quarta-feira, 13 de março de 2013

Nossos Corpos Voltarão aos Elementos


Nossos Corpos Voltarão aos Elementos

Por

Ajahn Anan Akiñcano

Tradução Anônima do Tailandês para o Inglês

Tradução para o Português

Davi Coêlho


Quando colocamos empenho na prática da meditação, a mente se recolherá em quietude. Isso é samādhi (concentração). Usamo-la para investigar esta pilha de sankhāra (formações): esta pilha de rūpa (matéria) e nāma (mente). No começo começamos a olhar diretamente à matéria: dos cabelos da cabeça, cabelos do corpo, unhas, dentes, pele e nesta massa inteira que chamamos de um corpo. Agora donde surge sua verdadeira essência?

A verdadeira essência do corpo vem dos elementos. A comida que nos dá suporte inicialmente vem do elemento terra. Podemos ver isso com as árvores. Elas absorvem os minerais e a umidade da terra. O sol dá suporte ao processo de fotossíntese para as folhagens da árvore e através disso a árvore cresce. Eventualmente ela produz flores e frutos. No início a árvore cresce e floresce e finalmente produz flores e frutos. Isso pode provê alimento e um lar para diferentes tipos de animais, e se torna parte do ciclo da alimentação, dando suporte à vida.

Seres humanos dependem de animais, plantas e frutas para manter suas forças vitais. É um ciclo que não para de girar: tudo é dependente dos elementos de terra, ar, água e fogo, provendo este corpo com terra, ar, água e fogo, facilitando assim seu crescimento posterior.

Porém, quando não compreendemos este simples e natural processo e nos apegamos a ele, pensando que este amontoado de elementos sou “eu” ou “meu”, não conseguimos reconhecer que no final tudo irá apenas se acabar. No final, tudo irá se degenerar e mudar sua forma. Quando a respiração chegar a seu fim, este corpo começará a se decompor. Os diferentes tipos de bactérias começarão a comer e roer e o corpo mudará sua cor até que os vários elementos se decomponham de volta à seus respectivos elementos, tudo isso seguindo seu curso natural. Terra volta para terra, água de volta para água, fogo de volta para o fogo, e ar para o ar. Todos estes fatores condicionados fizeram com que esta forma chegasse ao seu fim.

Portanto, quando vemos que o corpo chega a seu fim desta maneira, onde está este “eu”? No passado, considerávamos este corpo como sendo nós mesmos, mas agora onde está este ser? Onde estão todas as “minhas” coisas? Nossos pais, a quem chamávamos de “mãe” e “pai”, quando suas respirações chegarem a um fim, para onde “eles” foram? Os amontoados de elementos se quebraram e se espalharam, terra de volta a terra, água a água, fogo ao fogo, e ar ao ar.

A verdade é assim, desta maneira. Mas se formos atrás de todas as convenções mundanas, ainda há um “eu”, um “ele”, um “eles”. Ainda há “relações”, “irmão”, “irmã”, “marido”, “esposa”, “mãe e pai”, “filhos e filhas”. Estas coisas existem de fato em nossa realidade, mas são apenas convenções. E se o coração não conseguir enxergar a verdade, então ele irá pensar que todas essas convenções são a realidade final – que elas são sólidas e que contém uma existência própria.

O Buda descobriu a verdade; ele descobriu que o que consideramos como sendo realidade não existe de fato. É tudo vazio. Há apenas o surgimento, existência, e desparecimento. Essa é a realidade de todo fenômeno. Ele viu saccadhamma, ou a verdade sobre as coisas até os seus mínimos detalhes. Sua mente habitando na benção da libertação, ele sentiu que seria impossível para as outras pessoas seguirem este caminho e ver seus frutos. Ele pensou que porque não há nada mais refinado e extraordinário do que Nibbāna, seria mais fácil se ele permanecesse em silêncio.

Então Brahma Sahampati, uma divindade que estava intimamente ligado ao Buda desceu até a Terra e pediu que ele ensinasse essa verdade aos outros. O Buda pensou primeiramente em seus dois professores que tivera no passado, Uddaka Rāmaputta e Alara Kalāma, mas ambos já haviam renascido em domínios brahmânicos imateriais, onde os seres carecem de bases sensoriais, e, portanto não podiam ouvir os ensinamentos. Então ele se recordou do pañcavaggiyā, os cinco ascetas que haviam previamente dado assistência a ele nos seus dias de práticas de austeridade. Ele viu que estes seriam capazes de compreender o Dhamma. O Venerável Aññā Konóañña foi o primeiro a compreender o Dhamma, com o restante do grupo seguindo não muito tempo depois. Por fim todos conseguiram atingir o estado de arahant (santidade) juntos. Eles conseguiram compreender Nibbāna porque todos viram que toda matéria e mente são apenas impermanente, insatisfatória, e que tudo está destituído de uma essência e identidade.

Se tivermos samādhi (concentração) e usarmos sua força para investigar, passo a passo, seremos capazes de ver, ver que este corpo não é nem belo nem atraente. É apenas constituído por elementos. Você já viu uma folha? Imagine uma. Ela começa como um pequeno broto, então se torna mais verde e cresce. Então fica velha, murcha, e eventualmente cai no chão. Todo o verde se foi e agora é apenas marrom. Esta folha marrom gradualmente se decompõe. E finalmente, ela volta à terra.

Nosso corpo é o mesmo que essa folha; o mesmo que a árvore, a casca, o cerne. Todos passam pelo processo de condições mutantes nesta sequência – quando a força vital se vai, eles se decompõem e desaparecem. No fim, não importa se forem os cabelos da cabeça, cabelos do corpo, unhas, dentes, ou pele, todos seguem seu curso natural de mudanças. A cor muda e eles se quebram. Os ossos são os mesmos; eles vão do branco ao marrom. No fim eles apenas acabam como o elemento terra, assim como eram originalmente. Então a percepção de “ossos” de um “corpo” desparecem e apenas o elemento terra permanece. Quando realmente dividimos essas coisas em partes e as analisamos como o elemento terra, vemos que tudo não passa de uma grande massa de elementos naturalmente existindo que se juntaram para dar formação a este corpo. Se dividirmos ainda mais, vemos que são apenas pequenas moléculas e elementos. Se separarmos tudo, vemos que é apenas energia. Mas no fim isso ainda pode ser separado até que nem mesmo isso esteja lá. Apenas uma massa sem nenhuma essência permanente, uma fusão de energia que eventualmente se dissipa.

É o mesmo com a água. São apenas hidrogênio e oxigênio que se juntaram. Mas se separarmos estas duas coisas a água já nem está mais lá. Do mesmo modo, o que chamamos de “nós” e “nossos” corpos não tem nenhuma essência verdadeira, pois também irão ter que se quebrar e desaparecer. Os rūpa sankhāras (formações materiais) e nāma sankhāras (formações mentais) que são dependentes de causas e condições simplesmente surgem, permanecem por um instante e depois desaparecem. Se o coração estiver calmo em samādhi, quando investigarmos, ele será capaz de penetrar e ver claramente. Podemos então nos desprender das convenções de um ser, uma pessoa, eu, nós e eles. Mas se o coração não tiver este samādhi, então apenas veremos as coisas em termos de “meu” e “eu”.

Portanto, temos que desenvolver o poder de samādhi. Investigando o corpo como elementos é um método que podemos usar, dividindo o corpo em quatro partes. Como uma pessoa cortando uma vaca em quatro partes. Vá até lá e investigue cada parte, passo a passo. O elemento terra são todas as partes duras do corpo. As partes líquidas tem a característica de serem fluida e macia; isso é o elemento água. O elemento ar é basicamente a respiração (mas também gases que se encontram no corpo), e os locais onde há calor é o elemento fogo. Todos os quatro elementos se combinam para cumprir seu propósito. E mesmo assim no final quando eles se quebram e desintegram não conseguimos encontrar nenhuma pessoa, nenhum ser, eu, nós ou eles.

Portanto a sensação que temos de que o corpo é “nosso” – de onde ela vem? Ela vem da própria mente em si, a mente ainda pressa em ignorância que se apega a tudo. Perguntamos a nós mesmos, “Como é que esse corpo não é meu? Estas sensações dolorosas que surgem e ai eu sinto dor aqui, dor ali. Se eu me sentar por mais tempo, machuca mais ainda, talvez até fique dormente. Então como é possível que essa sensação não seja minha?”

Bem, se essas sensações são suas e você as rotulou com sendo sua propriedade, antes que você tivesse vindo aqui sentar-se para meditar, tinha estas mesmas sensações? É claro que não. Não tinha esta dor ou desconforto. Conforme veio até aqui para se sentar por um bom tempo, sua circulação não está se movendo tanto quanto antes, portanto essas sensações dolorosas aparecem. E estas sensações, elas estão sempre ali? Elas vão se dissipar brevemente ou não? É claro que vão se dissipar. Estas sensações estão apenas surgindo, permanecendo por um instante e depois desaparecem.

Podemos nos questionar também, “Estas sensações são a mente? São a mente, ou apenas uma parte dela?” Vemos então que são apenas algo que surgiu. Não estão aqui o tempo todo. A mente permanece, mas vedanā (sensação) surgiu, permanecerá aqui por um instante e depois desaparecerá. Esta é a natureza de vedanā khandha (o agregado sensação).

E mesmo assim nossas mentes ainda se apegam a estas sensações e as puxam de lá pra cá com todo o sofrimento embutido nelas. Não temos ainda força o suficiente, nosso sati (atenção plena) ainda está fraco. Então por isso é que temos que praticar. Temos que chegar ao estágio onde sati e samādhi (concentração) estejam firmes. Temos que nos sentar na meditação e realizar a prática até que nossos corações estejam calmos. Até que estejam imóveis. Então podemos nos dirigir à nossas investigações.

Às vezes o coração está calmo, às vezes não, mas isso é normal. Temos que dar continuidade a nossa prática com paciência, colocando empenho para desenvolver nossa meditação.

Texto original retirado do livro Sotapattimagga: The Path of the Sotapanna, que é gratuitamente disponibilizado no endereço: http://www.watmarpjan.org/en/pdf/en-SOTA-LOW.pdf  

2 comentários:

  1. Muito, muito obrigado a prática deve ir em direção de sati e samadhi, e desapego a tudo.

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  2. maravilha!!!! queria que voce traduzisse esse livro todo... hahaha =))) Anan Akincano é uma inspiração pra mim Mettaa

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