sexta-feira, 29 de março de 2013

Metta - A Filosofia e Prática do Amor Universal



Metta

A Filosofia e Prática do Amor Universal

Por

Acharya Buddharakkhita

Tradução

Davi Coêlho

Introdução

A palavra Pali metta é um termo de muitos significados como bondade-amorosa, afabilidade, boa-vontade, benevolência, amizade, irmandade, concórdia, não ofensividade e não violência. Os comentadores em Pali definem metta como um forte desejo pelo bem-estar e felicidade dos outros (parahita-parasukha-kamana). Essencialmente, metta é uma atitude altruísta de amor e afabilidade distinto da mera amabilidade baseada no interesse próprio. Através de metta, um indivíduo recusa-se a ser ofensivo e renuncia a amargura, ressentimento e inimizade de todo tipo, desenvolvendo ao invés disso uma mente amigável, benevolente e amável que procura assim o bem-estar e felicidade dos outros. O verdadeiro sentimento de metta é destituído de interesse próprio. Ao invés disso, evoca uma sensação interna que aquece o coração com sentimentos de irmandade, simpatia e amor, que cresce ilimitadamente com a prática e supera todas as barreiras sociais, econômicas, religiosas, raciais e políticas. Metta é realmente um amor universal, desinteressado e amplamente abrangente. 

Metta faz de um indivíduo uma fonte de bem-estar e segurança para outros seres. Assim como uma mãe dá sua própria vida para proteger sua criança, da mesma forma metta apenas dá e nunca deseja nada em retorno. Quando este impulso é transformado em desejo de promover o interesse e felicidade de outros, não apenas o impulso básico de satisfazer os interesses próprios é superado, mas a mente se torna universal por identificar seu próprio interesse com aquele de todos. Por fazer esta mudança, o bem-estar próprio também é promovido na melhor maneira possível.

Metta é a atitude protetora e imensamente paciente de uma mãe que suporta todas as dificuldades para o bem de seu filho e sempre o protege apesar de seu mau comportamento. Metta é também a atitude de um amigo que quer dar o melhor ao outro para promover o bem-estar deste e seu próprio. Se estas qualidades de metta forem suficientemente cultivadas através de metta-bhavana – a meditação sobre o amor universal – o resultado é a aquisição de um poder tremendo que preserva, protege e cura tanto do próprio indivíduo como os outros.

Aparte de suas implicações mais nobres, metta é uma necessidade pragmática nos dias de hoje. Em um mundo ameaçado por todo tipo de destrutividade, metta em ação, palavra e pensamento é o único meio construtivo para trazer concórdia, paz e compreensão mútua. De fato, metta é o meio supremo, pois forma o princípio fundamental de todas as nobres religiões assim como a base para todas as atividades benevolentes dirigidas para o bem-estar humano.

O presente artigo pretende explorar várias facetas de metta ambos em teoria e em prática. O exame do lado doutrinário e ético de metta procederá através do estudo do popular Karaniya Metta Sutta, “O Hino ao Amor Universal” do Buda. Em conexão com este tema também veremos outros textos menores lidando com metta. A explicação de metta-bhavana, a meditação sobre o amor universal, dará instruções práticas para desenvolver este tipo de contemplação conforme explicado em textos de meditação da tradição budista Theravada, como o Visuddhimagga, o Vimuttimagga e o Patisambhidamagga.


O Karaniya Metta Sutta: Hino ao Amor Universal

Karaṇīyamatthakusalena yaṃ taṃ santaṃ padaṃ abhisamecca, 
Sakko ujū ca sūjū ca suvacocassa mudu anatimānī.

Quem é hábil em fazer o que é benéfico, desejando alcançar
o Estado de Paz, age assim:
capaz, correto, honrado,
com a linguagem nobre, gentil e sem arrogância,

Santussako ca subharo ca appakicco ca sallahukavuttī, 
Santindriyo ca nipako ca appagabbho kulesu ananugiddho.

Satisfeito e fácil de sustentar,
sem ser exigente por natureza, frugal no seu modo de vida,
seus sentidos acalmados, sábio,
moderado, sem cobiçar ganhos.

 
Na ca khuddaṃ samācare kiñci yena viññū pare upavadeyyuṃ
Sukhino vā khemino hontu sabbe sattā bhavantu sukhitattā 

Que este não faça nada, mesmo que trivial,
que seja condenado pelos sábios. 
(então, que este cultive o pensamento): felizes, seguros,
que todos os seres tenham os corações pleno de bem-aventurança!

Ye keci pāṇa bhūtatthi tasā vā thāvarā vā anavasesā
Dīghā vā ye mahantā vā majjhamā rassakāṇukathūlā 

Que todos os seres vivos que existem,
fracos ou fortes, sem exceção,
compridos, grandes,
médios, curtos,
sutis, grosseiros,

Diṭṭhā vā yeva addiṭṭhā ye ca dūre vasanti avidūre
Bhūtā vā sambhavesī vā sabbe sattā bhavantu sukhitattā 

Visíveis ou invisíveis,
próximos e distantes,
nascidos e por nascer:
que todos os seres possam ser felizes!

Na paro paraṃ nikubbetha nātimaññetha katthaci naṃ kañci
Byārosanā paṭighasaññā nāññamaññassa dukkhamiccheyya

Que ninguém engane 
ou despreze outrem, em lugar nenhum,
ou devido à raiva ou má vontade
deseje que alguém sofra.

Mātā yathā niyaṃ puttaṃ āyusā ekaputtamanurakkhe
Evampi sabbabhūtesū mānasaṃ bhāvaye aparimānaṃ 

Tal qual uma mãe, colocando em risco a própria vida,
ama e protege a sua criança, o seu único filho,
da mesma forma, abarcando todos os seres, 
cultive um coração sem limites.

 
Mettaṃ ca sabbalokasmiṃ mānasaṃ bhāvaye aparimānaṃ
Uddhaṃ adho ca tiriyañca asambādhaṃ averaṃ asapattaṃ 

Com amor-bondade para todo o universo,
cultive um coração sem limites:
em toda sua altura, largura e profundidade,
amor desobstruído, livre da raiva e da má vontade.

Tiṭṭhaṃ caraṃ nisinno vā sayāno vā yāvatassa vigatamiddho
Etaṃ satiṃ adhiṭṭheyya brahmametaṃ vihāraṃ idhamāhu 

Quer seja parado em pé, andando,
sentado, ou deitado,
sempre que estiver desperto,
cultive com todo seu poder essa atenção plena:
pois isto se chama a Morada Divina
no aqui e agora.

Diṭṭhiñca anupagamma sīlavā dassanena sampanno
Kāmesu vineyya gedhaṃ nahi jātu gabbhaseyyaṃ punaretīti. 

E sem estar aprisionado por falsas crenças,
virtuoso e com a visão consumada,
tendo subjugado o desejo pelo prazer sensual,
em um ventre este não mais renascerá.


A História Por Trás do Karaniya Metta Sutta

O background histórico que levou o Buda a expor o Karaniya Metta Sutta é explicado no comentário escrito por Acariya Buddhaghosa, que o recebeu de uma linhagem ininterrupta de Anciões voltando até os dias do próprio Buda.

Foi dito que quinhentos monges receberam instruções do Buda em técnicas particulares de meditação apropriada para o temperamento individual de cada um. Eles foram então aos sopés do Himalaia, para passarem quatro meses do retiro do período de chuva vivendo uma vida recolhida e de intensa meditação. Nestes dias, um mês ou dois antes do retiro do período de chuva começar, monges de todas as partes do país se encontrariam onde o Buda estava residindo para poder receber instruções diretas do Mestre Supremo. Eles então voltariam para seus mosteiros, ou habitações na floresta ou eremitérios para fazerem vigorosas tentativas à libertação espiritual. Foi assim que estes quinhentos monges foram até o Buda, que estava em Savatthi no Bosque de Jeta no mosteiro construído por Anathapindika.

Após receberem instruções eles foram atrás de um lugar apropriado, e durante o curso de sua viagem, eles logo encontraram um belíssimo outeiro nos sopés do Himalaia. De acordo com o comentário este lugar “parecia com um reluzente cristal de quartzo azul: era embelezado com uma fresca, densa e verde floresta e um trecho coberto de areia, semelhante a uma rede de pérolas ou uma folha de prata, e era adornado por uma nascente de água fria”. Os bhikkhus ficaram cativados pela visão. Havia algumas vilas por perto, e também uma pequena cidade comercial, que era ideal como local para se pedir esmolas. Os monges passaram a noite naquele bosque idílico e na manhã seguinte foram até a cidade comercial para pedir esmolas.

Os residentes estavam radiantes ao verem os monges, pois raramente eles viam uma comunidade de monásticos virem passar o retiro do período da chuva naquelas partes do Himalaia. Estes piedosos devotos alimentaram os monges e pediram que estes permanecessem lá como convidados, prometendo construir para cada um deles uma cabana próximo ao bosque sobre o trecho arenoso para que pudessem passar seus dias e noites absortos em meditação sobre os antigos ramos daquelas árvores majestosas. Os bhikkhus concordaram e os devotos da área logo começaram a construção das cabanas na margem da floresta e proveram cada cabana com uma cama estreita, um banco e potes de água para banho e consumo.

Após os monges terem se acomodado contentemente nestas cabanas, cada um selecionou uma árvore para meditar debaixo desta, por dia e noite. Agora, era dito que estas grandes árvores eram habitadas por certas divindades que tinham uma mansão celestial construída na copa das árvores. Estas deidades, por reverência aos monges contemplativos, saíram de suas casas com suas famílias. Virtude era reverenciada por todos, particularmente pelas divindades, e quando monges sentavam sobre as árvores, as divindades, que eram chefes de família, não gostavam de permanecer em suas residências. As deidades pensaram que os monges permaneceriam apenas por uma noite ou duas, e, portanto, passaram pela inconveniência com boa vontade. Mas quando dia após dia havia passado e os monges ainda se mantinham ocupando a base das árvores, as deidades começaram a pensar quando eles iriam embora. Eles se sentiram como moradores de vilas cujas casas foram ocupadas por oficiais da nobreza e permaneceram observando os monges ansiosamente à distância, imaginando quando eles teriam suas casas de volta.  

Estas destituídas divindades discutiam sobre a situação entre si, e decidiram assustar os monges fazendo os mais diversos tipos de objetos aterrorizantes aparecerem, fazendo barulhos horrendos e criando um odor insuportável. Consequentemente, eles materializaram todas estas condições horrorosas e afligiram os monges. Os monges gradualmente ficaram pálidos e não conseguiam mais se concentrar em seus temas e objetos de meditação. Conforme estas deidades continuaram a perturbá-los, eles perderam até mesmo a mais básica atenção plena, e suas mentes pareciam estar sufocadas pelas visões oprimentes, barulho e fedor. Quando os monges se agregaram para esperar o monge mais ancião do grupo, cada um contou sua experiência. O ancião sugeriu: “Vamos voltar, irmãos, para o Abençoado e colocar diante dele nossa queixa. Há dois tipos de retiros da chuva – o cedo e o tardio. Embora estaremos interrompendo o retiro cedo ao deixar este local, podemos sempre concluir o tardio após reunirmos com o Mestre.” Os monges concordaram e saíram de lá imediatamente, e de acordo com o comentário, até mesmo sem informar os devotos.   

Aos poucos eles chegaram a Savatthi, e foram até o Abençoado, prostraram-se aos seus pés e relataram suas experiências aterrorizantes, pateticamente pedindo por outro lugar. O Buda, através de seus poderes supranormais, sondou a Índia inteira, mas não encontrando lugar melhor a não ser aquele mesmo ponto onde eles poderiam conseguir a libertação espiritual, disse: “Monges, voltem para o mesmo local! É apenas com o esforço que vocês conseguirão efetuar a destruição das máculas internas. Não temam! Se querem estar livres de perturbações causadas por deidades, aprendam este sutta. Será um tema para meditação assim como uma fórmula para proteção (paritta).

Então o Mestre recitou o Karaniya Metta Sutta – o Hino do Amor Universal – do qual os monges aprenderam por memória na presença do Mestre. Então eles voltaram para o mesmo local.

Conforme os monges aproximavam-se da floresta recitando o Metta Sutta, pensando e meditando sobre o seu significado, os corações das deidades ficaram tão saturados de sentimentos de boa vontade e compaixão que elas mesmas se materializaram em forma humana e receberam os monges com grande devoção. Elas pegaram a tigela destes, os conduziram para seus quartos, e materializaram comida e água para serem fornecidos, e então, voltando à sua forma divina, pediram para que eles ocupassem a base das árvores e meditassem sem hesitação ou medo.

Ademais, durante os três meses do retiro, as divindades não apenas tomaram conta dos monges em todo o sentido como também asseguraram que o local estivesse livre de qualquer barulho. Desfrutando do silêncio perfeito, ao final do período de chuva, todos os monges tinham atingido o pináculo da perfeição espiritual. Cada um dos quinhentos monges haviam tornado-se arahants.

De fato, tal é o poder intrínseco no Metta Sutta. Quem quer que seja que recite com fé firme, invocando a proteção das devas e meditando em metta, não apenas protegerá a si mesmo em todos os sentidos, mas também protegerá todos aqueles ao seu redor, e fará grande progresso espiritual que poderá ser verificado. Nenhum mal pode cair sobre a pessoa que trilha o caminho de metta.


Três Aspectos de Metta

O Metta Sutta consiste em três partes, cada uma da qual foca em um aspecto distinto de metta. A primeira parte (linhas 3 a 10) cobre os aspectos que requerem uma aplicação minuciosa e sistemática da bondade-amorosa na conduta diária. A segunda parte (linhas 11 a 20) descreve a bondade-amorosa como uma técnica distinta de meditação ou cultivo da mente conduzindo à samadhi – estado de consciência superior induzido pela absorção. E a terceira parte (linhas 21 a 40) fala sobre o compromisso total com a filosofia do amor universal e suas extensões pessoais, sociais e empíricas – bondade-amorosa através de atividades corporais, verbais e mentais. 

Metta é identificado como aquele fator específico que ‘amadurece’ o mérito acumulado (puñña) adquirido através dos dez meios para a aquisição de mérito (dasapunna-kiriyavatthu), tal como a prática da generosidade, virtude, etc. Similarmente, é metta que trás à maturidade as dez qualidades espirituais exaltadas, conhecidas como “perfeições” (paramita).

A prática de metta pode assim ser comparada a trazer à existência uma grande árvore desde o tempo em que a semente é plantada até a hora em que a árvore está carregada com frutas suculentas e exala sua doce fragrância para todos os cantos, atraindo miríades de criaturas para desfrutar de sua saborosa abundância. O brotar da semente e o crescimento desta, são, como se fosse, causados pela primeira parte deste sutta. Na segunda parte a árvore, já robusta e desenvolvida, é inteiramente cobeta com flores belas e fragrantes, chamando a atenção de todos os olhares.

Como o padrão de comportamento, o primeiro aspecto de metta faz a vida de alguém crescer como uma árvore, generosa e nobre. Metta, como objeto de meditação, efetua aquela eflorescência espiritual por onde a vida de um se torna a fonte de alegria para todos. A terceira parte prevê nesta imagem a fruição deste processo de desenvolvimento espiritual por onde o ser faz fruir uma aplicação abrangente do amor espiritual que pode condicionar poderosamente a sociedade como um todo e até mesmo conduzir à realização mais transcendental de todas, Nibbana.

A mente humana é como uma mina contendo uma reserva inexaurível de poder espiritual e insight. Este imenso potencial de mérito pode ser inteiramente explorado apenas pela prática de metta, conforme está claro na descrição de metta como sendo aquela “força que amadurece” e resulta em méritos dormentes. No Mangala Sutta é dito que apenas depois que um ser efetuou um relacionamento elevador interpessoal (ao escolher boas companhias, etc.) é que este ser poderá escolher o ambiente apropriado para os méritos do passado encontrarem oportunidade de se manifestarem. Este encontrar da fruição do mérito é exatamente o que metta faz. Apenas evitar más companhias e viver em um ambiente culto não é o suficiente; a mente precisa ser cultivada através de metta. Portanto a alusão à fruição de mérito passado.


A Ética de Metta

Ética, em um contexto Budista, é conduta correta, que trás felicidade e paz de mente, e nunca dá origem ao remorso, preocupação ou ansiedade mental. Este é o benefício psicológico imediato. Conduta correta também conduz a um renascimento feliz, capacitando o aspirante a progredir ainda mais no caminho para a libertação espiritual. É também a base para o progresso no Dhamma no aqui e no agora. Em outras palavras, linguagem correta, ação correta, e meio de vida correto do Nobre Caminho Óctuplo mostrado pelo Buda constituem a conduta correta no melhor dos sentidos. 

A ética budista é dupla: o cumprimento de certos valores (caritta), e os preceitos da abstinência (varitta). Caritta, conforme descrito no Metta Sutta, é como se segue:

[Ele] Deve ser capaz, honesto e justo,
Gentil em sua linguagem, humilde e não orgulhoso.
Satisfeito, ele deve ser fácil de sustentar,
Não sobrecarregado com tarefas, simples no seu viver.
Seus sentidos tranquilos, que ele seja prudente,
Moderado, sem cobiçar ganhos.

Varitta é descrita na seguinte gatha:

E que este nunca faça nada
Que homens sábios possam reprovar.

Caritta e varitta são assim praticadas através de metta expresso em ações corporais e verbais; a felicidade interna resultante e o instar altruísta são refletido pela ação mental de metta do aspirante, conforme visto na conclusão da estrofe:

(então, que este cultive o pensamento): felizes, seguros,
que todos os seres tenham os corações plenos de bem-aventurança!

A ética de metta provê assim não apenas um bem-estar subjetivo, ou a oportunidade de progredir no Dhamma no aqui e no agora e de desfrutarmos de um renascimento feliz no futuro, mas também significa o ato de doar destemor e segurança – abhayadana e khemadana.

Uma analise do padrão de comportamento e traços exaltados pelo Metta Sutta para relações significantes, ambos com referência às pessoas individualmente e com a sociedade como todo, provê uma ampla visão nas grandes implicações deste sutta para a saúde mental.

Ser capaz não é apenas mera eficiência ou habilidade, mas significa fazer algo bem, por consideração aos outros, para que não causemos inconveniência a estes. Como um homem capaz pode ser muito presunçoso, o praticante é advertido a ser ‘honesto e justo’, enquanto sendo ao mesmo tempo ‘gentil em sua linguagem, humilde e não orgulhoso’ – de fato uma síntese perfeita e um equilíbrio de traços.

Aquele que está intimamente satisfeito é por consequência, ‘fácil de sustentar’. Frugalidade, vinda da consideração pelos outros, é um traço nobre. A extensão em que a necessidade de alguém é racionada como um exemplo para outros e como um meio de não incomodá-los, a esta extensão um indivíduo demonstra refinamento. Quanto mais grosseira e materialista uma pessoa se torna, mais suas necessidades aumentam. A régua métrica para medir a saúde mental de uma dada sociedade é assim, a diminuição das necessidades; isto quer dizer, o elemento da satisfação interna.

Uma vida materialista e egocêntrica é caracterizada não apenas por um aumento em necessidades, mas também por ansiedade, mostrando seu rosto ao ser sobrecarregada e hiperativa e carecendo em moderação e auto restrição. Metta, que promove o bem estar de todos, deve ser naturalmente construída sobre as qualidades do sóbrio humanismo tais como refletidas em apenas algumas atividades seletas e importantes que conduzem ao bem estar de todos envolvidos.

Viver uma vida simples como expressão de metta envolve uma reorientação de nosso modo de ver as coisas e de nossa conduta, até mesmo em nosso competitivo e possessivo mundo, sequioso pelo busca do prazer. Um homem de vida simples é gentil, porém eficiente e eficaz, e tem restrição sobre suas faculdades sensoriais, sendo moderado, frugal e controlado. Cultivo mental através da meditação para tal pessoa torna-se natural e fácil: portanto o atributo “tranquilo em seus sentidos”.

Metta na conduta inclui o exercício da prudência, quer dizer, sabedoria prática. É apenas uma pessoa sábia e sagaz que consegue praticar metta em todas suas formas variadas na vida diária, e através de todos os modos de relacionamento humano. A presunção, surgida de um senso de ser melhor do que os outros ou mais devoto pode ser (assim como muitas vezes é) uma máscara da pratica espiritual. Portanto “moderado, sem cobiçar ganhos” é assim um indicador para a pessoa que pratica metta a não ser indulgente em qualquer forma de presunção.

Ainda mais, o praticante de metta é advertido a se restringir de qualquer ação, mesmo de convenções sociais, da qual homens sábios o possam reprovar como carente em prudência ou justeza. Não é bom o suficiente que sejamos bom, mas devemos ser vistos como bom, em consideração não apenas a nosso bem estar, mas também aquele dos outros. Uma vida exemplar é para ser vivida para o benefício de todos, para o bem estar da sociedade.

Uma pessoa vivendo assim mergulha diretamente no cultivo de uma mente abrangente de metta para com todos através das técnicas definidas de meditação conforme previstas no restante deste sutta.

Metta é também chamada de paritta – uma formula espiritual capaz de proteger nosso bem estar e integridade, guardando-nos de todo os perigos, e nos salvando de infortúnios e desgraças.

Quando os monges não conseguiram permanecer e meditar naquela bela floresta fornecida com todas as necessidades porque as divindades eram hostis a eles, eles tiveram que deixar o local. E quando retornaram armados com a proteção do Metta Sutta, do qual eles recitaram e meditaram sobre seu significado durante seu retorno, no momento em que chegaram ao local, as divindades estavam cheias de sentimentos afáveis e já antecipando o retorno destes. Hostilidade foi transformada em hospitalidade.

A proteção de paritta funciona tanto subjetivamente como objetivamente. Subjetivamente, conforme metta limpa e fortifica a mente, também desperta os potenciais dormentes, resultando numa transmutação espiritual da personalidade. Transformado por metta, a mente não é mais assombrada por ganância, ódio, lascívia ou inveja, e aqueles outros fatores que são poluentes mentais que são nossos verdadeiros inimigos e fonte de infortúnio. 

Objetivamente, metta como um pensamento-fortaleza é capaz de afetar qualquer mente em qualquer lugar, seja esta desenvolvida ou não desenvolvida. A radiação de metta pode não apenas acalmar uma pessoa ou remover flechas de ódio de seu coração, mas em alguns casos pode até mesmo curar de doenças severas. É uma experiência comum em países Budistas ver pessoas sendo curadas de todo tipo de doenças e libertas de infortúnios através da recitação dessa paritta. Assim, metta é realmente uma fonte de poder curador. Deste modo, metta age como paritta, uma formula de cura oferecendo proteção.


A Psicologia de Metta

Os comentários em Pali nos explicam que:

Um indivíduo ama todos os seres:

     (a)    Por não perturba-los e assim, evita a perturbação;
     (b)   Por ser não ofensivo (para com todos os seres), e assim evita ser ofendido;
     (c)    Por não torturar nenhum ser, e assim evita ser torturado;
     (d)   Pela não destruição da vida, e assim evita a própria destruição;
     (e)    Por não ser um incômodo, e assim evita ser incomodado;
     (f)    Por radiar o pensamento, “Que todos os seres possam ser amigáveis e não hostis”;
   (g)   Por radiar o pensamento, “Que todos os seres possam ser felizes e estarem longe da infelicidade”;
     (h)   Por radiar o pensamento, “Que todos os seres possam desfrutar de bem-estar e não estarem aflitos”.

Destes oitos modos, um indivíduo ama todos os seres; e, portanto isso é chamado de amor universal. E já que esta qualidade de amor é concebida internamente, ela é uma qualidade mental. E como esta mente está livre de todos os pensamentos de raiva, o agregado do amor, mente e liberdade são definidos como amor universal conduzindo à libertação da mente.

Da passagem acima será percebido que metta implica a superação de traços negativos por pôr ativamente em prática as positivas virtudes correlativas. É apenas quando praticamos ativamente a não perturbação para com todos os seres que podemos superar a tendência de perturbarmos. Similarmente, o mesmo se dá com as qualidades de não ofensividade, o não atormentar, a não destruição e o não incomodar em ação, palavra ou pensamento que alguém pode superar os traços de não ofender, não atormentar, não destruir e não ser um incômodo. E além de tal conduta positiva e princípios de vida, cultivamos ainda mais a mente através da técnica específica de meditação chamada metta-bhavana, que gera poderosos pensamentos de amor espiritualizado que cresce de forma ilimitada, tornando a consciência em si infinita e universal.
 
Pensamentos que desejam que todos os seres sejam amigáveis e não hostis, felizes e nunca infelizes, que possa desfrutar de bem estar e nunca de aflição, implicam não apenas sublimidade e infinitude, mas também completa libertação mental. Portanto a pertinente expressão “amor universal conduzindo à liberdade da mente”. 

Quanto aos significados dos cinco aspectos opostos de metta, perturbação é o desejo de oprimir ou danificar; ofensividade é a tendência de machucar ou ferir (geralmente com palavras); torturar é sinônimo da tendência sádica de atormentar, subjulgando outros à dor e miséria; destrutividade é colocar um fim ou acabar, o traço do extremista e iconoclasta; incomodar é taxar, causar problemas ou preocupações a outros. Cada uma dessas tendências está enraizada em antipatia e malevolência, e proporciona um contraste com metta, tanto como modo de conduta e como um estado psicológico ou atitude mental.  

A substituição de um traço negativo pelo curso oposto positivo implica uma forma bem madura e desenvolvida de abordar a vida. A habilidade de não ser um incomodo, perturbação, fonte de ofensividade, tortura e destruição significa um modo de comportamento muito belo e refinado em um mundo onde a interação entre seres humanos cria tanta tensão e miséria.  

De acordo como o Visuddhimagga, metta é um “solvente” que “derrete” não apenas os nossos próprios poluentes psíquicos de raiva, resentimento e ofensividade, mas também aqueles dos outros. Já que metta toma a abordagem da amizade, até aqueles hostis podem se tornar amigos.

Metta é caracterizado como aquilo que “promove o bem estar”. Sua função é “preferir o bem” ao invés do mal. Metta se manifesta como uma força que “remove o aborrecimento” e sua causa próxima é a tendência de ver o lado bom das coisas e dos demais seres e nunca as culpas ou faltas. Metta é bem sucedido quando ama, e falha quando degenera em afeição mundana.

Estará claro a partir desta análise que apenas quando criarmos a tendência de ver o bem nas pessoas, e preferir o bem destes, e de acordo, formos inofensivos (para removermos qualquer perturbação ou ferida) e ativamente promover o bem estar, é que metta funciona como um solvente. É dito que o propósito final de metta é atingir o insight transcendente, e se isso não for possível, pelo menos resultará em um renascimento na esfera sublime do mundo de Brahma, à parte de trazer paz interior e um estado saudável mental no aqui e no agora. Portanto a garantia do Buda no Metta Sutta:

E sem estar aprisionado por falsas crenças,
virtuoso e com a visão consumada,
tendo subjugado o desejo pelo prazer sensual,
em um ventre este não mais renascerá.

O amor afasta o ódio, que é a mais danificadora de todas as emoções. Por isso é dito: “Esta é a escapatória da raiva, amigos, quer dizer, a libertação da mente através do amor universal” (Digha Nikaya, III. 234). 

Durante a prática de metta é importante compreender as emoções que nulificam metta por serem similares ou serem não similares. O Visuddhimagga os chama de “os dois inimigos – o próximo e o remoto”. Ganância, lascívia, afeição mundana, sensualidade – todos estes são ditos como sendo “inimigos próximos” porque eles têm aparentes tendências similares. O lascivo também vê “o lado bom” ou a “beleza”, e por isso ele se envolve. O amor deve ser protegido disso caso não queiramos que ele seja mascarado por sentimentos que enganem o meditador.

Má vontade, raiva e ódio, por serem sentimentos não similares, portanto constituem o “inimigo remoto”. O inimigo remoto pode ser facilmente distinguido, portanto não devemos temê-lo, mas devemos superá-lo por projetarmos uma força maior, a força do amor. Contudo, devemos estar sempre atentos ao inimigo mais próximo porque este pode criar uma autoilusão, o que é a pior coisa que pode acontecer com um indivíduo.

(Nota do tradutor: fica aqui uma dica para ficar atento sobre como diferenciar entre o afeto mundano e o amor universal. Houve certas vezes em que caí nessa ilusão durante a minha prática de meditação, em que achei que um sentimento que estava surgindo no meu coração era o do amor universal. Porém, ao analisá-lo mais atentamente, vi que este sentimento só conseguia ser irradiado para uma pessoa com quem estava na época tendo uma relação afetiva íntima, e quando eu visualizava outra pessoa, não conseguia estender este mesmo sentimento. Outra vez, quando o sentimento de amor universal surgiu, vi que conseguia visualizar qualquer pessoa em minha mente e estender o mesmo sentimento de forma igual – isto sim é metta).

É dito que metta começa apenas quando há o zelo na forma de um desejo de querer atuar. Tendo começado com um esforço honesto, só pode ser continuado quando os cinco empecilhos mentais – desejo sensual, raiva, preguiça e torpor, ansiedade e preocupação, e dúvida – forem colocados de lado. Metta atinge culminação quando alcança a absorção meditativa (jhana).


Meditação sobre Metta

Há vários meios de se praticar metta-bhavana, a meditação sobre o amor universal. Três dos principais métodos serão explicados aqui. Estas instruções, baseadas em fontes canônicas e comentários, destinam-se a explicar a prática de meditação metta em um modo simples, claro e direto para que qualquer um que seja sincero em seu querer possa adotar a prática possa estar livre de dúvidas sobre como proceder. Para instruções completas sobre a teoria e prática de metta-bhavana, o leitor deve-se direcionar ao Visuddhimagga, Capítulo IX.

Método 1

Sente-se em uma postura confortável em um lugar silencioso – um quarto de altar, um quarto quieto, um parque ou qualquer local que forneça privacidade e silêncio. Mantendo os olhos fechados, repita a palavra “metta” algumas vezes e invoque mentalmente o seu significado – amor como o oposto de ódio, resentimento, malevolência, impaciência, orgulho e arrogância, e como um profundo sentimento de boa vontade, simpatia e gentileza promovendo a felicidade e bem estar de outros. 

Agora visualize seu próprio rosto em um estado feliz e radiante. Cada vez que ver seu rosto no espelho, veja a você mesmo em um estado de humor feliz e coloque-se neste estado durante a meditação. Uma pessoa de bom humor não pode ficar com raiva ou cultivar pensamentos ou sentimentos negativos. Tendo visualizado você mesmo em um estado de mente contente, agora se carregue com o pensamento, “Que eu possa estar livre da hostilidade, livre da aflição, livre do estresse; que eu possa viver alegremente.” Conforme for se enchendo deste modo com este pensamento positivo de amor, você se torna um recipiente cheio, com seu conteúdo pronto para transbordar em todas as direções.

Próximo passo, visualize seu instrutor de meditação; se não tiver um, escolha algum mestre que esteja vivo ou uma pessoa por quem você tenha muito respeito. Veja esta pessoa em um estado de felicidade e projete o pensamento: “Que meu mestre esteja livre de hostilidade, livre da aflição, livre do estresse; que ele possa viver em felicidade!”.

Então imagine outras pessoas por a quem você reverencie, e que também estejam vivas – monges, instrutores, pais ou anciãos, e estenda intensamente em direção a eles o pensamento de metta na maneira anteriormente mencionada: “Que todos estes possa estar livre de hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade!”

A visualização deve ser clara e a radiação do pensamento deve ser bem definida e projetada. Se a visualização for apressada ou o desejo for feito de uma forma superficial ou mecânica, a prática será de pouco benefício, pois então a prática se tornará apenas um passatempo intelectual sobre pensar sobre metta. Devemos compreender claramente que pensar sobre metta é uma coisa, e sentir metta, ativamente projetar a força da boa-vontade do amor, é outra coisa.

Perceba que apenas uma pessoa viva é quem deve ser visualizada, e não uma já falecida. A razão para isto é que a pessoa falecida, tendo mudado sua forma, ficará fora de foco da projetação de metta. O objeto de metta deve ser sempre um ser vivo, e a força do pensamento será ineficaz se o objeto não estiver vivo. 

Tendo irradiado pensamentos de metta na ordem acima mencionada – primeiramente para si mesmo, depois o instrutor de meditação, e depois outras pessoas reverenciadas – visualize um por um, todas as pessoas a quem considera querida, começando pelos membros familiares, enchendo-as cada uma com raios abundantes de amor bondade. Caridade começa em casa: se não podemos amar as pessoas com que convivemos diariamente, como poderíamos amar os outros?

Enquanto estendendo metta para seus membros familiares, atenção deve ser dada para que uma pessoa muito querida, como um marido ou uma esposa, seja o último nessa lista. O motivo para isso é que a intimidade entre um marido e uma esposa introduz o elemento da afeição mundana, que é o oposto de metta. Amor espiritual deve ser o mesmo para com todos. Similarmente, se alguém teve uma discussão ou briga com algum membro familiar ou parente, ele ou ela deve ser visualizado ao final da lista para evitar a lembrança de incidentes desagradáveis. 

Depois disso, pessoas neutras devem ser visualizadas, pessoas a quem nem sentimos afeto e nem desafeto, tal como nossos vizinhos, colegas de trabalho, meros conhecidos, e assim por diante. Tendo projetado pensamentos amorosos para todos em seu círculo neutro, deve-se visualizar em seguida pessoas com quem possivelmente tenha tido um temporário mal-entendido. Conforme visualizamos pessoas de quem não gostamos, para cada um destes devemos repetir: “Nenhuma hostilidade eu tenho em relação a ele/ela, que ele/ela possa também não reter nenhuma hostilidade contra mim. Que ele/ela possa ser feliz!”

Assim, conforme visualizamos as pessoas de círculos diferentes, “quebramos as barreiras” causadas por preferências, por apego e por ódio. Quando somos capazes de considerar um inimigo sem ódio e com a mesma quantia de boa-vontade com que temos para um bom amigo, metta adquire uma imparcialidade sublime, elevando a mente para cima e para fora, como num movimento espiral sempre crescente, até que se torne completamente abrangente. 

Por visualização é entendido “chamar à mente” ou mentalizar certos objetos, tais como uma pessoa, uma área ou uma categoria de seres. Em outras palavras, significa imaginar as pessoas para quais os pensamentos de amor são direcionados ou estendidos. Por exemplo, pode imaginar seu pai ou visualizar seu rosto em um estado de felicidade ou projetar o pensamento para a imagem visualizada, dizendo mentalmente: “Que ele possa ser feliz! Que ele possa estar livre de doenças ou problemas! Que ele possa desfrutar de boa saúde!”. Você pode usar qualquer pensamento que promova o bem estar deste.

Por radiação é entendido, como explicado acima, a projeção de certos pensamentos promovendo o bem estar das pessoas para o qual sua mente está se direcionando. Um pensamento de metta é uma poderosa força mental. Tem o poder de realmente efetuar o que foi desejado. Pois estender o bem estar é desejar e portanto é uma força criativa. De fato, tudo o que o homem criou em áreas diferentes é o resultado do que ele desejou, seja uma cidade ou um projeto hidroelétrico, um foguete indo para a lua, uma arma de destruição em massa, ou uma obra prima literária ou artística. A radiação de pensamentos de amor, também, é desenvolvimento do poder da vontade que pode efetuar o que foi desejado. Não é uma rara experiência ver doenças curadas ou infortúnios evitados, até mesmo de uma grande distância, pela aplicação da força mental de metta. Mas esta força mental tem que ser gerada em um modo muito específico e habilidoso, seguido de certas sequências.

A formula para radiar metta usada aqui chegou até nós através do antigo Patisambhidamagga: “Que eles possam estar livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade” (avera hontu, abyapajjha hontu, anigha hontu, sukhi attanam pariharantu). A explicação dada nos comentários para estes termos são bem relevantes. “Livres da hostilidade” (avera) significa a falta de hostilidade seja estimulada em si mesmo ou nos outros, ou por conta de si mesmo por causa de outros ou outros por causa de você mesmo ou outros. A raiva que sentimos com nós mesmos pode tomar a forma de autopiedade, remorso ou uma agonizante sensação de culpa. Pode ser condicionada também pela interação com os outros. Hostilidade combina raiva com inimizade. “Livres da aflição” (abyapajjha) significa a ausência de sofrimento mental, angústia ou ansiedade, o que geralmente é seguido por hostilidade ou aflição corporal. É apenas quando estamos livres de hostilidade, aflição e estresse que podemos “viver em felicidade”, isto é, conduzirmo-nos com tranquilidade e alegria. Portanto todos estes termos estão interconectados. 

Por ordem é entendido a visualização de objetos, um após o outro, ao adotar o caminho da menor resistência, em uma sequência gradual, que progressivamente amplia o círculo de pessoas e assim, a mente em si. O Visuddhimagga é bem claro a respeito desta ordem. De acordo com Acariya Buddhaghosa, devemos começar a meditação sobre metta por visualizar primeiramente pessoas queridas, após isso pessoas neutras, e então pessoas hostis. Conforme radiamos pensamentos de amor nesta ordem, a mente quebra as barreiras entre nós mesmo, uma pessoa reverenciada, uma pessoa neutra e uma hostil. Todos se tornam iguais sobre o olhar do amor universal.

No Visuddhimagga Acariya Buddhaghosa faz uma apta analogia para a quebra desta barreira: “Suponha que bandidos viessem até um meditador que está sentado em um local com uma pessoa reverenciada, uma amada, uma neutra e uma pessoa hostil ou má, e ordenasse, ‘Amigos, queremos um de vocês para o propósito de ser oferecido como sacrifício humano’. Se o meditador pensar, ‘Que ele leve aquele ou aquela pessoa’, este ainda não quebrou as barreiras. E se ele até mesmo pensar, ‘Que nenhuma dessas pessoas seja levada, mas que ele possa me levar no lugar destas’, ainda sim, ele ainda não quebrou as barreiras já que ele procura o seu próprio dano, e metta significa o bem estar de todos. Mas quando ele não vê a necessidade de nenhuma destas serem dadas aos bandidos e imparcialmente projeta o pensamento de amor universal para todos, até mesmo os bandidos, então pode ser dito que ele quebrou todas as barreiras”.


Método 2

O primeiro método de praticar a meditação sobre metta aplica a projeção de pensamentos amorosos a indivíduos em específico numa ordem de crescente afastamento de si mesmo. O segundo método apresenta um modo impessoal de radiar metta que torna a mente verdadeiramente abrangente, conforme sugerida pelo termo em Pali metta-cetovimutti, “a libertação da mente através do amor universal”. A mente não libertada está aprisionada entre as paredes do egocentrismo, ganância, ódio, ilusão, inveja e mesquinharia. Enquanto a mente estiver sobre o poder destes fatores mentais limitantes e poluentes, ela permanece insular e aprisionada. Ao quebrar estas barreiras, metta liberta a mente, e a mente libertada naturalmente se expande infinitamente, de forma imensurável.

Após a conclusão da projeção de metta em direção a pessoas selecionadas, quando a mente quebra as barreiras existindo entre si mesmo e pessoas reverenciadas, amadas, amigos, pessoas neutras e hostis, o meditador agora embarca na grande viagem da projeção impessoal, assim como um navio viaja pelo vasto e imensurável oceano, não obstante retendo a rota e objetivo final. A técnica é a seguinte:

Imagine as pessoas residindo em sua casa como formando um único agregado, então abrace-os todos em seu coração, radiando pensamentos de amor: “Que todos aqueles habitando esta residência possam estar livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que estes possam viver em felicidade”. Tendo visualizado sua própria casa nesta maneira, visualizamos em seguida a próxima casa, e todos os seus residentes, e então a próxima casa, e a próxima, e assim por diante até que todas as casas em sua rua tenham sido similarmente abraçadas por pensamentos de amor universal. Agora o meditador deve visualizar a próxima rua, e a próxima, até que vizinhança inteira ou vila esteja coberta. Depois disso extensão por extensão, de forma bem direcionada, deve ser visualizado e estendido com raios de metta de forma abundante. Neste modo a cidade inteira é coberta; então o distrito e o estado inteiro coberto e radiado com pensamentos de metta.

Após isso, deve-se visualizar estado depois de estado, começando com seu próprio estado, e depois os restantes em direções diferentes, o leste, oeste, sul e norte. Assim, deve-se cobrir seu próprio país, geograficamente visualizando as pessoas desta terra indiferente de classe, raça, setor ou religião. Pense: “Que todos neste grande terra possam habitá-la em paz e bem estar! Que possa não haver guerras, brigas, infortúnios ou doenças! Radiante com simpatia e boa vontade, com compaixão e sabedoria, que todos neste grande país possam desfrutar de paz e abundância”.

Deve-se encobrir agora o continente inteiro, país por país, na direção leste, oeste, sul e norte. Geograficamente visualizando cada país e as pessoas ali habitando de acordo com suas aparências, devemos radiar em abundante quantidade pensamentos de metta: “Que eles possam estar felizes! Que possa não haver conflitos e discórdia! Que a boa-vontade e compreensão mútua possa prevalecer! Que a paz esteja com todos!”.

Após isso, deve-se visualizar todos os demais continentes – África, Ásia, Austrália, Europa, América do Sul e do Norte – visualizando país por país e povo por povo, cobrindo o globo inteiro. Imagine-se em um ponto em particular no globo e projeto o poderoso pensamento de metta, encobrindo uma direção do globo, então outra, e depois outra, até que o globo inteiro esteja coberto e inteiramente envolvido por luminosos pensamentos de amor universal.

Projetamos em seguida para o vasto espaço raios de metta para todos os outros seres em outros mundos, primeiramente nas quatro direções cardeais – leste, oeste, sul e norte – então nas direções intermediárias – nordeste, sudeste, noroeste e sudoeste – e então acima e abaixo, encobrindo todas as dez direções com abundantes e imensuráveis pensamentos de amor universal.


Método 3

De acordo com a cosmologia Budista há diversos sistemas de mundo habitados por inúmeras categorias variadas de seres em diferentes estágios de evolução. Nossa terra é apenas um cisco em nosso sistema mundial, e este é por sua vez apenas um pequeno ponto no universo com seus quase infinitos sistemas mundiais. Direcionados a todos os seres em todos os lugares é que devemos radiar pensamentos de amor ilimitado. Isso é desenvolvido na próxima prática, a universalização de metta.

A universalização de metta é efetuada em três meios específicos:

      1.      Projeção generalizada (anodhiso-pharana),    
      2.      Projeção especificada (odhiso-pharana),
      3.      Projeção direcionada (disa-pharana).

     De acordo com o Patisambhidamagga, a projeção generalizada de metta é praticada em cinco modos, a projeção específica em sete meios, e a projeção direcionada em dez. Estes dez meios direcionados podem ser combinados com as cinco categorias de projeção generalizada e com as sete categorias de projeção específica, conforme demonstramos abaixo. Em cada um desses modos de prática, qualquer parte das quatro frases da fórmula padrão de metta – “Que eles possam estar livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade” – pode ser usada como o pensamento para a projeção. Assim os quatro tipos de pensamentos aplicados aos cinco, sete e cento e vinte objetos de metta somam ao todo quinhentos e vinte oito modos de projeção. Qualquer um desses meios pode ser usado como o veículo para alcançar a absorção (jhana) através da técnica de metta-bhavana. (Veja Vism. IX, 58).

PROJEÇÃO GENERALIZADA

Os cinco modos de projeção generalizada são como segue:

      1.      Que todos os seres (sabbe satta) estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

     2.      Que todos aqueles que respiram (sabbe pana) estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

      3.      Que todas as criaturas (sabbe bhuta) estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que elas possam viver em felicidade.

     4.      Que todos aqueles com existência individual (sabbe puggala) estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

    5.      Que todos aqueles que estejam encarnados (sabbe attabhavapariyapanna) estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

PROJEÇÃO ESPECÍFICA

Os sete meios de projeção específica são como segue:

     1.      Que todas as mulheres (sabbe itthiyo) estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que elas possam viver em felicidade.

     2.       Que todos os homens (sabbe purisa) estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

     3.      Que todos os Nobres (sabbe ariya) estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

    4.      Que todos os mundanos (sabbe anariya) estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

      5.      Que todos os deuses (sabbe deva) estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

     6.      Que todos os seres humanos (sabbe manussa) estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

     7.      Que todos aqueles em estado de miséria (sabbe vinipatika) estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

PROJEÇÃO DIRECIONADA

Os dez meios de projeção direcionada envolvem estender pensamentos de metta para todos os seres nas dez direções. Este método, em sua forma básica, é aplicado a classe de seres (satta), o primeiro dos cinco objetos generalizados de metta. Mas pode ser desenvolvido ainda mais ao estender metta através de cada um dos cinco meios de projeção generalizada e os sete meios de projeção específica, conforme veremos.

   I.                     
       1.      Que todos os seres no leste estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

       2.      Que todos os seres no oeste estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

       3.      Que todos os seres no norte estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

       4.      Que todos os seres no sul estejam livres hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

       5.      Que todos os seres no nordeste estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

       6.      Que todos os seres no sudeste estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

      7.      Que todos os seres no noroeste estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

      8.      Que todos os seres no sudoeste estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

       9.      Que todos os seres acima estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

      10.  Que todos os seres abaixo estejam livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

II.                 
1-10. Que todos aqueles que respiram, na direção leste, possam estar livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade. (Seguido da direção oeste, sul, norte, etc. e assim por diante).

III.              
1-10. Que todas as criaturas na direção leste (oeste, sul,...acima, etc.) possam estar livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que elas possam viver em felicidade.

IV.              
1-10. Que todos aqueles com existência individual na direção leste (oeste, sul,...acima, etc.) possam estar livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

V.                 
1-10. Que todos os encarnados na direção leste (oeste, sul,...acima, etc.) possam estar livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

VI.              
1-10. Que todas as mulheres na direção leste (oeste, sul,...acima, etc.) possam estar livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que elas possam viver em felicidade.

VII.           
1-10. Que todos os homens na direção leste (oeste, sul,...acima, etc.) possam estar livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

VIII.        
1-10. Que todos os Nobres na direção leste (oeste, sul,...acima, etc.) possam estar livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

IX.              
1-10. Que todos os mundanos na direção leste (oeste, sul,...acima, etc.) possam estar livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

X.                 
1-10. Que todos os deuses na direção leste (oeste, sul,...acima, etc.) possam estar livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

XI.              
1-10. Que todos os seres humanos na direção leste (oeste, sul,...acima, etc.) possam estar livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.

XII.           
1-10. Que todos aqueles em estados de miséria na direção leste (oeste, sul,...acima, etc.) possam estar livres da hostilidade, livres da aflição, livres do estresse; que eles possam viver em felicidade.


EXPLICAÇÃO

Nesta técnica de universalizar metta, cada uma das cinco categorias da projeção generalizada refere-se à dimensão da existência animada, senciente, ou orgânica, pertencendo as três esferas mundanas, ou seja, kamaloka, as esferas de existências sensoriais onde o desejo é a motivação primordial; rupaloka, os domínios dos radiantes deuses Brahmas constituídos por matéria sutil; e arupaloka, os domínios de seres sem forma constituídos por pura vida mental. Seja um “ser” ou aquilo que “respira” ou uma “criatura”, ou aquilo que tem “existência individual” ou os que “estão encarnados” – todos se referem à totalidade da existência animada, a distinção sendo que cada termo expressa exaustivamente um aspecto particular da vida em sua totalidade.

Quando visualizando cada categoria, devemos manter em mente o aspecto específico expresso por sua designação. Se alguém treinar sua mente na maneira de “furadeira mental” após ter exercido-a com os primeiros dois métodos, o significado dos cinco termos generalizados se tornará claro. No momento em que tiver completado os dois métodos, a consciência estará suficientemente desenvolvida e abrangente. E com tal consciência, quando cada uma destes conceitos universais for compreendido, a universalização de metta acontecerá naturalmente e sem esforço. A projeção neste caso se torna uma correnteza de amor que “flui para fora” em medida abundante em direção ao objeto mental conceituado – todos os seres, todas as criaturas, etc.

Cada uma das sete categorias de projeção específica abrange uma parte da gama total da vida, e em combinação com outras, exprime o inteiro. Itthi refere-se ao princípio feminino em geral, abrangendo todas as fêmeas entre devas, seres humanos, animais, demônios, espíritos e habitantes do inferno. Purisa significa o princípio masculino em todas as esferas existenciais, e ambos itthi e purisa juntos abrangem a totalidade. Novamente, de outro ângulo, os ariyas ou Nobres que transcenderam o sofrimento, e anariyas ou mundanos que ainda estão presos à roda dos ciclos do vir-a-ser, abrangem a totalidade. Ariyas são aqueles que entraram no caminho transcendental; eles podem ser encontrados tanto no mundo dos seres humanos como nos mundos celestiais, e assim formam o topo da pirâmide da existência senciente. Mundanos estão em todas as esferas da existência e constituem o corpo da pirâmide da base até quase altura, assim podemos dizer. Da mesma forma, as três categorias de deva, manussa e vinipatika – deuses, seres humanos e aqueles que caíram em estados de miséria e privação – abrangem a totalidade em termos de status cosmológico. Devas, os radiantes seres celestiais, formam a camada superior, seres humanos o meio, e vinipatikas a camada inferior do monte cosmológico.

A “furadeira mental” em termos de projeção direcionada, a projeção de metta às doze categorias de seres encontrados nas dez direções, faz da universalização de metta uma experiência extremamente emocionante. Conforme nos colocamos mentalmente em uma direção e então deixamos o amor fluir e cobrir toda aquela região, literalmente transportamos a mente às alturas mais sublimes conduzindo-a até samadhi, a concentração absorta da mente. 

Quando projetamos este desejo para que os outros vivam em felicidade, livres da hostilidade, aflição e estresse, não apenas nos elevamos a um nível onde a verdadeira felicidade prevalece, mas colocamos em andamento poderosas vibrações conduzindo à felicidade, o esfriamento da inimizade, aliviando aflições e conflitos. Será compreendido, então, que o amor universal infunde bem-estar e felicidade e remove o sofrimento físico e mental causado por poluentes mentais como hostilidade, inimizade e raiva.

As Bençãos de Metta

    “Monges, quando o amor universal conduzindo à libertação da mente é ardentemente praticado, desenvolvido, frequentemente recorrido, usado como o veículo principal (para a iluminação), é feito a base de suas vidas, inteiramente estabelecido, bem consolidado e aperfeiçoado, então estas onze bênçãos podem ser esperadas. Quais onze?

  Um indivíduo dorme feliz; acorda feliz, não sofre de pesadelos; é querido tanto para com seres humanos quanto para seres não humanos; os deuses o protegem; fogo algum ou veneno ou armas não o machucam; sua mente se concentra rapidamente; a expressão de seu rosto se torna serena; sua morte é tranquila; e mesmo que este não consiga atingir nenhum estágio mais avançado em seu caminho, pelo menos renascerá no estado do mundo de Brahma.

   Monges, quando o amor universal conduzindo a libertação da mente é ardentemente praticado, desenvolvido, frequentemente recorrido, usado como o veículo principal (para a iluminação), feito a base de suas vidas, inteiramente estabelecido, bem consolidado e aperfeiçoado, então estas onze bênçãos podem ser esperadas.” 

--- A.N 11.16

Metta cetovimutti – amor universal conduzindo à libertação da mente – significa o alcance de samadhi, absorção baseado na meditação sobre metta. Como metta libera a mente do cativeiro da raiva e ódio, egocentrismo, ganância e ilusão, isso se constitui como um estado de libertação. Cada vez que praticamos metta, não importa quão curto o período de duração seja, desfrutamos um pouco da liberdade da mente. Libertação ilimitada da mente, contudo, só pode ser esperada quando metta estiver inteiramente desenvolvido em samadhi.

As várias aplicações de metta, conforme indicadas pelos termos “praticada, desenvolvida,” etc., significam uma força bem estruturada vinda não apenas de algumas horas de meditação, mas também convertendo todas as nossas ações, palavras e pensamentos em atos de metta.

Por “praticado” (asevita) significa a prática ardente de metta, não apenas como um exercício intelectual, mas sim por fazer um compromisso de coração inteiro e torna-lo a nossa filosofia da vida, algo que condiciona nossas atitudes, o modo de ver as coisas e nossa conduta. 

Por “desenvolver” (bhavita) é implicado os vários processos de cultura interna e integração mental efetuado pela prática da meditação do amor universal. Como a meditação trás a unificação da mente por integrar as várias faculdades, isso é chamado de desenvolvimento da mente. O Buda ensinou que o mundo mental inteiro é desenvolvido pela prática da meditação do amor universal, conduzindo à libertação da mente e a transformação da personalidade.

“Frequentemente recorrido” (bahulikata) enfatiza a prática repetida de metta durante todas as horas em que estamos acordados, em ação, palavras e pensamentos, e mantendo o ritmo desta consciência durante o dia. Ação repetida significa a geração de poder. Todas as cinco faculdades espirituais, isto é, fé, vigor, atenção plena, concentração e sabedoria, são exercidas e cultivadas pela prática repetida de metta.

“Usado como o veículo principal” (yanikata) significa um “compromisso total” ao ideal de metta como o único método válido para a solução de problemas interpessoais e como um instrumento para o crescimento espiritual. Quando metta é o único “modo de comunicação”, o único veículo, a vida automaticamente se torna “uma moradia divina” conforme mencionado no Metta Sutta.

“É feito a base de sua vida” (vatthikata) é fazer de metta a base de nossa existência em todos os aspectos. Metta se torna nosso recurso principal, o refúgio de nossas vidas, tornando nosso refúgio no Dhamma uma realidade.

“Inteiramente estabelecido” (anutthita) refere-se a uma vida que é firmemente enraizada em metta, é ancorada em metta em todas as circunstâncias. Quando metta é praticado naturalmente, sem esforço algum, nem mesmo por erro violamos as leis do amor universal.

“Bem consolidado” (paricita) significa que estamos tão habituados a metta que permanecemos imerso nele sem esforço, tanto na meditação como em nossa conduta na vida diária.

“Aperfeiçoado” (susamaraddha) indica um modo de plenitude através da aderência e cultivo, conduzindo àquele estado completamente integrado no qual desfrutamos de perfeito bem estar e felicidade espiritual, indicado pela passagem detalhando as onze bênçãos de metta.

Os benefícios de metta são realmente grandes e abrangentes. Para um seguidor do Buda este é um instrumento supremo que pode ser exercido com vantagens em qualquer lugar.


O Poder de Metta

O benefício subjetivo do amor universal é evidente o suficiente. O desfrute do bem estar, boa saúde, paz de mente, expressão serena, e afeição e boa vontade de todos são realmente bênçãos da vida vindas da prática da meditação sobre metta. Mas o que é ainda mais maravilhoso é o impacto que metta tem sobre o ambiente e sobre outros seres, incluindo animais e devas, conforme as escrituras Pali e comentários nos ilustram com um número de histórias memoráveis.

Certa vez o Buda estava voltando de sua coleta de esmolas juntamente com seu grupo de monges. Conforme se aproximavam de uma prisão, em consideração a um abundante suborno dado por Devadatta, o primo mal e ambicioso do Buda, o executor soltou o violento elefante Nalagiri, que era usado para a execução de criminosos. Conforme o elefante bêbado corria em direção ao Buda alardeando ferozmente, o Buda projetou poderosos pensamentos de metta para ele. O Venerável Ananda, o atendente do Buda, ficou tão profundamente alarmado pela segurança do Buda que correu em frente a ele para protegê-lo, mas o Buda pediu que ele se afastasse, pois a projeção do amor em si seria o bastante. O impacto da radiação de metta feita pelo Buda foi tão imediata e intensa que na hora em que o animal se aproximou do Buda, ele estava completamente domado, tal como um bêbado que fica imediatamente sóbrio através de algum poder mágico ou feitiço. As presas, relata a história, se abaixaram em sinal de reverência da forma como elefantes treinados fazem em circos.

O Visuddhimagga registra um caso de um proprietário de terra de Pataliputra (hoje em dia, Patna), Visakha era seu nome. Ele ouviu o rumor de que a ilha do Sri Lanka era um verdadeiro jardim do Dhamma com seus inúmeros santuáriose e estupas adornando a ilha. E era também abençoada por um clima favorável, as pessoas eram altamente morais, seguindo o ensinamento do Buda com grande fervor e sinceridade.

Visakha decidiu visitar o Sri Lanka e passar o resto de sua vida lá como um monge. Conformemente, ele passou sua grande fortuna para sua esposa e filhos e deixou sua casa com apenas uma moeda de ouro. Ele ficou por algum tempo no porto da cidade de Tamralipi (Tamluk hoje em dia), aguardando um barco, e durante este tempo ele se engajou em negócios e vendas e conseguiu fazer mil moedas de ouro.

Eventualmente ele chegou ao Sri Lanka e foi para a capital de Anuradhapura. Ali ele se dirigiu ao famoso mosteiro Mahavihara e pediu a permissão do abade para entrar no Sangha. Conforme ele foi conduzido ao grande salão para a cerimônia de ordenação, o saco que carregava com si com as mil moedas caiu de sua cintura. Quando questionado, “O que é isto?" ele disse, “Eu tenho mil moedas de ouro, senhor”. Quando ele foi avisado de que monges não podiam possuir dinheiro, ele disse, “Oh não, eu não desejo possuir dinheiro, mas gostaria de distribuí-lo entre todos que vierem para esta cerimônia”. Conformemente, ele abriu seu saco e adornou o quintal inteiro do salão de cerimônia, dizendo, “Que ninguém que veio testemunhar a ordenação de Visakha saia de mãos vazias”.

Após passar cinco anos com seu mestre, ele decidiu ir à famosa floresta de Cittalapabbata, onde um grande número de monges com poderes sobrenaturais viviam. Durante seu percurso até a floresta ele chegou a uma divisão na estrada e ficou parado pensando em qual direção tomar. Como ele estava praticando a meditação sobre metta assiduamente, ele viu uma deva que vivia em uma pedra ali por perto, apontando sua mão em direção ao caminho certo. Após ter chegado ao mosteiro da floresta de Cittalapabbata, ele habitou em uma das cabanas.

Lá residindo por quatro meses, conforme ele pensava que havia chegado a hora de partir na manhã seguinte, ele ouviu alguém chorando e perguntou, “Quem está ai?”. Uma deva que vivia em uma árvore manila* próximo a sua cabana disse, “Venerável senhor, eu sou Maniliya (isto é, pertencendo à árvore manila).

(Nota do tradutor: fui atrás de informação a respeito desta árvore na internet, mas não consegui achar muito coisa a respeito. Aparentemente, é uma espécie de árvore que dá mangas).

“E porque está chorando?”.

“Porque o senhor está pensando em ir embora daqui.”

“E qual benefício tens com minha residência aqui?”

“Venerável senhor, enquanto tens vivido aqui, as devas e outros seres não humanos têm se tratado com gentileza e bondade. Quando for embora, eles retornarão a suas discussões e brigas.”

“Bem, se minha vivência aqui faz com que todos vivam em paz, então tudo bem.” E assim ele permaneceu lá por mais quatro meses. É relatado nesta história que, quando ele novamente pensou em ir embora, novamente aquela divindade começou a chorar. Então este Ancião ficou lá permanentemente e atingiu Nibbana naquele local. Tal é o impacto de metta-bhavana sobre os outros, até mesmo entre seres invisíveis.

Há ainda outra história registrada sobre uma vaca. Foi dito que certa vaca estava amamentando seu filhote numa floresta. Um caçador querendo matá-la lançou uma lança que, quando atingiu seu corpo, bateu de volta como uma bola jogada contra a parede. Tão poderoso é o sentimento de metta – o amor-bondade. Este nem mesmo é o caso de alguém que desenvolveu metta-samadhi (absorção na meditação sobre o amor universal). É apenas um simples caso de consciência amorosa de uma mãe para com seu filho.

De fato, inúmeros são os exemplos do poder de metta. Os comentários nas escrituras Pali são repletos de histórias, não apenas de monges, mas também de pessoas comuns que superaram vários perigos, incluindo o de armas e veneno, através do simples poder de metta – amor desinteressado.

Mas não pense que metta é apenas um mero sentimento. É o poder dos fortes. Se lideres de diferentes caminhos da vida dessem uma chance a metta, nenhum princípio ou diretriz de ação haveria com maior eficácia e sucesso em todas as esferas.

Em todas as coisas, o homem é a medida principal. Se o homem decidisse substituir metta como política de ação pela agressão e ódio, o mundo se tornaria em um verdadeiro domínio da paz. Pois é apenas quando o homem tiver paz em si mesmo, e boa vontade ilimitada para com os outros, que a paz no mundo se tornará verdadeira e duradoura.

O artigo original em inglês pode ser encontrado no seguinte endereço: http://www.accesstoinsight.org/lib/authors/buddharakkhita/wheel365.html#ch8