sábado, 30 de novembro de 2013

A História de Khemā



A História de Khemā

Tradução 

Davi Coêlho



Khemā era a rainha principal de Bimbisāra, o rei de Māgadha. Quando o Buda veio à cidade de Rājagaha, acompanhado de mil Arahants que antes eram acetas adoradores do fogo da floresta de Uruvela e que haviam sido convertidos para o Dhamma, ele foi dado as boas vindas pelo rei com um grupo de 12, 000 pessoas. O Buda então deu uma palestra apropriada e, após ouvi-la, o rei e a maioria de seus seguidores alcançaram o fruto de Entrada na Correnteza. No próximo dia, o rei ofereceu comida ao Buda e ao Sangha, e doou o Bosque do Bamboo (Veluvana) para a residência deles. O Buda passou seu segundo, terceiro, quarto, décimo sétimo e vigésimo Retiro do Período de Chuva lá. Em outras ocasiões, também, ele ficou lá durante o curso de suas viagens. Enquanto o Buda estava lá, o rei se certificava de toda oportunidade para vê-lo e ouvir seus discursos. 

Contudo, sua rainha principal, Khemā, não se preocupava em ver o Buda. Ela era muito bela e passava a maior parte do seu tempo cuidando de sua beleza. Ela ouviu dizer que o Buda muitas vezes falava com desdém da beleza física, que de fato ela tinha medo e estava relutante em ver o Mestre. Porém, tendo saboreado o Dhamma, o rei queria compartilhá-lo com ela. O rei era cinco anos mais jovem do que o Buda, portanto a rainha provavelmente ainda estava no início de seus trinta e poucos anos, e devido a sua vaidade narcisista ela não tinha desejo algum em ouvir o Dhamma. Então o rei arquitetou um plano para trazer a rainha ao encontro do Buda. 

Ele fez com que canções fossem compostas por poetas e cantadas por menestréis, canções que faziam um brilhante tributo ao esplendor do Bosque do Bamboo. Os poetas fizeram o seu melhor para tecer uma ótima imagem literária do jardim. Suas canções exaltavam as atrações do local, retratando sua semelhança ao Nandavana do mundo celestial, a visita das deidades ao jardim, as suas maravilhas e paixões, a residência do Buda que acrescentava ao esplendor do bosque e assim por diante. Estas canções estavam em estrofes em Pali e elas bem poderiam ter comovido os ouvintes se recitadas por um cantor dotado de voz prazerosa. 

Estas canções também eram cantadas pelas damas da corte. Ao ouvi-las, a rainha ficou ansiosa para visitar o jardim. De fato, não havia dúvidas sobre o esplendor do bosque. Anteriormente, era prazeroso apenas desfrutar da visão de suas flores e árvores. Agora, era agraciado pela glória do Buda, com seu ensinamento do Dhamma, com muitos meditadores e monges absortos em jhāna. Não é de se surpreender que as divindades adoravam visitar o local e nunca se cansavam de ver o Buda e ouvir seus discursos. 

A rainha Khemā então pediu ao rei permissão para visitar o bosque. O rei alegremente deu seu consentimento, mas estipulou que ela deveria ver o Buda. Para evitar tal encontro, a rainha foi lá enquanto o Buda estava fora durante sua costumeira jornada para pedir comida. Ela ficou totalmente encantada pela beleza do jardim. Passeando pelo local, ela viu um jovem monge em profunda meditação sentado abaixo de uma árvore. Ela perguntava-se porque um homem tão jovem havia se dedicado a uma vida santa que era, ela pensava, apenas para pessoas idosas que haviam se entregado aos prazeres dos sentidos quando eram jovens. 

Quando ela estava prestes a retornar ao palácio, os menestréis que haviam acompanhado-a, lembraram-na da instrução do rei e sob a pressão destes ela teve que proceder à Gandhakuti, a residência do Buda. Ela esperava que ele ainda não estivesse voltado de usa jornada por esmolas na cidade, mas a confrontação que ela tanto temia foi inevitável. 

Conforme ela entrou o salão principal, ela viu uma garota extremamente bela abanando e fazendo reverências ao Buda. A garota era apenas um simulacro, uma ilusão, criada por ele. A rainha estava imensamente surpresa porque ela pensava que a garota era verdadeira. Ela nunca havia visto uma beleza como aquela antes, uma garota tão bela que sua própria beleza esvanecia a insignificância. O que ela viu removeu sua má interpretação de que o Buda desaprovava mulheres belas. Também serviu para murchar seu orgulho e vaidade. 

Conforme a rainha Khemā admirava a garota, exercendo seu poder sobrenatural, o Buda fez aos poucos a garota envelhecer bem diante dos olhos da rainha. A garota envelheceu gradativamente até que ela se tornou uma mulher velha de noventa anos, com seu cabelo tornando-se cinza, seus dentes quebrados, sua pele enrugada e seus ossos sobressaindo. Ao ver isso a rainha ficou profundamente chocada. Ela se tornou consciente da impureza e repugnância do corpo humano e a vaidade que fazia com que as pessoas se apegassem a seus corpos.

Então o Buda falou com a rainha. Ele disse à ela para refletir sobre seu próprio corpo. O corpo é o objeto para o apego das pessoas ignorantes, apesar dele cheirar mal, de suas impurezas, repugnâncias, e suscetibilidade a doenças dolorosas. “Khemā! Você deve fixar sua mente na repugnância do corpo. Canse-se dele. O corpo daquela mulher era como o seu antes de sua desintegração. Contudo, agora é repulsivo, e seu corpo também seguirá o mesmo rumo com o tempo. Você deve contemplar a impermanência de todas as coisas.”

A impermanência de todas as coisas geralmente escapa a atenção daqueles que não estão atentos à mente e matéria no momento em que estes surgem. Vivendo sem reflexão e sabedoria, eles (as pessoas comuns) acreditam que o corpo físico de uma pessoa é o mesmo que era quando criança. Para eles, a mente é tida como uma entidade permanente, e para algumas pessoas o corpo e a mente são aspectos de uma mesma entidade permanente. Assim, é uma tendência humana interpretar de forma incorreta a característica da permanência. Esta ilusão é compartilhada até mesmo por aqueles que podem descrever corpo, mente e seus elementos de forma analítica, mas que não refletiram sobre isso corretamente. Contudo, meditadores que praticaram a atenção plena constante não tem visão alguma sobre mãos, pés, cabeça, etc. quando eles desenvolvem concentração. Para eles, eles veem apenas a dissolução momentânea de tudo tanto subjetivamente quanto objetivamente. Eles claramente compreendem por si a impermanência do mundo fenomenal.

O Buda pediu então para a rainha contemplar esta natureza das coisas que estão destituídas de qualquer característica de permanência, pois foi devido a sua ignorância disto que estava na raiz de sua vaidade descomunal.  

“Khemā! Atraves deste insight sobre a impernência, você deve superar a raiz do orgulho; através da superação do orgulho, você viverá em paz.”

“Assim como uma aranha vaga sem cessar por sua própria teia, assim também através dos apegos de criação própria, as pessoas vagam sem cessar de uma existência para outra e não conseguem se libertar da roda da vida. Aqueles que renunciam aos prazeres dos sentidos e praticam o Dhamma podem superar o apego e se libertarem de saṃsāra.”

Os comentários dizem que após ouvir este discurso pelo Buda, Khemā atingiu o estado de santidade (arahant).

Com o consentimento do rei, ela se juntou ao Sangha e foi conhecida como Khemā Therī. Ela era inigualável entre as monjas no que diz respeito a sua inteligência e sabedoria, e foi honrada pelo Buda como a monja de maior sabedoria.

Nota:

*A história acima foi retirada de um livro do Venerável Mahasi Sayadaw, intitulado A Discourse on the Sallekha Sutta, contudo, esta mesma história pertence comentário para o verso 347 do Dhammapada.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Algumas Observações



Retirei estas observações abaixo do meu diário de meditação e decidi colocá-las aqui para que sejam de proveito para aqueles que possam delas se beneficiar. 
    
"Algumas considerações a serem tomadas:

Há dois tipos de pensamento basicamente, e eles podem ocorrer de forma separada ou conjuntamente, e estes são – verbal e visual. O pensamento verbal é aquela voz dentro da mente que não para de falar, e o pensamento visual são as várias lembranças ou fantasias que a mente pode conjurar.

Existe uma diferença entre a faculdade da atenção plena e os pensamentos que rondam pela mente. Isso pode ser claramente constatado devido ao fato de que, ao mesmo tempo em que posso manter a atenção focada na respiração, os pensamentos vêm e vão.  

Eu lanço a hipótese de que o silenciar dos pensamentos na meditação deve ser algo similar a uma pessoa chata que não para de falar e outra que ignora a mesma. A primeira pode ser bastante insistente em continuar sua tagarelice, mas se a segunda manter-se indiferente a isso, eventualmente a primeira irá se esgotar e parará de falar. Isto é, se a atenção plena for consistente em manter seu foco na respiração, sem forçar, sem se irritar, e principalmente, sem se envolver com a tagarelice dos pensamentos, ela poderá chegar, hipoteticamente, a um estado onde haja apenas a atenção plena na respiração.

Contudo, há dois problemas que é preciso ser estressado aqui. Primeiramente, é apenas com as repetidas tentativas na meditação que se pode chegar a esse ponto onde se percebe a diferença entre a atenção plena sobre o objeto de meditação e os pensamentos. Pois acontece que, uma pessoa que não sabe fazer esta diferenciação se envolva e se entrelace com os pensamentos vez após vez para sua frustração. Se a atenção plena for adequada o bastante, ela poderá ver quando isso acontece assim que ocorrer o fato e poderá se separar dos pensamentos mais uma vez. De novo, estresso que a atenção plena é diferente dos pensamentos, é possível ter pensamentos na mente sem que a atenção plena se envolva neles, apesar de ser uma situação incômoda.

Eu teria que ir pela fé aqui, porém, ao afirmar que nesta minha hipótese, se a mente eventualmente conseguir se acalmar dos pensamentos, que ela verá o nimitta – isto é, a luz que prenderá a sua atenção e fará com que ela se foque apenas nisto e entre no estado de absorção.

O outro problema – se a agitação da mente vem da ansiedade como um dos cinco empecilhos, o segundo problema vem quando a mente consegue começar a se acalmar, isto é, a sonolência. Este é um problema comum que já enfrentei várias vezes na meditação. Começa-se a sentir alegria quando a mente começa a se acalmar, tudo parece estar indo uma maravilha quando de repente você percebe que começa a ficar sonolento. Isso eu entendo que se deve ao fato deu ter colocado as coisas em ‘piloto automático’ por assim dizer. Há a consciência da respiração, mas a este ponto, esta já deixou de ser o objeto da mente. Em outras palavras, se a atenção plena larga o objeto de meditação, isso dá lugar a sonolência. Então encontro-me em dois extremos aqui – o da agitação e o da estagnação.

Mas não quero fazer parecer aqui que minha prática meditativa resumiu-se a apenas estes dois – se assim fosse, eu já teria deixado a meditação para trás há muito tempo. Não, pelo contrário, eu já experimentei tanto felicidade quanto prazer corporal vindo da meditação. Felicidade que às vezes dura horas e horas após eu já ter resumido a meditação. E é esta mesma felicidade que é tão diferente dos prazeres conectados aos sentidos que me faz acreditar que se eu continuar, posso ir mais fundo.

Agora considerarei outra coisa, no que diz respeito aos preceitos. Quando estou meditando, é como se eu estivesse tentando nadar contra a correnteza. Esta correnteza nada mais é do que o fluxo de pensamentos verbais e visuais que se desdobram na mente. Agora, se notarmos cuidadosamente aqui quais tipos de pensamentos são estes, vamos entender porque a reclusão é importante para a prática meditativa – e eu pude compreender isso depois que passei dois dias isolado em meu quarto observando o Uposatha. Durante o nosso dia, somos bombardeados por vários estímulos sensórias – com as pessoas que interagimos, o próprio ambiente ao nosso redor, música, barulho, comida, etc. Há vários estímulos na vida de alguém que vive numa cidade, e são estes tipos de coisa que se desdobram na mente (pelo menos na minha) durante a prática da meditação. Cenas do cotidiano, trechos de conversas que tive, ocasionalmente ocorrem fantasias relacionadas ao futuro, mas no mais, tudo tem a ver com coisas que aconteceram recentemente. São estes tipos de pensamentos que se desdobram na mente durante a meditação. Quando alguém está em um local onde há reclusão, onde há poucos estímulos, é mais fácil inclinar a mente a se acalmar. Já percebi que é impossível fazer a mente se acalmar por vontade própria, mas é possível sim criar as condições corretas para que ela se aquiete por si só. É daí que vem a importância dos preceitos e de estar recluso em um ambiente onde você não será perturbado.

Os preceitos são para parar as coisas gradualmente. Por exemplo, contato com outras pessoas estimula todo tipo de conversa indevida, mas que no dia a dia acabam sendo necessárias quando se tem, por exemplo, um círculo de amizades – há fofocas, há situações em que você pode se aproximar de uma mentira, você está sujeito a cair em um tipo de fala grosseira, como palavrões, etc. Tudo isso é motivo de agitação para mente. Mas, por exemplo, se estamos em recolhimento, longe de outras pessoas, a oportunidade para nos engajarmos em todo tipo de conversa desnecessária não surge e assim a mente não se agita devido a estes fatores ausentes. Sem falar de que isso também é um grande benefício para que a mente não comece a se engajar em desejo sexual – se não há outros por perto, se a mente está recolhida, é menos provável que surjam pensamentos relacionados ao sexo.

Se escolhermos também um local com o qual nos familiarizamos e que seja relativamente tranquilo, também não haverá muitos estímulos vindos do ambiente e isto é outro fator para que a mente não se agite. Por isso, torna-se claro, que durante o Uposatha é bom que estejamos reclusos, isolados, recolhidos da companhia de outras pessoas que possam ser causa para distração. Estando assim longe de tantos estímulos, comendo uma vez ao dia, deixando de ouvir música ou de assistir programas, shows, filmes, etc., e escolhendo um ambiente adequado, já nos livramos de muitos estímulos que podem invadir a mente durante a meditação e criamos as condições para que essa se aquiete mais. De fato, essa mente é um instrumento muito delicado, muito sensível, merecendo de nós a maior atenção para que seja cuidada.

Por enquanto, estes são os pensamentos que achei necessário que fossem colocados em escrita, baseados em várias observações já feitas."

sábado, 23 de novembro de 2013

AN 8.43: Visakhuposatha Sutta



Anguttara Nikaya 8.43

Visakhuposatha Sutta: O Discurso à Visakha sobre o Uposatha

Tradução do Pali para o Inglês,

Bhikkhu Khantipalo

Tradução para o Português

Davi Coêlho

Assim ouvi: Em certa ocasião o Exaltado estava próximo de Savatthi no Mosteiro do Leste na mansão (doada pela) mãe de Migara. Então Visakha[1], a mãe de Migara, se aproximou do Exaltado; tendo se aproximado e se prostrado, ela então sentou-se em um local apropriado. Quando ela estava sentada o Exaltado se dirigiu assim à Visakha, a mãe de Migara:

“Visakha, quando o Uposatha é realizado com suas oito práticas componentes, [2] quando nele se entra, é de grande fruto, de grande vantagem, de grande esplendor, de grande alcance. E como, Visakha, o Uposatha realizado com suas oito práticas componentes, e quando nele se entra, é de grande fruto, grande vantagem, grande esplendor e grande alcance?

“Aqui, [3] Visakha, um nobre discípulo considera da seguinte maneira:

“Por toda a sua vida, os arahants vivem tendo abandonado a matança de seres vivos, abstém de toda matança de seres vivos, tendo abaixado sua vara, tendo abaixado suas armas, eles são conscientes, [4] empáticos, compassivos pelo bem de todos os seres vivos; assim eu vivo hoje, por esta noite e este dia, tendo abandonado a matança de seres vivos, abstendo da matança de seres vivos, eu sou alguém que abaixou a minha vara, abaixou minhas armas, sou consciente, empático, compassivo pelo bem de todos os seres vivos. Através desta prática, seguindo a maneira dos arahants, entrarei o Uposatha.”

“É realizado por esta primeira prática.”

“[Ele considera:] ‘Por toda a sua vida, os arahants vivem tendo abandonado pegar aquilo que não é dado, abstém de tomar o que não é dado, eles só tomam para si aquilo que lhes é dado, são aqueles que apenas esperam por aquilo que é dado, eles mesmos tornaram-se puros sem roubar; do mesmo modo hoje, eu vivo por esta noite e este dia, tendo abandonado pegar aquilo que não me é dado, abstendo de tomar aquilo que não é dado. Eu apenas tomo aquilo que me é dado, sou alguém que apenas espera por aquilo que é dado, por mim mesmo torno-me puro sem roubar. Através desta prática, seguindo a maneira dos arahants, entrarei o Uposatha.”

“É realizado por esta segunda prática.”

“[Uma pessoa considera:] ‘Por toda sua vida, arahants vivem tendo abandonado a conduta não casta, eles são de conduta casta, vivendo afastados, abstém do sexo que é o modo de vida da sociedade comum; portanto hoje vivo, por esta noite e dia, tendo abandonado conduta não casta, sou de conduta casta, vivendo indiferente, abstendo do sexo que é o modo da sociedade comum. Através desta prática, seguindo a maneira dos arahants, entrarei o Uposatha.”

“É realizado por esta terceira prática.”

“[Ele considera:] ‘Por toda a sua vida, arahants vivem tendo abandonado linguagem falsa, abstém de linguagem falsa, pronunciam apenas a verdade, juntam-se à verdade, [5] são firmes-na-verdade, [6] estabelecidos-na-verdade, [7] não são de pronunciar mentiras ao mundo; portanto hoje vivo, por esta noite e dia, tendo abandonado linguagem falsa, abstendo de linguagem falsa, falante apenas da verdade, alguém que se junta à verdade, firme-na-verdade, estabelecido-na-verdade, não um falante de mentiras ao mundo. Através desta prática, seguindo a maneira dos arahants, entrarei o Uposatha.”

“É realizado por esta quarta prática.”

“[Ele considera:] ‘Por toda a sua vida, arahants vivem tendo abandonado intoxicantes fermentados e destilados que são a ocasião para o descuidado e deles se abstém; portanto eu vivo, por esta noite e dia, tendo abandonado intoxicantes fermentados e destilados que são a ocasião para o descuido, abstendo deles. Através desta prática, seguindo a maneira dos arahants, entrarei o Uposatha.”

“É realizado por esta quinta prática.”

“[Ele considera:] ‘Por toda a sua vida, arahants são alguém que comem apenas uma vez, abstendo de comer fora da hora, renunciando à noite [8], portanto, hoje sou alguém que apenas come uma vez, abstendo de comer fora da hora, renunciando à noite. Através desta prática, seguindo a maneira dos arahants, entrarei no Uposatha.”

“É realizado por esta sexta prática.”

“[Ele considera:] ‘Por toda sua vida, arahants abstém de dançar, cantar, de música, de ir ver entretenimentos, de usar trajes, adornando-se com perfumes e se embelezando com cosméticos; portanto hoje eu abstenho de dançar, cantar, de música, de ir ver entretenimentos, de usar ornamentos, de me adornar com perfumes e de me embelezar com cosméticos. Através desta prática, seguindo a maneira dos arahants, entrarei o Uposatha.”

“É realizado por esta sétima prática.”

“[Ele considera:] ‘Por toda sua vida, arahants tendo abandonado camas altas [9] e camas largas, [10] abstendo de camas altas e camas largas, fazem uso de um local baixo para dormir, uma cama [dura] ou um monte de palha; portanto hoje, tendo abandonado camas altas ou camas largas, abstendo de camas altas e camas largas, faço uso de um local baixo para dormir, uma cama [dura] ou um monte de palha. Através desta prática, seguindo a maneira dos arahants, entrarei o Uposatha.”

“É realizado por esta oitava prática.”
“Assim de fato, Visakha, é como entrando o Uposatha e realizando-o com suas oito práticas componentes, é de grande fruto, de grande vantagem, de grande esplendor, de grande alcance. Quão grande o fruto? Quão grande a vantagem? Quão grande o esplendor? Quando grande o alcance?”

“Assim como, Visakha, alguém possa ter poder, domínio e soberania [11] sobre todos os dezesseis grandes países abundantes nos sete tesouros [12] – isto é, Anga, Magadha, Kasi, Kosala, Vajji, Malla, Ceti, Vansa, Kure, Pancala, Maccha, Surasena, Assaka, Avanti, Gandhara e Kamboja, ainda sim não vale um décimo sexto deste Uposatha realizado com suas oito práticas. Por qual motivo? Miserável é a soberania sobre homens comparado com a felicidade celestial.

“Aquilo que entre os homens é cinquenta anos, Visakha, é um dia e uma noite dos devas dos Quatro Grandes Reis, o seu mês tem trinta destes dias, seus anos tem doze destes meses; a duração de vida dos devas dos Quatro Grandes Reis é quinhentos destes anos celestiais. Agora, aqui certo homem ou mulher, tendo entrado o Uposatha realizado com suas oito práticas componentes, ao quebrar-se o corpo, após a morte, pode surgir entre a companhia dos devas dos Quatro Grandes Reis – tal coisa é de fato conhecida, Visakha. Foi em conexão a isto que eu disse: Miserável é a soberania sobre homens comparado com a felicidade celestial.

“Aquilo que entre os homens é cem anos, Visakha, é um dia e uma noite dos devas dos Trinta e Três, o seu mês tem trinta destes dias, seus anos tem doze destes meses; a duração de vida dos devas dos Trinta e Três é mil destes anos celestiais. [13] Agora, aqui certo homem ou mulher, tendo entrado o Uposatha realizado com suas oito práticas componentes, ao quebrar-se o corpo, após a morte, pode surgir entre a companhia dos devas dos Trinta e Três – tal coisa é de fato conhecida, Visakha. Foi em conexão a isto que eu disse: Miserável é a soberania sobre homens comparado com a felicidade celestial.

“Aquilo que entre os homens é duzentos anos, Visakha, é um dia e uma noite dos devas Yama, o seu mês tem trinta destes dias, seus anos tem doze destes meses; a duração de vida dos devas Yama é de dois mil destes anos celestiais. Agora, aqui certo homem ou mulher, tendo entrado o Uposatha realizado com suas oito práticas componentes, ao quebrar-se o corpo, após a morte, pode surgir entre a companhia dos devas Yama – tal coisa é de fato conhecida, Visakha. Foi em conexão a isto que eu disse: Miserável é a soberania sobre homens comparado com a felicidade celestial.

“Aquilo que entre os homens é quatrocentos anos, Visakha, é um dia e uma noite dos devas de Tusita, o seu mês tem trinta destes dias, seus anos tem doze destes meses; a duração de vida dos devas de Tusita é de quatro mil destes anos celestiais. Agora, aqui certo homem ou mulher, tendo entrado o Uposatha realizado com suas oito práticas componentes, ao quebrar-se o corpo, após a morte, pode surgir entre a companhia dos devas de Tusita – tal coisa é de fato conhecida, Visakha. Foi em conexão a isto que eu disse: Miserável é a soberania sobre homens comparado com a felicidade celestial.

“Aquilo que entre os homens é oitocentos anos, Visakha, é um dia e uma noite dos devas-que-se-deleitam-em-criação, o seu mês tem trinta destes dias, seus anos tem doze destes meses; a duração de vida dos devas-que-se-deleitam-em-criação é de oito mil destes anos celestiais. Agora, aqui certo homem ou mulher, tendo entrado o Uposatha realizado com suas oito práticas componentes, ao quebrar-se o corpo, após a morte, pode surgir entre a companhia dos devas-que-se-deleitam-em-criação – tal coisa é de fato conhecida, Visakha. Foi em conexão a isto que eu disse: Miserável é a soberania sobre homens comparado com a felicidade celestial.

“Aquilo que entre os homens é mil e seiscentos anos, Visakha, é um dia e uma noite dos devas-que-exercem-poder-sobre-a-criação-dos-outros, o seu mês tem trinta destes dias, seus anos tem doze destes meses; a duração de vida dos devas-que-exercem-poder-sobre-a-criação-dos-outros é de dezesseis mil destes anos celestiais. Agora, aqui certo homem ou mulher, tendo entrado o Uposatha realizado com suas oito práticas componentes, ao quebrar-se o corpo, após a morte, pode surgir entre a companhia dos devas-que-exercem-poder-sobre-a-criação-dos-outros – tal coisa é de fato conhecida, Visakha. Foi em conexão a isto que eu disse: Miserável é a soberania sobre homens comparado com a felicidade celestial.

“Não tire a vida, nem pegue aquilo que não é dado, não fale mentira alguma, nem seja um alcoólatra, abstenha-se de sexo e conduta não casta, à noite não coma fora do horário, nem use guirlandas nem se adorne com perfumes, e faça sua cama sobre um tapete sobre o chão: isto é de fato chamado o Uposatha com oito fatores ensinado pelo Buda, que chegou ao fim do sofrimento. Os esplendores do sol e da lua, ambos belos de se verem, seguem um após o outro, dissipando a escuridão conforme eles passam pelos céus, iluminando o mesmo e clareando os quatro cantos e todos os tesouros neles encontrados: pérolas e cristais e turquesas preciosas, pepitas de ouro e o ouro chamado ‘minério’, ouro monetário com pó de ouro carregado – comparados com este Uposatha de oito fatores, apesar deles serem desfrutados, não velem um décimo sexto – assim como a lua resplandecente entre todos os grupos de estrelas. Portanto, de fato, uma mulher ou um homem que é virtuoso entram o Uposatha tendo oito partes e tendo feito méritos [14] que trazem felicidade, sem mancha de culpa eles obtém moradas celestiais.

(O upasaka Vasettha, quando ouviu este discurso, após o Buda ter acabado de pronunciar os versos acima, exclamou:)

“Senhor, se meus queridos parentes entrassem este Uposatha realizado com suas oito práticas, seria para o benefício e felicidade deles por muitos dias. Senhor, se todos os nobres guerreiros, brâmanes, comerciantes e trabalhadores, juntamente com seus governantes e a humanidade entrassem neste Uposatha realizado com suas oito práticas, seria para o benefício e felicidade deles por muitos dias.”

“De fato assim é, Vasettha. Se todos nobres guerreiros, brâmanes, comerciantes e trabalhadores entrassem neste Uposatha realizado com suas oito práticas, seria para o benefício e felicidades deles por muitos dias. Se este mundo, com suas devas, maras e brahmas, esta geração com seus samanas e brâmanes, juntamente com seus governantes e humanidade entrassem neste Uposatha realizado com suas oito práticas, seria para o benefício e felicidade deles por muitos dias. Vasettha, até mesmo se estas grandes árvores entrassem este Uposatha com suas oito práticas, seria para seu benefício e felicidades por muitos dias, isto é, se elas fossem conscientes, o que dizer então da humanidade.”

Notas:

1.      Visakha: uma mulher muito generosa e discípula leiga que, por ouvir frequentemente o Dhamma, tornou-se uma Que Entrou a Correnteza e que era, talvez, já uma nobre discípula (ariya) quando este discurso foi proferido.
2.      Anga: literalmente, parte, componente; aqui significando práticas compondo o Uposatha.
3.      “Aqui”: significando, “no Buddha Sasana,” as instruções do Buda ou religião.
4.      Lajji: alguém que tem vergonha (hiri) de fazer o mal, e o medo de fazer o mal (ottappa), as duas qualidades que são chamadas de “os guardiões do mundo”.
5.      Saccasandha: “eles se juntam à verdade” (comentário.)
6.      Theta: literalmente, “firme, estabelecido”, isto é, na experiência da verdade suprema.
7.      Paccavika: verdade que foi vista por notar o seu surgimento condicional.
8.      Monges não comem após o meio dia até o amanhecer do dia seguinte.
9.      Camas altas significam camas luxuosas que são macias e bem arqueadas.
10.  Camas largas são aquelas em que duas pessoas podem dormir nela.
11.  Rajjam: literalmente, “realeza”, mas significando geralmente grande autoridade.
12.   Os sete tesouros: ouro, prata, pérola, cristal, turquesa, diamante, coral.
13.  Se calculado em anos humanos, as devas dos Quatro Grandes Reis vivem 9, 000, 000 anos; as dos Trinta e Três  36,000,000 anos; a dos Yama 144, 000, 000 anos; as de Tusita, 576, 000, 000 anos; as devas-que-se-deleitam-em-criação 2, 304, 000, 000 anos; as devas-que-exercem-poder-sobre-a-criação-dos-outros, 9, 216, 000, 000 anos. Um humano pode viver no máximo um dia na vida das devas dos Trinta e Três. Vale a pena ler a história no Comentário do Dhammapada chamada Aquela que honra o marido, que trás à vida esta escala comparativa.
14.  Mérito (puñña): kamma positivo que purifica e limpa a mente daquela que faz a ação, tais como as práticas dos três modos de ser fazer mérito: caridade, conduta moral (ou preceitos) e meditação.

O texto acima pode ser encontrado em sua íntegra em inglês no seguinte endereço: http://www.accesstoinsight.org/tipitaka/an/an08/an08.043.khan.html