Cérebro
e Coração Juntos:
Trazendo
Sabedoria Para os Brahma-viharas
Por
Thanissaro
Bhikkhu
Tradução
Davi
Coêlho
Os brahma-viharas, ou “atitudes sublimes”, são os ensinamentos
primários do Buda para o coração – aqueles que mais se conectam diretamente com
nosso desejo para com a verdadeira felicidade. O termo brahma-vihara significa literalmente “local de moradia dos
brahmas”. Brahmas são deuses que
vivem nos domínios celestiais mais elevados, vivendo em uma atitude ilimitada
de boa vontade, compaixão, alegria empática e equanimidade. Estas atitudes
ilimitadas podem ser desenvolvidas a partir das versões mais limitadas destas
emoções que sentimos no coração humano.
Destes quatro
sentimentos, boa vontade (metta) é o
mais fundamental. É o desejo pela verdadeira felicidade, um desejo que você
pode direcionar para si mesmo e para os outros. Boa vontade foi a motivação
subjacente que levou o Buda a sua procura pela iluminação e eventualmente a
ensinar os outros o caminho para esta após ele mesmo o ter encontrado.
As próximas duas
emoções na lista são essencialmente a aplicação da boa vontade. Compaixão (karuna) é o que a boa vontade sente
quando encontra o sofrimento: ela quer que o sofrimento pare. Alegria empática
(mudita) é o que a boa vontade sente
quando encontra a felicidade: ela deseja que esta continue. Equanimidade (upekkha) é um sentimento diferente, que
atua como um suporte para e como uma forma de checar os outros três. Quando
você encontra sofrimento que não pode ser impedido não importa o quanto você
tente, precisa de equanimidade para evitar a criação de sofrimento adicional e
para canalizar suas energias às áreas onde sabe que pode ser de sua ajuda. Deste modo, equanimidade não é frieza de
coração ou indiferença. Ela simplesmente faz com que a boa vontade seja focada
e efetiva.
Fazer com que estas
atitudes tornem-se ilimitadas requer esforço. É fácil sentir boa vontade,
compaixão e alegria empática para pessoas a quem você gosta e ama, mas
certamente há pessoas a quem você não gosta – geralmente por bons motivos.
Similarmente, há muitas pessoas para quem é fácil sentir equanimidade: pessoas
a quem você não conhece muito bem ou não se preocupa muito. Mas é difícil
sentir equanimidade para pessoas a quem ama quando estas estão sofrendo. Mesmo
assim, se quiser desenvolver os brahma-viharas,
deve incluir todas estas pessoas dentro do escopo de sua consciência para que
possa aplicar a atitude própria não importa onde ou quando. É ai que seu coração
precisa a ajuda de seu cérebro.
Em muitos casos,
meditadores creem que se puderem simplesmente adicionar um pouco mais de açúcar
ao coração, um pouquinho mais de esforço emocional à sua prática de
brahma-vihara, suas atitudes se tornarão ilimitadas. Mas se algo dentro de você
continua a borbulhar por motivos de gostar ou odiar aquela ou tal pessoa, sua
prática começará a se tornar algo hipócrita. Você começa a pensar, “A quem
estou querendo enganar?” Ou então, após um mês dedicado à prática, você ainda
se encontra pensando coisas negativas sobre pessoas que te cortam no transito –
não mencionado, é claro, as pessoas no mundo que te fizeram algum dano muito
sério.
É ai que seu cérebro
tem que agir. Se começarmos a pensar sobre o coração como sendo o lado da mente
que deseja pela felicidade, o cérebro é o lado que compreende como causa e
efeito realmente funcionam. Se seu cérebro e coração puderem aprender a
cooperar – isto é, se seu cérebro puder dar prioridade para as causas da
verdadeira felicidade, e se seu coração puder aprender a abraçar estas causas –
então o treinamento da mente poderá ir longe.
É por isso que o Buda
ensinou os brahma-viharas em um contexto de ensinamentos racionais: o princípio
da causalidade conforme se desdobra no (1) kamma e (2) no processo de
fabricação que dá formação às emoções dentro do corpo e mente. Quanto mais
pudermos colocar nossa racionalidade nestes ensinamentos, mais fácil será para
colocar nosso coração na desenvoltura destas atitudes que são realmente
sublimes. Uma compreensão de kamma ajuda a explicar o que estamos fazendo para que possamos desenvolver as atitudes
sublimes e porque isso é desejável em
primeiro lugar. Uma compreensão sobre o processo de fabricação ajuda a explicar
como podemos pegar nosso coração
humano e convertê-lo em um local onde um verdadeiro Brahma possa viver.
O ensinamento sobre
kamma começa com o princípio de que as pessoas experimentam felicidade ou
miséria baseado numa combinação de suas intenções passadas e presentes. Se
agirmos com intenções inábeis tanto para com nós mesmos quanto para outros,
vamos sofrer. Se agirmos com intenções hábeis, experimentaremos felicidade.
Portanto, se quisermos ser felizes, temos que treinar nossas intenções para
sempre sermos hábeis. Este é o primeiro motivo para desenvolvermos as atitudes
sublimes: para que possamos tornar nossas intenções mais confiáveis.
Algumas pessoas dizem
que boa vontade ilimitada vem naturalmente a nós, que nossa natureza búdica* é
intrinsecamente compassiva. Mas o Buda nunca disse nada sobre natureza búdica.
O que ele realmente disse é que o
mundo de nossas mentes é muito mais variado do que o próprio reino animal.
Somos capazes de qualquer coisa. Portanto o que vamos fazer com esta capacidade?
(Nota do tradutor: natureza búdica, ou buddha-dhatu, é uma doutrina específica da tradição Mahayana, que
diz que todos temos uma natureza sagrada que é a base para nos tornarmos Budas
igualmente. Esta doutrina, porém, enquanto bela, não condiz com os ensinamentos
do Buda conforme registrados no Cânone Pali).
Poderíamos fazer – e já
fizemos – quase tudo, mas a única coisa que o Buda assume é que bem lá no fundo
queremos pegar esta capacidade e dedicá-la à felicidade. Portanto a primeira
lição em kamma é que se realmente quiser ser feliz, não pode confiar que bem lá
no fundo você sabe a coisa certa a fazer, porque isso apenas cultivaria
complacência. Intenções inábeis tomariam conta de você e você nem estaria
ciente disso. Ao invés disso, deve estar atento para poder reconhecer às
intenções inábeis pelo que elas são, e agir apenas sobre aquelas que são
hábeis. O modo de assegurar que ficará atento é usar seu desejo pela felicidade
e estendê-lo a todos os cantos.
A segunda lição de
kamma é que assim como você é o arquiteto principal de sua própria felicidade e
sofrimento, outras pessoas também são os principais arquitetos delas. Se você
realmente deseja que elas sejam felizes, não deve apenas tratá-las com
gentileza. Você também deseja que elas aprendam como criar as causas para a
felicidade. Se puder, você deseja como mostrar isso para elas. É por isso que o
presente do dhamma – lições em como dar origem à verdadeira felicidade – é o
maior dos presentes.
No exemplo mais famoso
dado pelo Buda sobre como expressar uma atitude de boa vontade ilimitada, ele
não apenas expressa o seguinte desejo pela felicidade universal:
Feliz, em paz,
Que todos os
seres estejam alegres em seus corações.
Qualquer ser que seja,
Fraco ou forte, sem exceção,
Longo, largo
Médio, Curto,
Sutil, Grosseiro,
Visível ou Invisível,
Próximo ou Distante,
Nascidos e por nascer:
Que todos os seres
sejam felizes!
Ele
imediatamente adiciona um desejo de que todos os seres evitem as causas que
levariam eles à infelicidade:
Que ninguém engane a
outrem,
Ou odeie qualquer um
seja onde for,
Ou por causa da raiva
ou irritação
Deseje que outro
sofra.
- S.N 1.8
Portanto, se
estiver usando a visualização como parte da sua prática da boa vontade, não
visualize simplesmente pessoas sorrindo, encobertas por riquezas e prazeres
sensuais. Visualize-as agindo, falando e pensando de formas hábeis. Se elas
estiverem atualmente agindo sobre intenções inábeis, visualize-as mudando seus
modos. Então, se possível, aja para que isso se torne realidade.
Um princípio
similar se aplica a compaixão e alegria empática. Aprenda a sentir compaixão
não apenas para aqueles que já estão sofrendo, mas também para aqueles que
estão se engajando em ações inábeis que levarão futuramente ao sofrimento. Isso
significa que, se estiver enquadrado naquilo que lhe é possível, tentar
impedi-los de fazer estas coisas. E aprender a sentir alegria empática não
apenas para aqueles que já estão felizes, mas também para aqueles aos quais
suas ações presente os levarão futuramente à felicidade. Se você tiver a
oportunidade, dê encorajamento.
Mas também deve
compreender que não importa quão ilimitado seja o escopo destes sentimentos
positivos, seus efeitos vão se deparar com limites. Em outras palavras, não
importa o quão forte for sua boa vontade ou compaixão, não deixará de haver
pessoas cujas ações anteriores foram inábeis e que não podem ou não irão mudar
o seu modo de se comportar no presente. É por isso que precisa de equanimidade
como seu meio de manter os pés no chão. Quando encontrar áreas onde não puder
ser de ajuda, aprenderá a não se sentir mal. Pense sobre a universalidade do
princípio de kamma: ele se aplica a todos indiferente de sua afeição ou não
para com determinadas pessoas. Isso lhe coloca em uma posição onde pode
enxergar mais claramente aquilo que pode
ser alterado, onde você pode ser
de ajuda. Em outras palavras, equanimidade não é a aceitação passiva das coisas
como elas são. É uma ferramenta para lhe ajudar a desenvolver discernimento em
relação às quais tipos de sofrimento você deve aceitar e aqueles que não deve.
Por exemplo,
alguém em sua família pode estar sofrendo de Alzheimer. Se você ficar deprimido
sobre o fato desta doença se manifestar, estará limitando sua habilidade de ser
genuinamente útil. Para ser mais eficaz, deve usar a equanimidade como meio de
se desprender daquilo que você quer mudar
e focar mais sobre o que pode ser
mudado no presente.
Uma terceira
lição do princípio de kamma é que desenvolver as atitudes sublimes pode ser
útil para atenuar os resultados de suas más ações passadas. O Buda explica isso
com uma analogia: se colocar um pedaço de sal em um copo de água, você não pode
beber a água que está no copo. Mas se colocar o mesmo pedaço de sal em um rio
de água doce, então ainda sim poderia beber a água, porque o rio conteria muito
mais água doce do que sal. Quando você cultiva as atitudes sublimes, sua mente
é como o rio. O kamma habilidoso de desenvolver estas atitudes no presente é
tão expansivo que qualquer resultado de más ações passadas que possa surgir,
passará quase que despercebido.
Uma compreensão
clara sobre kamma pode também ajudar a corrigir a falsa ideia de que se pessoas
estão sofrendo é porque elas merecem sofrer, então, portanto, seria melhor
simplesmente deixá-las pra lá. Quando você se pegar pensando desta forma, deve
manter quatro princípios em mente.
Primeiramente,
quando olhar às pessoas, você não pode ver todas as sementes kármicas de suas
ações passadas. Elas podem estar passando pelos resultados de más ações
passadas, mas você não sabe quando estas sementes acabarão de germinar.
Similarmente, você não tem ideia de quais outras sementes, qualquer potencial
maravilhoso latente, poderá germinar em seguida.
Há um ditado em
alguns círculos Budistas que diz que se quiser ver as ações passadas de uma
pessoa, preste atenção à sua condição presente; se quiser ver a sua condição
futura, preste atenção às suas ações presentes.
Este princípio, porém, se baseia em um conceito errado bem comum: aquele
que nós temos apenas uma única conta kármica, e o que vemos no presente é o
saldo atual na conta de cada pessoa. Na verdade, o histórico kármico de ninguém
é uma conta única. Ele é composto de muitas sementes variadas, plantadas em
muitos lugares através das várias ações que fizemos no passado, e cada semente
amadurece em seu próprio tempo. Algumas dessas sementes já germinaram e
desapareceram; algumas estão germinando agora; algumas germinarão no futuro.
Isso significa que a condição presente de uma pessoa reflete apenas uma pequena
parte de suas ações passadas. E quanto às outras sementes, não pode vê-las
todas.
Esta reflexão
ajuda-o quando desenvolvendo compaixão, pois isto lhe lembrará de que nunca
pode realmente saber quando a possibilidade de ajudar alguém pode ter um
efeito. As sementes das outras ações más do passado de determinada pessoa podem
estar florindo agora, mas podem morrer a qualquer momento. Você pode ser a
pessoa certa para estar ali, quando aquela pessoa estiver pronta para receber
ajuda.
O mesmo padrão
se aplica a alegria empática. Supomos que seu vizinho seja mais rico do que
você. Você pode resistir ao sentir alegria empática para com ele porque você
pensa, “Ele já está passando muito bem, enquanto eu ainda estou me ferrando.
Porque eu devo desejar que ele fosse ainda mais feliz do que já é?" Se você se
encontrar pensando nesta maneira, lembre-se que você não sabe quais são suas
sementes kármicas; você também não sabe quais são as sementes kármicas dele.
Talvez as sementes kármicas dele estejam próximas de morrerem. Você quer que
elas morram mais rápido ainda? A felicidade dele de alguma forma diminui a sua?
Que tipo de atitude é essa? É muito útil
pensar nestes termos.
O segundo princípio
a manter em mente é que, nos ensinamentos do Buda, não há espaço para
argumentar sobre se uma pessoa é “merecedora” de felicidade ou “merecedora” de
miséria. O Buda simplesmente ensinava que há ações que conduzem ao prazer e
ações que conduzem à dor. Kamma não faz acepção de pessoas; é apenas uma
questão de ações e seus resultados. Pessoas boas podem ter algumas más ações
escondidas em seus passados. Pessoas que parecem horríveis podem ter feito
coisas maravilhosas. Você nunca sabe. Portanto não há como questionar se uma
pessoa merece ou não passar por dor ou felicidade. Há apenas o princípio de que
ações tem resultados e que sua experiência no presente de prazer ou dor é o
resultado combinado de suas ações passadas e presentes. Você pode ter algumas
ações inábeis em seu passado, mas se aprender a pensar habilidosamente quando
essas ações derem frutos no presente, não terá que sofrer.
O terceiro
princípio aplica-se a questão de se uma pessoa que está sofrendo “merece” sua
compaixão ou não. Você pode ter ouvido falar algumas vezes que todos merecem
sua compaixão, pois todos possuem uma natureza búdica. Mas isso é ignorar seu
motivo primário por desenvolver as atitudes sublimes em primeiro lugar: você
precisa tornar sua compaixão universal para que possa confiar em suas intenções.
Se considerar sua compaixão tão preciosa a tal ponto que apenas Budas a
mereçam, você não será capaz de confiar em suas intenções quando encontrar
pessoas cujas ações são constantemente más.
Ao mesmo tempo,
deve se lembrar de que ser humano algum tem seu passado kármico totalmente
puro, portanto não pode fazer de um requisito a pureza de uma pessoa a base de
sua compaixão. Algumas pessoas resistem à ideia de que, digamos, crianças que
nascem em uma zona de guerra, sofrendo de brutalidade e fome, nascem lá por
causa de motivos kármicos. Parece ser cruel demais, elas dizem, atribuir estes
sofrimentos a kamma de vidas passadas. A única crueldade aqui é, contudo, a
insistência de que as pessoas são apenas dignas de sua compaixão apenas se elas
forem inocentes de qualquer mal. Lembre-se que você não tem que gostar ou
admirar alguém para poder sentir compaixão para com aquela pessoa. Tudo que tem
de fazer é desejar que esta possa ser feliz. Quanto mais desenvolver esta
atitude para com pessoas que você sabe
que fizeram mal, mais poderá confiar em suas intenções em qualquer situação.
O Buda ilustra este
ponto em uma analogia bem gráfica: mesmo que bandidos lhe atacassem e cerrassem
todos os seus membros com um serrote, deve sentir boa vontade começando por estes
e depois a estendendo para o mundo inteiro. Se manter esta analogia em mente,
ela ajudará a lhe proteger a agir de formas inábeis, não importa o quanto lhe
provoquem.
O quarto princípio
a manter em mente tem haver com o kamma que você está criando agora mesmo em
reação à felicidade ou infelicidade de outras pessoas. Se você é ressentido da
felicidade de alguém, algum dia quando você estiver feliz alguém irá se
ressentir da sua felicidade. Você quer isso? Ou se você estiver com seu coração
enrijecido com alguém que está sofrendo agora, algum dia você pode passar pelo
mesmo tipo de sofrimento. Você gostaria que as pessoas fossem tão duras com
você também? Lembre-se sempre que suas reações são uma forma de kamma, portanto
esteja ciente de criar o tipo de kamma que dará os resultados que você gostaria
de ver.
Quando estiver
pensando nestes termos verá que realmente é de seu interesse desenvolver as
atitudes sublimes em todas as situações. A pergunta que segue então é, como
fazer isto? Este é outro aspecto onde os ensinamentos do Buda sobre a
causalidade desempenham um papel importante: seu ensinamento sobre a
fabricação, ou o modo como você constrói sua experiência.
Há três tipos de
fabricação: corporal, verbal e mental. Fabricação corporal é o modo como
respira. Fabricações verbais são pensamentos e comentários mentais sobre
variados assuntos – sua fala interna. Em Pali, estes pensamentos e comentários
são chamados de vitakka – ou
pensamento direcionado, e vicara,
avaliação. Fabricações mentais são percepções e sensações: os rótulos mentais
que você aplica às coisas, e as sensações de prazer, dor ou neutralidade que
você sente em relação a estas.
Qualquer desejo ou
emoção é feito destes três tipos de fabricação. Esta começa com pensamentos e
percepções, e então vai até seu corpo através do modo como você respira. É por
isso que emoções parecem tão reais, tão insistentes, tão genuinamente “você”.
Mas conforme o Buda apontou, nos identificamos com estas coisas porque as
fabricamos através da ignorância: você não sabe o que está fazendo, e por isso
você sofre em consequência. Mas se puder fabricar suas emoções com
discernimento, elas podem formar o caminho para o fim do sofrimento. E a
respiração é um bom lugar para começar isso.
Se, por exemplo,
você está sentindo raiva de alguém, pergunte-se, “Como eu estou respirando
neste exato momento? Como posso mudar o modo como respiro para que meu corpo
possa se sentir mais confortável?” Raiva geralmente gera um senso de
desconforto no corpo, e você se sente como se tivesse que se livrar disso. Os
meios comuns de fazer isso são dois, e ambos são inábeis: ou você guarda tudo
dentro de si, ou tenta direcionar isso para fora do seu sistema ao descontar
sua raiva em outros através de ações e palavras.
O Buda nos fornece
um terceiro meio mais hábil: respirar através do desconforto e dissolvê-lo.
Deixe que a respiração crie sensações de bem estar e satisfação, e permita que
estes sentimentos sature o seu corpo inteiro. Este bem estar físico ajuda a
manter sua mente relaxada também. Quando estiver operando através de uma
sensação de conforto, é mais fácil fabricar percepções hábeis conforme você
avalia sua resposta à questão que está lhe afetando.
Aqui a analogia do
pedaço de sal é uma percepção importante para manter em mente, pois ela lhe
lembra a considerar a situação em termos de sua necessidade da sua própria boa
vontade para lhe proteger de kamma negativo.
Parte dessa proteção é procurar por boas coisas na pessoa com que está
enraivecido. E para ajudar no modo como considera esta situação. O Buda provê
uma analogia ainda mais gráfica para lhe lembrar de que esta abordagem, o modo
como você lida, não deve ser apenas mera sentimentalidade: se você ver alguém
que tem sido muito má ou grossa com você em palavras e atos, mas tem momentos
de bondade e honestidade, é como se estivesse caminhando pelo deserto – quente,
trêmulo, e com sede – e você passa por uma pegada de um animal com um pouco de
água nela. Você não pode pegar a água com sua mão, porque isso agitaria a terra
e a deixaria suja. Ao invés disso, você se agacha em seus joelhos e mãos e
cuidadosamente suga a água diretamente do chão.
Note sua posição
nesta imagem. Pode parecer humilhante que tenha sua boca na terra dessa
maneira, mas lembre-se: você está trêmulo de sede. Você precisa da água. Se
apenas focar nos pontos negativos das outras pessoas, vai se sentir ainda mais
oprimido com a quentura e a sede. Irá se tornar amargo em relação à raça humana
e não verá a necessidade de tratá-la bem. Mas se puder enxergar o bem nas
outras pessoas, verá que é mais fácil tratá-las de formas mais hábeis. Os pontos
bons destas são como a água para seu coração. Você precisa focar neles para
nutrir sua própria bondade agora e no futuro.
Contudo, se a
pessoa com quem está enraivecido não tiver nenhuma qualidade boa, então o Buda
recomenda outro modo de considerar esta situação: pense nesta pessoa como um
estranho que está doente ao lado da estrada, muito longe de qualquer local onde
possa receber ajuda. Deve sentir compaixão para com ele ou ela e fazer o que
for possível para levá-los de onde estão até a segurança de seus pensamentos,
palavras e ações.
O que você fez
nesta situação chama-se hábil fabricação verbal – pensando sobre e avaliando a
respiração – transformar a respiração em uma hábil fabricação corporal. Isso,
por sua vez, cria uma saudável fabricação mental – a sensação de conforto – que
torna mais fácil fabricar percepções que podem desconstruir sua reação inábil e
construir um sentimento hábil em seu lugar.
É assim que usamos
nosso conhecimento de kamma e fabricação para formar nossas emoções na direção
que queremos – e é por isso que ensinamentos racionais, que usam do cérebro,
são importantes nos assuntos do coração. Ao mesmo tempo, porque sensibilizamos
a nós mesmos ao papel que a respiração desenvolve ao formar nossas emoções,
podemos fazer genuínas mudanças em como nos sentimos fisicamente sobre estes
assuntos. Não estamos brincando de fazer de conta. Nossa mudança de coração se
torna realmente concretizada, genuinamente sentida.
Isso ajuda a
reduzir o sentimento de hipocrisia que por vezes pode nos envolver na prática
das atitudes sublimes. Ao invés de negar nossos sentimentos originais de raiva
e estresse em dada situação, cobrindo-os com uma massa de algodão doce ou
camada de açúcar, podemos realmente nos aproximarmos destas emoções e aprender
a reestruturá-las.
Muitas vezes
pensamentos que nos aproximarmos de nossas emoções é um meio de entrar em
contato com quem realmente somos – que estivemos este tempo todo divorciados de
nossa verdadeira natureza, e que por voltar a estar em contato com nossas
emoções, conseguiremos reconectar com nosso verdadeiro “eu”. Mas nossas emoções
não são nossa verdadeira natureza; elas são apenas fabricações, como qualquer
outra coisa fabricada. Porque elas são fabricadas, o verdadeiro problema é como
aprender a fabricá-las de forma hábil, para que elas não nos conduzam a
problemas e possam ao invés disso nos levar a uma felicidade confiável.
Lembre-se que
emoções causam você a agir. Elas são o caminho levando ao kamma positivo ou
negativo. Quando conseguir enxergá-las como caminhos, poderá transformá-las em
um caminho que possa confiar. Conforme aprender a desconstruir emoções de má
vontade, frieza, ressentimento e raiva, e reconstruí-las com as atitudes
sublimes em seu lugar, você não atinge apenas um coração ilimitado. Você ganha
prática em se tornar mestre do processo de fabricação. E como o Buda disse,
esta maestria nos conduz aos primeiros estados sólidos e jubilosos da
concentração (jhana). A partir daí é
possível fabricar todos os fatores do Nobre Caminho que levam até o objetivo
final do ensinamento do Buda, seja vindo do cérebro ou do coração: a felicidade
total de Nibbana, incondicionalmente verdadeira.
O que só serve para
mostra que se conseguir fazer com que seu cérebro, isto é, sua racionalidade, e
seu coração se respeitem, ambos poderão ir longe juntos. Seu coração precisa da
ajuda de seu cérebro para gerar e agir de sobre emoções mais hábeis. Seu
cérebro precisa de seu coração para lhe lembrar de que o que é realmente
importante na vida é pôr um fim ao sofrimento. Quando eles aprenderem a andar
juntos, eles podem fazer de sua mente humana uma ilimitada mente brahmânica. E
mais: juntos eles podem dominar as causas para a felicidade ao ponto onde esta
é transcendida, tocando a dimensão do que não tem causas* que o cérebro jamais
poderia compreender, e uma felicidade tão suprema que o coração não terá mais
necessidade para o desejo.
(Nota do
tradutor: Nibbana é chamado de aquilo que não tem causa, por isso, não tem
efeito, é transcendental)
O texto original em inglês pode ser encontrado no endereço: http://www.accesstoinsight.org/lib/authors/thanissaro/headandheart.html
Muito Obrigado, um texto interessante dele sobre metta: http://nalanda.org.br/cuidando-das-emocoes/metta-significa-boa-vontade
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