, como sendo a Lei Natural explicada por ele para pôr um fim à questão do sofrimento.


   10)       O Budismo é unificado ou tem divisões?

– Como toda religião, especialmente uma que se espalhou por tantas partes do mundo, sim, ele tem divisões. O Budismo é dividido em duas grandes tradições – a Theravada e a Mahayana. A tradição Theravada (que significa ‘Doutrina dos Anciãos’) é a mais antiga, que remonta diretamente aos primeiros sanghas (comunidades monásticas) que surgiram após o falecimento do Buda, e se espalhou por países como Tailândia, Camboja, Burma, Laos, Sri Lanka. Já a tradição Mahayana (que significa ‘O Grande Veículo’) surgiu alguns séculos depois, e espalhou-se por países como Tibete, China, Vietnam e Japão. Como o Brasil é um país que teve grande imigração de Japoneses e Chineses, a tradição Mahayana encontra-se bem consolidada em nosso país. Dentro dessas duas tradições, temos então o que são chamadas de ramificações, por exemplo, dentro da tradição Mahayana temos o Budismo Tibetano, Zen Budismo, Chán, etc. 

    11)      Budistas acreditam em Deus?

– Não. Basicamente, é esta a resposta. Não acreditamos em um Deus tal como compreendido pela maioria das pessoas que vêm de uma cultura judaico-cristã. Não acreditamos em um Deus todo-poderoso, criador de todo universo, pai de todos os seres, que é onipotente, etc., etc. Somente após a compreensão básica dos ensinamentos do Buda é que se torna claro para um indivíduo porque não acreditamos em um Deus criador. Já ouvi alguns monges, talvez bem-intencionados, hesitarem em querer dar uma resposta objetiva a esta pergunta e por isso ficam dando voltas em círculos quando deparados com esta pergunta. Mas o fato é que nos suttas (as escrituras), o Buda nunca fez menção à criação do universo por um ser como um Deus, ele negava isso claramente. Muito pelo contrário, essa ideia pode parecer esquisita para uma mentalidade Ocidental, mas de acordo com o Buda, o universo e os diversos mundos que nele existem surgem por causa da mente. É a mente quem dá origem a tudo. A mente de diversos seres querendo e desejando por experiência, por querer continuar o processo de vir-a-ser.

   12)   Ok, mas ainda não estou entendendo tudo.

– Que bom! Esta introdução não serve para explicar o Budismo em toda sua totalidade. Mas eu espero que pelo menos com estas perguntas respondidas, que você caro leitor, sinta-se instigado a querer procurar mais a respeito para melhor compreender como o Dhamma se articula e como cada ensinamento se conecta um com o outro para dar origem a consistência e totalidade do conhecimento adquirido pelo Buda quando, finalmente, ele compreendeu a verdade suprema de todas as coisas ao sentar-se debaixo da Árvore Bodhi para meditar há mais de dois mil e quinhentos anos atrás. Conhecimento este, que está disponível á inteligência de todos.

Em breve...

Estarei adicionado ainda nesta seção um pequeno glossário de termos Pali para ajudar a compreensão do leitor que poderá se deparar com eles ao pesquisarem os artigos aqui publicados. 

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

10 Meios de Fazer Mérito


Dez Meios de Fazer Mérito

Uma compilação das fontes Pali por Mahinda Wijesinghe sob a orientação e instruções do Venerável Ñānadassana

Tradução

Davi Coêlho

Introdução

Se alguém desejar fazer mérito
Que deixe este fazer vez após vez
E direcionar o seu coração a se deleitar nisto,
Pois felicidade é o acúmulo de mérito.

-- Dhammapada, v. 118

   O desejo geral de todos os seres durante sua vida é escapar de experiências indesejáveis e dolorosas e procurar por circunstâncias que deem origem à felicidade. Muitas pessoas ignorantes do verdadeiro modo de adquirir a felicidade genuína procuram por ela apenas nos ciclos de prazeres sensuais. Isso trás felicidade apenas em curto prazo – no melhor dos casos – tendo o sofrimento surgir em seguida mais cedo do que tarde. Indulgência não trará felicidade e nem a abstinência. Mas a felicidade está disponível para a pessoa que faz esforço com mérito (puñña) como o catalisador.

  Abrangendo toda excelência humana, qualquer deleito nos mundos celestiais, até mesmo a excelência de Nibbāna, tudo isso é alcançado apenas através do mérito.

  Mérito, o Buda declarou, é algo que nem fogo nem mesmo terremotos podem destruir, nem mesmo as águas inundar seus efeitos. Ladrões não podem roubá-lo nem o Estado retirá-lo de você por impostos. Em outras palavras, mérito é indestrutível por vias externas.

  Um tesouro de mérito adquirido pode satisfazer todos os desejos de deuses e homens, não importa o que eles desejarem ter.

  Mérito ou puñña (em Pali) é aquilo que purifica e limpa a mente. Mérito tem o poder de purificar a mente da ganância, ódio e ilusão. Portanto, mérito pode ser visto como aquelas ações que aprimoram a qualidade da mente. Mérito tende a aumentar ou levantar o nível em que a mente geralmente se encontra corriqueiramente, refinando-a e purificando-a de máculas mentais mais grosseiras. É o acúmulo de mérito que assegura a todos levarem uma vida balanceada e harmônica. Outro fruto do mérito é que “mérito abre portas onde quer que seja”. O homem meritório geralmente encontra o seu caminho desobstruído. Qualquer tarefa a que se proponha realizar, ele é capaz de trazê-la a sua conclusão de forma bem sucedida. O mérito lubrifica seu progresso. E o poder do mérito pode ser experimentado nesta mesma vida e/ou na próxima. Portanto, verdadeiramente o Buda dizia:

“Aqui ele está feliz, na próxima vida ele está feliz.
O homem de mérito encontra-se feliz em ambos os mundos.
Reconhecendo, “Eu fiz o bem,” ele se alegra.
Ainda mais alegre ele está quando chega aos domínios celestiais.”
  

Os 10 Meios de Fazer Mérito

   Então, como é que adquirimos mérito? Há dez meios de se adquirir mérito chamado dasa-puñña-kiriya-vatthu. Estes são:

        1)      Doar ou presentear, generosidade (Dāna-mayaŋ puñña-kiriya-vatthu)
        2)      Conduta moral ou virtude (Sīla-mayaŋ puñña-kiriya-vatthu)
        3)      Meditação ou desenvolvimento mental (Bhāvana-maya puñña-kiriya-vatthu)
        4)      Respeito ou reverência (Apaciti-sahagataŋ)
        5)      Serviço prestado para ajudar outros (Veyyāvacca-sahagataŋ)
        6)      Transferência de mérito (Pattānuppadānaŋ)
        7)      Alegrar-se no mérito de outros (Abbhanumodanaŋ)
        8)      Explicando ou ensinando o Dhamma (Desana-mayaŋ)
        9)      Escutando o Dhamma (Savana-mayaŋ)
       10)   Corrigindo o modo de ver o mundo, nosso ponto de vista, de acordo com a verdade (Diññhijjukammaŋ puñña-kiriya-vatthu)

1 – Doar ou Generosidade (DĀNA)

É a pratica mais básica na geração de mérito. O ato de dar presentes materiais inclui comida para os famintos, remédio aos doentes, e assim por diante. Doar ou presentear é altamente exaltado pelo Buda, pois é uma virtude fundamental e ajuda a reduzir a ganância, o construtor do sofrimento, conforme ele identificou esta mácula mental.

   Seja lá o que for necessário para a vida de alguém que está necessitado e seja lá quem suplemente isso, esta pessoa é considerada alguém que dá presentes materiais. A comunidade leiga presenteia os monges com quatro tipos de presentes materiais. Estes são: vestes, comida, abrigo e remédio. Portanto estes acumulam uma grande quantia de mérito. Um doador de comida, por exemplo, concede cinco bênçãos ao recebedor: vida longa, beleza, felicidade, força, e inteligência. Como resultado disso, vida longa, beleza, felicidade, força e inteligência serão a sua porção desta ação. Fora isso, ele ainda acumula mais cinco bênçãos: a afeição de muitos, nobres amizades, boa reputação, autoconfiança, e um renascimento nos domínios celestiais.

   Assim como em outras boas ou más ações, ao doar, é a intenção (cetanā) que conta como a ação, e não tanto o ato exterior em si. Aqui, a boa intenção (kusala-cetanā) que surge no doador durante as três ocasiões é: (a) a produção do presente antes de dá-lo, (b) dando o presente, e (c) relembrando com um coração alegre o ato após o presente ter sido dado, é o modo como o mérito ao doar funciona.

2 – Conduta Moral ou Virtude (SĪLA)

Conduta moral é a base para toda a prática do Nobre Caminho Óctuplo, e com isso o primeiro dos três tipos de Treinamento (sikkhā), isto é, moralidade, concentração e sabedoria.

    Ao observar os cinco ou oito etc. preceitos morais, o indivíduo adquire muito mérito. Conduzindo uma vida virtuosa, o ser experimenta uma vida feliz e satisfatória no aqui e no além. Virtude o faz ser destemido, pois sua consciência não o acusa de erros nem em relação a si mesmo e nem a outros. Este não sente remorso, culpa ou vergonha alguma; ao contrário, este sente alegria, benção, calma e felicidade; consegue atingir o estado de concentração, o conhecimento das coisas tal como elas realmente são (insight), e assim por diante.

    Basicamente, todas as ações morais são classificadas em ações de corpo, linguagem e mente. Abstinência em matança, roubo e conduta sexual errada constituem ações corporais moral. Ação verbal moral é a próxima, dividida em quatro categorias: abstinência de mentir, usar linguagem grosseira, linguagem divisionista, e fofoca ou conversa inútil.

   Por último, ação mental moral é a abstinência da cobiça, raiva ou má-vontade e crenças ou pontos de vistas falsos. Sem sīla ou conduta moral, o progresso que alguém possa esperar na esfera espiritual será definitivamente limitado.

   Sīla ou conduta moral, é claramente, em todos os casos, a restrição intencional de má ações. Vergonha (hiri) e medo de fazer o mal (ottappa) sãos suas causas mais próximas. Pois quando elas existem, a conduta moral surge e persiste; e quando elas não existem, a conduta moral nem surge e nem persiste.
  
    Especificamente falando, há dois tipos de sīla: mundana e supramundana. Toda conduta moral sujeita a uma mente ainda com máculas mentais é mundana. Este tipo de conduta trás o melhoramento em vidas futuras e é um pré-requisito para a escapatória de todo sofrimento samsárico. A conduta moral que não está sujeita a uma mente com máculas mentais é supramundana. Ela nos leva diretamente a escapatória de todo sofrimento samsárico.

    Novamente, a boa intenção que surge no coração de quem adere aos preceitos e os observa é o modo de gerar mérito em conduta moral ou virtude.

3 – Meditação ou Desenvolvimento Mental (BHĀVANA)

   Este é um dos campos mais férteis para fazer mérito. Há dois tipos de meditação, estas são Tranquilidade (samatha), isto é, concentração (samādhi), e Insight (vipassana), isto é, sabedoria (pañña). Pode-se desenvolver a Tranquilidade primeiramente e depois o Insight, ou fazer uso da atenção plena aplicada a partir do qual o Insight também floresce.

    Ambos os tipos tem, como o seu objetivo, a experiência do Insight e o crescimento da sabedoria. Meditamos para acalmar as máculas mentais mais grosseiras e desenvolver a mente de tal modo que adquira sabedoria verdadeira, o que não é o resultado de apenas a aprendizagem através de livros. É a sabedoria através do qual a compreensão de Nibbāna é possível.

    Se no mínimo, por exemplo, alguém meditar sobre sua virtude ou sua generosidade, nesta ocasião a mente não estará obstruída por cobiça, ódio ou ilusão; sua mente adquire retidão. Portanto, quando alguém consegue suprimir seus empecilhos mentais (nīvarana), os fatores mentais para dar origem à absorção (jhāna) surgem e este pode atingir até o estado de concentração de acesso (upacāra-samādhi). Este experimenta muita felicidade e alegria. E se este não conseguir penetrar em um estado de concentração mais profundo, pelo menos estará direcionado a um destino feliz.

    Tranquilidade ou concentração concede, portanto, três bênçãos: um renascimento favorável, uma vida presente feliz e satisfatória e pureza mental que é a pré-condição para o Insight pelo fato de ter purificado a mente dos empecilhos mentais para progresso espiritual; enquanto que o Insight produz os quatro estágios supramundanos e libertação mental para que o ser possa enxergar as coisas de acordo com a realidade. Como o Buda disse:

“Aquele que está mentalmente concentrado, vê as coisas de acordo com a realidade.”

    A boa intenção que surge no coração de quem medita, por exemplo, sobre a respiração ou sobre uma Kasina (objeto de foco) etc. e atinge o estado de jhāna pelo caminho da Tranquilidade, ou a boa intenção de alguém que medita sobre a base dos seis sentidos (olho, orelha, língua, nariz, corpo e mente) e outros objetos sensuais como sendo impermanentes (anicca), insatisfatórios (dukkha) e como não sendo o “eu” (anatta) pelo caminho do Insight – todas essas intenções ou atividades volitivas são meios de se fazer mérito através da meditação.

4 – Respeito ou Reverência (APACITI)

   Respeito como uma forma de fazer mérito deve ser compreendido em tais atos como levantar-se de seu assento para alguém mais velho, honrando sua mãe, pai, irmão ou irmã mais velho, ou uma pessoa mais anciã, levando suas bagagens ou pertences, cumprimentando-os, ajudando quando preciso, e assim por diante. Ou em geral, apenas respeitando os sentimentos, privilégios, propriedade e vida dos outros; levando-os em consideração com respeito, apreço e honra; evitar a degradação, insulto ou interrompê-los; restringir em ofender, corromper ou tentá-los a fazer o mal. Infelizmente, a geração dos dias contemporâneos carece desse respeito ou reverência.

   De acordo com o Venerável Nāgasena, em sua obra Milindapañha, há doze pessoas que não respeitam ou demonstram reverência a outros: uma pessoa lasciva por causa do seu desejo sexual; uma pessoa odiosa por causa de sua raiva, uma pessoa confusa por causa de sua confusão, uma pessoa arrogante por causa de seu orgulho, uma pessoa carente de qualidades especiais por causa de sua falta de discernimento, uma pessoa obstinada por causa de falta de docilidade, uma pessoa de mente baixa por causa da baixeza de sua mente, um homem mal por causa de seu egoísmo, um aflito por causa de sua aflição, um ganancioso por ser consumido pela ganância, e um homem de negócios por causa de muitas vezes colocar o lucro em primeiro lugar.

   Está claro que, em contraste com os tipos de pessoas descrito acima, o homem reverente e respeitoso desenvolve sua mente (e, portanto, acumula mérito), pois pela sua atitude ele corta a mácula do orgulho e troca pela sábia conduta da humildade. Respeitando anciãos e o Sangha são claros exemplos deste aspecto.

    Novamente, a boa intenção que surge no coração de alguém que demonstra respeito ou reverência é um modo de se fazer mérito respeitando outros.

5 – Prestando Serviço ao Ajudar Outros (VEYYĀVACA)

Este é o próximo meio de se fazer mérito. Por ser capaz de voluntariamente servir as necessidades de nossos irmãos com compaixão, ganhamos mérito. Serviço como um meio de fazer mérito deve ser reconhecido em ações onde cumprimos os nossos deveres em relação ao nosso próximo. Por exemplo, ao pegarmos a tigela de um monge, lavá-la e enchê-la com alimento e presentea-lo com ela, é um dos deveres de todo seguidor leigo do Buda.  

6 – Transferência de Mérito (PATTĀNUPPADĀNA)

Transferindo o mérito adquirido como um meio de gerar mais mérito deve ser compreendido no caso em que alguém faz uma ação meritória e transfere seu mérito acumulado da seguinte maneira: “Que este mérito sirva/beneficie tal e tal pessoa!” ou então ao radiar o pensamento, “Que este mérito seja compartilhado com todos os seres!”.

    Agora, haverá uma perda de mérito para aquele que o transfere? Não. Assim como alguém que acende uma vela e com sua luz acende outras mil velas, não pode ser dito que a chama da vela original se extinguiu. Ao contrário, a luz de sua vela original sendo uma com a luz das mil velas cresce deste modo imensamente. Da mesma forma, não há a diminuição de mérito para aquele que o transfere; ao contrário, há apenas um aumento.

   Sobre esta categoria, se enquadraria também a transferência de mérito para os falecidos. Assim, o Buda declarou que um dos deveres dos filhos para com seus pais era a transferência de mérito para eles.

7 – Alegrando-se no Mérito de Outros (ABBHANUMODANA)

Regozijar no mérito feito por outros como uma forma de produzir mérito deve ser entendido como alegrar-se com as palavras, “Muito bem, bem feito (sādhu)”, quando, por exemplo, outros compartilham o seu mérito conosco, ou quando outros fazem ações meritórias. Esta forma de fazer mérito também se enquadra em um dos quatro sentimentos divinos (alegria altruísta ou alegria por simpatizar com os bem feitios dos outros).

8 – Explicando ou Ensinando o Dhamma (DESANA)

Se alguém explicar ou ensinar o Dhamma partindo do desejo, “Fazendo assim, serei reconhecido pelos outros como um pregador do Dhamma”, para ganhar honra e status, esta forma de ensinar o Dhamma não resulta em muito fruto ou mérito. Mas, se agluém se propõe em explicar com o propósito dele mesmo poder alcançar o fim do sofrimento, e assim ensina a outros o Dhamma no qual ele é proficiente, então esta boa intenção é o meio de se fazer mérito corretamente ensinando o Dhamma.

   Vale ressaltar que o Buda dizia que o maior presente de todos é “um presente do Dhamma”. Em outras palavras, se alguém puder despertar a visão do Dhamma em outros, pela explicação e ensino, então este é o maior e mais exaltado presente de todos.

    De fato, o Buda disse que mesmo se alguém desse assistência a seus pais carregando estes em suas costas por toda sua vida, ainda sim este não seria capaz de pagar de volta o débito que ele tem com seus pais. O único meio de retribuir em integra é estabelecê-los no Dhamma. Até mesmo o Arahant Sāriputta, antes de ter atingido Parinibbāna (Nibbāna final), retornou a sua casa e ensinou sua mãe e a ajudou a atingir Nibbāna.

    Um indivíduo pode prover os monges do Buda com todos os quatro requisitos de vestimenta, alimento, abrigo e remédio da melhor forma possível, ou doar para pessoas todos os bens materiais que puder. Mas poder abrir a visão de outro sobre o Dhamma com apenas uma estrofe é dito ser o melhor e maior presente de todos.

     Portanto, o presente do Dhamma significa ensiná-lo e explicá-lo a outros, desviar outros seres do caminho errado e conduzi-los ao caminho correto, introduzir o que é moral, organizar discussões sobre o Dhamma, escrever ou imprimir livros a respeito, etc.

9 – Ouvir ao Dhamma (SAVANA)

Se alguém ouvir ao Dhamma pensando, “Fazendo assim, outros me reconhecerão como ‘piedoso’”, este não é um bom meio de fazer mérito. Se, por outro lado, alguém ouvir ao Dhamma desejando seu bem estar e o bem estar de outros, pensando, “Desta forma, haverá muito benefício para mim”, esta boa intenção é o meio de gerar mérito dando ouvidos ao Dhamma.

10 – Corrigindo ou Ajustando o Nosso Ponto de Vista (DITTHIJJU-KAMMA)

A intenção de corrigir o nosso ponto de vista ou modo de enxergar as coisas é o modo de gerar mérito através do entendimento correto. Entendimento correto é, de fato, a verdadeira característica ou fator de todos os outros nove meios de gerar mérito. Pois através dele há muito benefício em fazer qualquer tipo de ação meritória. Qualquer coisa que um fizer, será de grande fruto, apenas se o ponto de vista estiver correto, e não o contrário. É por isso que o Buda disse:

“Não há outra coisa da qual esteja ciente, a não ser o entendimento correto, que seja um fator por onde boas ações que ainda não surgiram surjam, e boas ações que já surgiram crescem e se desenvolvem a seu máximo.”

De acordo com o Buda há dois tipos de entendimento correto: mundano e supramundano. O entendimento de que é bom doar esmolas e fazer oferendas, que ambas boas e más ações produzem frutos e serão seguidas de consequências, isto é o entendimento correto mundano; apesar de ainda estar sujeito ás máculas mentais, resulta em grande frutos e trás bom resultados. Mas seja lá qual quantia de sabedoria esteja presente em alguém, com penetração e entendimento correto combinado com outros fatores do nobre caminho óctuplo, isto é chamado de entendimento correto supramundano (lokuttara sammā-diññhi).

Nota:

   Nos Suttas (escrituras), há apenas ‘três meios de gerar mérito’ expressos de forma explícita pelo Buda, sendo, 1) generosidade, 2) conduta moral, 3) meditação. Os outros sete meios também são mencionados nos Suttas, mas não explicitamente. Um exemplo segue da seguinte estrofe encontrada no Anguttara- nikāya:

“Quando presentes são dados a pessoas
Nobres, justas e equilibradas,
O mérito adquirido é desta forma, puro
E abundante.
E aqueles que regozijam nisto (exclamando, ‘Bem feito!’)
Ou prestam serviço na produção deste mérito,
Estes também recebem aquele mérito,
E seu mérito não é de forma alguma menor.”

Portanto, os sete outro meios de gerar mérito, tal como “regozijar no mérito de outros” (abbhanumodana) ou prestar serviços (veyyāvacca) etc., deve ser entendido como inclusos nos três meios mencionados acima. Eles são judiciosamente enfatizados pelos comentários desta forma:

       1.      Ao doar, está incluso: transferência de mérito, e regozijar no mérito de outros.
       2.      Ao adotar uma conduta moral, está incluso: reverência e serviço.
       3.      Ao meditar, está incluso: explicar o Dhamma e escutar o Dhamma.

Corrigir o nosso ponto de vista, contudo, está incluso em todos os três. Portanto, os meios de gerar mérito são em suma três e em detalhe, dez. 

Assim, aconselha o Buda:

“Deixe, portanto, que todo homem treine em gerar mérito que resulta em felicidade em longo prazo. Que ele cultive a prática da generosidade, conduta moral e uma mente de amor. Por cultivar estas qualidades o homem sábio alcança despreocupadamente estados de felicidade. Portanto, não tema fazer mérito. Gerar mérito é algo que conduz a felicidade, aquilo que é desejável, prazeroso, querido e amável.”

O texto original disponível no endereço: http://www.beyondthenet.net/thedway/nyanadassana-ebooks/ten%20ways%20of%20making%20merit.pdf

sábado, 9 de fevereiro de 2013

A Essência do Mérito


A Essência do Mérito

Por
 
Ajaan Lee Dhammadharo 

Traduzido do Tailandês por Thanissaro Bhikkhu

Tradução para o Português

Davi Coêlho


Nota Introdutória do Tradutor:

Algumas das comparações e analogias feitas pelo Mestre Ajaan Lee não devem ser entendidas como algo que realmente acontecem no mundo real (como a analogia do diamante), mas apenas deve ser levado em consideração seu caráter funcional – se explica bem o que ele quer dizer, então é uma analogia válida.
...

“Todos os fenômenos são precedidos pela mente, comandados pela mente, feitos pela mente. Se falas ou ages com uma mente pura, então a felicidade lhe segue, como uma sombra que nunca deixa seu lado.”

--- Dhammapada, v. 2.


Mérito é a intenção que surge no coração começando com seu primeiro pensamento em fazer o bem. Por exemplo, hoje você decidiu que queria vim até o mosteiro. Este pensamento, por si só, era mérito surgindo na mente. Então você veio até o mosteiro, recebeu os preceitos, e ouviu a um sermão em linha com sua intenção original. Deste modo, sua intenção original foi bem sucedida em produzir mais mérito ainda em linha com seus objetivos. Mas se pensar em querer ir ao mosteiro para receber os preceitos e ouvir o Dhamma, mas alguém surge em seu caminho para se colocar contra ou lhe critica de um modo que estraga o seu bom humor, o mérito em sua mente – a intenção original – desaparece. Mesmo se outra pessoa lhe convidar para ir ao mosteiro com este, você irá contra sua vontade e sentará aqui como uma toco de madeira morto, sem mérito algum surgir em sua mente. Isso é porque a essência do mérito em sua mente já morreu.
As coisas meritórias que você faz não são a essência do mérito. Por exemplo, dar doações, observar os preceitos, ouvir aos sermões, ou meditar não são a essência do mérito. Mesmo assim, temos que continuar fazendo estas coisas para que nosso velho mérito possa crescer gordo e saudável ao invés de murchar e morrer. Por este motivo, quando em sua mente você resolver fazer algo bom, apresse-se e faça logo. Quando quiser fazer uma doação, vá em frente e dê uma doação. Quando quiser observar os preceitos, vá em frente e observe-os. Quando quiser ouvir ao Dhamma, escute ao Dhamma. Quando quiser meditar, medite. Deste modo, os resultados de suas ações crescerão cheios e completos em todos os três períodos. Em outras palavras, sua mente se sentirá feliz, alegre e satisfeita em seu mérito quando você pensar em fazê-lo, enquanto você estiver fazendo, e depois que estiver feito...
A intenção de fazer o bem – o primeiro estágio em sua bondade – é a essência do mérito. É como plantar uma árvore. Quando você dá uma doação, é como colocar fertilizante em volta da árvore. Quando você observa os preceitos, é como catar minhocas e lagartas que comerão as flores e folhas. E quando medita, é como aguar a árvore com água limpa, clara e fresca. Deste modo, é certo que sua árvore continuará crescendo até que produza folhagem e fruto que poderá comer para seu desfrute em termos com seu objetivo inicial. Se for uma árvore que dê flores, as flores crescerão brilhosas e coloridas, com grandes pétalas e uma fragrância refrescante. Se for uma árvore que dê frutos, os frutos serão abundantes, grandes e doces. É assim que generosidade, virtude e meditação são meios para desenvolver o mérito de sua intenção original.
Mas se seu coração está de mau humor, então não se beneficiará muito ao fazer mérito ou dar doações. É como colocar fertilizante em uma árvore que já está quase morta. Mesmo se tudo o que você quiser for uma mísera pinha da árvore, não será capaz de receber o que quer, porque o fertilizante que deu à árvore foi usado para nutrir a grama e ervas que crescem na base da árvore e não fez nada para a pinha que você quis. Do mesmo modo, se você apenas fizer as ações exteriores e mecânicas, seu objetivo inicial – abandonar a ganância, aversão e ilusão – não dará frutos. O ato externo de generosidade é só o fertilizante do mérito. Quando a essência do mérito morreu, não há como você comer o fertilizante, pois não é nada além de podridão – esterco de vaca e galinha. Como espera que algo podre como isso te ajude? Mesmo assim, estará em uma posição melhor em relação a outros que nem mesmo fertilizam sua terra – isto é, pessoas que não desenvolveram virtude, concentração e discernimento – pois no mínimo você poderá fazer uso da grama e ervas que cresceram em volta do fertilizante em uma sopa ou salada.
Portanto, sempre que fizer algo, certifique-se se a essência do mérito está em seu coração ou não. Algumas pessoas fazem mérito quando seus corações estão em um mau estado. Eles são como um arroz doce papa assado no bambu, onde o arroz que está no topo é macio e bem cozinhado, mas o arroz que está em baixo está cru ou queimado. Quando este é o caso, não há como você comer, pois ele não está inteiramente bom. As pessoas em geral agem em modos que não está alinhado com os objetivos em suas mentes. Algumas pessoas fazem doações, mas seus corações estão cheios de mesquinhez, quando, por exemplo, eles dão um presente querendo algo em troca. Algumas pessoas doam um pouco de dinheiro esperando ficarem ricas por causa do seu bom karma. Algumas pessoas observam os preceitos, mas seus corações ainda estão cheios de raiva, inveja ou ódio direcionados a esta ou aquela pessoa. Algumas pessoas meditam porque querem ser belas e bem esculpidas em seu próximo renascimento, ou porque querem se tornar devas nos domínios celestiais. Outras pessoas querem isto ou aquilo – sempre querendo algo em troca. Este tipo de mérito ainda está longe da verdade.
O Buda nos ensinou a sermos generosos simplesmente para eliminar a ganância, a observamos os preceitos para eliminarmos raiva, e para meditarmos para remover a ilusão, e não para alimentarmos essas máculas mentais. Algumas pessoas vêm aqui para meditar e sentar completamente imóveis – seus olhos estão fechados, suas posturas eretas e fixas, tudo no exterior está do jeito que deveria estar – mas suas mentes estão por todo o canto: em seus plantios, seus campos; a mente de algumas pessoas estão indo a procura de seus filhos e amigos, pensando sobre todo o tipo de coisas. Suas mentes não estão juntas a seus corpos. Isso é chamado de uma mente e um corpo que não estão alinhados um com o outro – como um arroz doce papa que está cozinhado no topo, mas por baixo ainda está cru.
Se for cuidadoso ao manter a essência do mérito em seu coração, então vá em frente e faça toda a bondade que quiser. Não venha ao mosteiro por trás do cadáver de seu mérito. Em outras palavras, se você inicialmente queria vim ao mosteiro, mas alguém durante o seu percurso gritou contigo para que no fim das contas você venha aqui em um mau humor agora contra a sua vontade, este modo de fazer mérito não ajuda muito.


O motive pelo qual precisamos treinar nossa mente para ser sólida e forte no Dhamma é porque é certeza que mais cedo ou mais tarde enfrentaremos os três perigos do mundo: (1) sofrimento, enfermidade, e pobreza; (2) morte; e (3) inimigos ou amigos tolos e insensatos. Temos que nos preparar para que quando qualquer uma dessas coisas apareça em nosso caminho, nossos corações estarão fortes o suficiente para lidar com estes problemas com braveza e sem medo. Não importa de qual lado essas coisas nos atacarem, sempre teremos uma estratégia para combatê-los de todas as maneiras. É por isso que a benção diária diz, "Icchitam patthitam tumham khippameva samijjhatu," que significa, “O que você quiser ou deseje, que possa vim a se manifestar rapidamente.” Em outras palavras, quando a mente estiver forte e poderosa, o que você pensar em fazer estará fadado a suceder. 
Se deixar seus pensamentos iniciais de mérito morrer ou desaparecerem da mente antes de você fazer uma doação, observar os preceitos ou meditar, os resultados de sua intenção original não se desenvolverá, mas pelo menos, estará em uma posição melhor daqueles que não fazem nada disso. O pensamento original do mérito é como uma árvore. Se sua árvore não morre, então quanto mais fertilizante colocar, maior ela crescerá e irá se expandir. Em outras palavras, suas ações serão amáveis e quietas. O que suas mãos fizerem será mérito. Onde quer que seus pés pisem será mérito. O que quer que sua boca pronuncie será mérito. O que quer que sua mente pense será mérito. Seu corpo inteiro será mérito. Quando este for o caso, não encontrará nada a não ser felicidade. 
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Virtude, em termos de seu palavrear, consiste em aderir aos cinco, oito, dez ou duzentos e vinte sete preceitos. Em termos de seu significado, consiste em pensar, falar ou agir em termos que não machuque ninguém. Quando pensar, fará com uma mente de boa-vontade. Quando falar, fará com uma mente de boa-vontade. Quando agir, fará com uma mente de boa-vontade. Em termos de sua sensação, virtude é refrescante. Por este motivo, o ato de aderir aos preceitos não é a essência da virtude; é apenas um meio de fertilizar a virtude – nossa intenção original – para que cresça grande e saudável.
A palavra em Pali para virtude – sila – vem de sela, ou rocha, então quando você desenvolve virtude tem que fazer seu coração largo como uma rocha enorme. Como é uma rocha? É sólida, estável, e fria. Mesmo que o sol a queime todo o dia, ou a chuva possa cair sobre ela a noite toda, ela não treme ou se meche. Fora isso, ela mantém sua frieza por dentro. Que tipo de frieza é esta? A frieza da braveza, reflexos ligeiros, e circunspecção. Se estiver frio, tem de estar frio da virtude que vem dentro de si. Tendo virtude em si é como uma fonte de água em sua casa. Quando uma casa tem uma fonte de água do seu lado, como o fogo pode queimá-la? Quando tiver este tipo de frieza protegendo seu coração, como raiva, ódio ou má vontade poderá tomar conta dele?
Além do mais, esta rocha de virtude mantém-se firme por dentro – ao contrário do fogo das máculas mentais. É como uma chama fria que pode ser posta para todo tipo de bom uso. Estes são alguns dos benefícios da virtude.
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Quando você pratica concentração, mas sua mente não está firmemente estabelecida em mérito genuíno, Mara virá atrás de você com um grande sorriso em seu rosto. O que isso significa é o Mara dos agregados: haverá sensações de dor pelo seu corpo, suas percepções serão confusas, suas construções mentais (pensamentos) pensarão em um milhão de coisas, sua consciência estará por todo o canto. Quando isso acontecer, seu coração será esmagado e seu mérito apagado. Como um arroz doce papa que não está cozinhado até o final: se comê-lo, terá indigestão.
Quando praticar concentração, terá de ter cuidado para não forçar ou “apertar” muito a mente, mas ao mesmo tempo não pode deixá-la correr por todos os lados. Faça força quando for preciso, e então relaxe-a quando for preciso. O importante é manter o pensamento direcionado e avaliação em controle o tempo todo. Deste modo, a mente ganha qualidade: ela não fará truques e nem irá se desviar do caminho do bem. A natureza do bem é que às vezes coisas ruins irão vim de mancinho, sem percebemos, do mesmo modo quando pessoas ricas roubarão. Portanto, quando meditar, tenha cuidado para não cair em atenção plena ou concentração errada.
Atenção plena incorreta é quando a consciência se desvia das quatro bases de referência – corpo, sensações, mente e qualidades mentais. Aqui, o corpo significa a respiração, sensações são de conforto ou desconforto, a mente é a consciência ciente do corpo, e a qualidade mental que queremos é a qualidade do presente.
Concentração incorreta é quando se esquece ou não está ciente, como quando não está ciente de como o corpo está se sentando, para onde a mente está vagando, ou como ela volta. A mente carece de atenção plena e estado de alerta.
Mas quando sua concentração está estabelecida, a mente crescerá mais e mais. E quando a mente crescer, nada conseguirá atingir seu tamanho e destruir sua bondade. Como as estrelas, a lua ou sol que brilham no céu: mesmo que nuvens passem por eles de tempo em tempo, as nuvens não conseguem chegar a tocar na luminosidade das estrelas, lua ou sol ou fazê-los escurecer.
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Mértio é um nobre tesouro. É a fonte de toda nossa riqueza interna. Quando ele surge na mente, não deixe ninguém estragá-lo. Quando tiver uma fonte de riqueza como esta, é como ter um diamante bruto, que é mil vezes melhor do que sua riqueza em propriedade, gado ou empregados, pois estas coisas estão longe do seu alcance e são difíceis de vigiar. Se tiver um diamante bruto, tudo que tem fazer é colocá-lo em seda e mantê-lo protegido que ele crescerá por si só. Só certifique-se que nada o corte ou que você vá polir ele. Se transformá-lo em um diamante polido, mesmo que o mantenha guardado por cem anos, ele não crescerá.
Da mesma forma, quando a concentração surgir na mente, deve vigia-la. Não deixe que nenhum rótulo ou conceitos toque nela. Deste modo sua concentração se desenvolverá passo a passo. Sua mente crescerá cada vez mais alta. Felicidade e frescor virão ao seu encontro. Tudo a que você aspirar será bem sucedido, e eventualmente você chegará a alcançar o caminho e fruto que levam diretamente à Nibbana. 

Texto original disponível em: http://www.accesstoinsight.org/lib/thai/lee/startsmall3.html#merit