domingo, 16 de junho de 2013

Lições em Samadhi



Lições em Samadhi

Por

Ajahn Lee Dhammadharo 

Tradução

Davi Coêlho


BASE

30 de Julho, 1956

Se, quando estiver sentado, você não for capaz de observar a respiração, diga a si mesmo, “Agora, irei inspirar. Agora, irei exalar.” Em outras palavras, neste estágio você é aquele que está fazendo a respiração acontecer. Você não está deixando a respiração vim para dentro e para fora conforme iria naturalmente. Se conseguir manter isso em mente cada vez que respira, em breve será capaz de dominar a respiração.

*        *        *

Ao manter sua atenção imersa em seu corpo, não tente aprisioná-la ali. Em outras palavras, não tente forçar a mente para dentro de um trance, não tente forçar a respiração ou segurá-la ao ponto onde você sinta-se desconfortável ou confinado. Tem de deixar a mente ter sua liberdade. Apenas mantenha sua vigília sobre ela e certifique-se que ela fique separada de seus pensamentos. Se você tentar forçar a respiração e fixar a mente, seu corpo se sentirá restrito e você não se sentirá a vontade em sua tarefa. Você começará a doer aqui e machucar ali, e suas pernas poderão adormecer. Portanto, apenas deixe a mente ser si mesma, mantendo vigília para certificar-se de que ela não vá atrás de pensamentos externos. 

Quando impedimos a mente de ir atrás de seus conceitos, e conceitos de escorregarem para dentro da mente, é como fechar nossas janelas e portas para manter cachorros, gatos e bandidos de entrarem em nosso lar. O que isso significa é que nós fechamos nossas portas sensoriais e não prestamos qualquer atenção às visões que surgem por meio de nossos olhos, os sons que entram por meio de nossas orelhas, aromas que entram por meio de nossas narinas, sabores que entram por meio de nossa língua, sensações táteis que entram por meio do corpo e as preocupações que entram por meio da mente. Temos de cortar todas as percepções e conceitos – bons e maus, velhos e novos – que entram por meio destas portas. 

Cortar conceitos desta maneira não significa que paramos de pensar. Apenas significa que trazemos nosso pensamento para dentro para colocá-lo em bom uso por observar e avaliar o tema de nossa meditação. Se colocarmos nossa mente para trabalhar desta maneira, não estaremos fazendo mal algum a nós mesmos ou à nossa mente. De fato, nossa mente tende a trabalhar o tempo todo, mas o tipo de trabalho com o qual se envolve é geralmente um bando de problemas e incômodos sem essência verdadeira alguma. Portanto temos de achar trabalho de valor real para ela fazer – algo que não irá machuca-la, algo realmente digno de ser feito. É por isso que estamos fazendo a meditação da respiração, focando nossa mente. Coloque de lado outras tarefas e esteja decidido a fazer apenas isto e nada mais. Este é o tipo de atitude que você precisa quando estiver meditando. 

Os Empecilhos que surgem de nossos conceitos do passado e do futuro são como ervas daninhas crescendo em nosso campo. Elas roubam todos os nutrientes do solo para que nossas plantações não tenham nada do que se alimentarem e elas fazem o local parecer uma bagunça. Elas não têm uso algum exceto como comida para as vacas e outros animais que passam por lá. Se você deixar seu campo encher de ervas daninhas deste modo, sua plantação não crescerá. Do mesmo modo, se você não limpar sua mente de sua preocupação com conceitos, não será capaz de tornar seu coração puro.  
Conceitos são alimento para pessoas ignorantes apenas, que acham que eles são deliciosos, mas os sábios não chegam perto deles. 

Os cinco Empecilhos – desejo sensual, má vontade, torpor e letargia, agitação e ansiedade, e dúvida – são como diferentes tipos de ervas daninhas. Agitação e ansiedade são provavelmente o mais venenoso entre eles, porque nos faz distraídos, inquietos e ansiosos tudo ao mesmo tempo. É o tipo de erva daninha com espinhos e folhas cortantes. Se você passar por elas, vai acabar se raspando e cortando todinho. Portanto, se você passar por ela, destrua. Não deixe crescer em seu campo.

Meditação da respiração – mantendo a respiração estavelmente em mente – é o melhor método ensinado pelo Buda para apagar estes Empecilhos. Usamos o pensamento direcionado para focar na respiração, e avaliação para ajustá-lo. Pensamento direcionado é como um arado; avaliação, como um ancinho. Se continuarmos arando nossos campos, as ervas daninhas não terão chance de crescerem, e nossa plantação com certeza prosperará e dará frutos. O campo aqui é nosso corpo. Se colocarmos muito pensamento direcionado e avaliação em nossa respiração, as quatro propriedades estarão balanceadas e em paz. O corpo estará saudável e forte, a mente relaxada e bem aberta, livre dos Empecilhos. 

Quando tiver seu campo limpo e nivelado assim, sua plantação certamente fruirá. Assim que trouxer a mente à respiração, sentirá uma sensação de êxtase e frescor. As quatro bases para o sucesso (iddhipada) – o desejo de praticar, persistência na prática, intencionalidade e circunspecção em sua prática – se desenvolverá passo a passo. Estas quatro qualidades são como os ingredientes de um tônico. Qualquer um que tomar deste tônico terá uma longa vida. Se quiser morrer, não deve toma-lo, mas se não quiser morrer, terá de tomar muito dele. Quanto mais toma-lo, mais rapidamente as enfermidades de sua mente desaparecerão. 

O seguinte artigo foi retirado do livro Keeping the Breath in Mind & Lessons in Samadhi e pode ser encontrado no endereço: http://www.buddhanet.net/pdf_file/breathmind.pdf 

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Questões Acerca de Kamma

Questões Acerca de Kamma

Por

Bhikkhu Bodhi

Tradução

Davi Coêlho



     (1)   Sobre Kamma
     (2)   Toda Escolha Nossa Tem Um Tremendo Potencial para o Futuro
     (3)   Kamma é Como uma Semente
     (4)   Tipos de Kamma Baseado no Momento da Fruição
     (5)   Tipos de Kamma Baseado em Razões Éticas – Kamma Hábil e Inábil
     (6)   Porque um é Inteligente e o outro Néscio? Como Alguém Nasce Feio e Outro Belo  
     (7)   Exame da Cosmologia Budista 
     (8)   A Mente é o Arquiteto de Todo Universo
     (9)   Não Somos Prisioneiros do Nosso Passado
    (10)  Indo Além de Kamma – O Objetivo Final do Caminho


SOBRE KAMMA

Há uma variedade tremenda de seres vivos existentes no mundo. Pessoas e animais são os dos mais diferentes tipos. O que é que nos causa a renascer em uma forma particular? Isso acontece através da coincidência, por acidente, por chance sem motivo algum ou há um princípio por trás disso? O que determina a forma do renascimento que assumimos?

O Buda responde a estas perguntas com o termo Pali “kamma”. Kamma é o fator que determina a forma específica de renascimento, que tipo de pessoa somos desde o início de nossa vida, e é kamma novamente que determina uma boa parte das experiências pelas quais passamos durante o curso de nossas vidas.
A palavra “kamma” significa literalmente ação, feitio ou fazer. Mas no Budismo ela significa especificamente atividade volitiva.

O Buda diz:

“Monges, é a volição que eu chamo de kamma. Pois por ter desejado, se age de acordo pelo corpo, linguagem e mente”. O que realmente está por trás de todas as ações, a essência de toda ação, é a volição, o poder da vontade. É esta volição expressando a si mesma como ação corporal, da fala e mental que o Buda chama de kamma.

Isso significa que ações não intencionais não são kamma. Se acidentalmente pisamos em algumas formigas enquanto andamos pela rua, isso não é o kamma de tirar a vida, pois não havia a intenção de matá-las. Se relatarmos algo pensando que é verdadeiro e no final das contas não é, isso não é o kamma de mentir, pois não há a intenção de enganar.

Kamma manifesta-se em três modos, através de três “portas” de ação. Estas são o corpo, a fala e a mente. Quando agimos fisicamente o corpo serve como o instrumento para a volição. Isto é kamma corporal. Quando falamos, expressando nossos pensamentos e intenções, isso é kamma verbal, que pode ser expresso diretamente através da fala ou então indiretamente através da escrita ou outros meios de comunicação. Quando pensamos, planejamos, desejamos intimamente, sem nenhuma ação exterior, isso é kamma mental. O que está por trás de todas estas formas de ação é a mente e o principal fator mental que causa a ação é a volição.




TODA ESCOLHA NOSSA TEM UM TREMENDO POTENCIAL PARA O FUTURO

De acordo com o Buda, nossas ações intencionais produzem efeitos. Elas eventualmente retornam a nós mesmos. Um efeito imediatamente visível é o psicológico. O outro efeito é a retribuição moral.

Primeiramente, vamos considerar o efeito psicológico de kamma. Quando uma ação impulsionada pela vontade é feita, isto deixa um rastro na mente, uma impressão que pode marcar o início de uma nova tendência mental. Isso tem a tendência de repetir a si mesmo, de se reproduzir, mais ou menos como um protozoário, uma ameba. Conforme as ações se multiplicam, elas formam o nosso caráter. Nossa personalidade é nada mais do que a soma de nossas ações feitas impulsionadas pela vontade, uma seção transversal de todo nosso kamma acumulado. Portanto, ao cedermos primeiramente em modos simples aos impulsos nocivos de nossas mentes, construímos pouco a pouco um caráter ganancioso, um caráter hostil, um caráter agressivo ou um caráter iludido. Por outro lado, ao resistirmos os impulsos nocivos, os trocamos pelos seus opostos – as qualidades benéficas. Então desenvolvemos um caráter generoso, uma personalidade amável e compassiva, ou podemos nos tornar sábios e seres iluminados. Conforme mudamos nossos hábitos gradualmente, mudamos o nosso caráter, e conforme mudamos nosso caráter, mudamos nosso ser por completo, nosso mundo inteiro. É por isso que o Buda enfatiza tão fortemente a necessidade de estarmos atentos a todas nossas ações, a cada escolha. Pois cada escolha nossa tem um potencial tremendo para o futuro.

Agora examinemos os efeitos da retribuição moral. O que é mais importante a respeito de Kamma é sua tendência de amadurecer no futuro e produzir resultados de acordo com a lei moral universal.

Sempre que fazemos uma ação com intenção, tal ação deposita uma “semente” na mente, e uma semente tem o potencial de trazer efeitos no futuro. Estes efeitos correspondem à natureza de nossa ação original. Eles se derivam do tom ético inerente da ação. Nosso kamma nocivo volta a nós e conduz-nos ao nosso dano e sofrimento.  Nosso kamma benéfico eventualmente retorna a nós e conduz-nos a nossa felicidade e bem-estar.

Visto deste ângulo, do ponto de vista da lei kámmica, o universo aparenta manter certo equilíbrio moral, um balanço entre todas as ações morais relevantes e as situações objetivas daquelas que as fizeram. Portanto a lei do kamma é uma aplicação moral do princípio geral de que para cada ação há uma reação igual e oposta. Contudo, o funcionamento de kamma não é mecânico. Kamma é ação intencionada e kamma é algo vivo e orgânico. Portanto, kamma permite muito espaço para variação, para o jogo de forças vivas.




KAMMA É COMO UMA SEMENTE

Primeiramente, nem todo kamma amadurece necessariamente. Apesar de ter a tendência a amadurecer, ele não amadurece inevitavelmente. Kamma é como uma semente. As sementes amadurecem apenas se elas encontrarem as condições corretas. Mas se elas não encontram as condições corretas elas permanecem sementes; se elas forem destruídas jamais poderão amadurecer. Similarmente, pode ser dito que kamma procura por uma oportunidade de se manifestar. Ele tem uma tendência de amadurecer. Se kamma encontra a oportunidade certa, então ele trará seus resultados. Se não se deparar com as condições certas, não amadurecerá. Um kamma pode até mesmo ser destruído por outro kamma. Portanto é importante entender que nosso modo de vida atual, nossas atitudes e conduta, podem influenciar o modo como nosso kamma passado se manifesta. Alguns kammas passados são tão poderosos que eles têm que vim à fruição. Não podemos escapá-los não importa o que façamos. Mas a maior parte de nossos kammas passados são condicionados pelo modo como vivemos agora. Se vivemos de uma forma descuidada e imprudente, daremos a oportunidade para nosso antigo kamma negativo amadurecer e fruir e isso irá ou impedir que nosso kamma benéfico produza seu efeito ou que isso cancele seus bons efeitos.

Por outro lado, se vivemos prudentemente agora, daremos a chance a nossos bons kammas de amadurecerem e bloquear nosso kamma nocivo ou enfraquecer seus efeitos, destruí-los ou prevenir que eles venham a fruição.  

TIPOS DE KAMMA BASEADO NO MOMENTO DA FRUIÇÃO

Kamma pode produzir resultados em momentos diferentes, até mesmo em vidas diferentes. O Buda diz que há três tipos de kammas distinguidos pelo modo do momento em que amadurecem. Há kammas que amadurecem nesta mesma vida, kammas que amadurecem na próxima vida e kammas que amadurecem em uma vida depois da seguinte (vida). O último tipo de kamma é o mais forte. Os primeiros dois tipos tornam-se defuntos se eles não encontrarem uma abertura. Eles nunca irão amadurecer se não encontrarem uma oportunidade para fruir nesta vida presente ou na próxima vida. Mas o terceiro tipo permanece conosco enquanto continuarmos em Samsara. Ele pode trazer seus efeitos até mesmo centenas e milhares de éons no futuro. Este intervalo de tempo ajuda-nos a entender o que parece ser uma discrepância nos funcionamentos de kamma.

Frequentemente vemos boas pessoas que se deparam com tanto sofrimento e más pessoas que se deparam com grande sucesso e boa sorte. Isso se dá por causa do intervalo de tempo. O bom homem está colhendo os resultados de más ações do passado. Mas ele eventualmente se deparará com os bons resultados do kamma positivo que ele está fazendo no presente. Do mesmo modo, um homem mal está desfrutando os resultados de suas boas ações do passado. Mas no futuro ele terá que se encontrar com a fruição de seu kamma negativo e passar por sofrimento.




TIPOS DE KAMMA BASEADO EM RAZÕES ÉTICAS – KAMMA HÁBIL E INÁBIL

O Buda divide kamma eticamente bem no meio entre duas classes diferentes, kamma hábil (kusala kamma) e kamma inábil (akusala kamma). Kamma inábil é ação que é espiritualmente nociva e moralmente condenável. Kamma hábil é ação que é espiritualmente benéfica e moralmente louvável.

Intenção

Há dois critérios básicos para distinguir kamma hábil do inábil. Um deles é a intenção por trás da ação. Se uma ação é intencionada a trazer dano a si mesmo, a outros, ou tanto a outros como a si mesmo, então isso é considerado inábil. Kamma que conduz ao bem de si mesmo, ao bem dos outros, ou ao bem de ambos é considerado hábil.

Raízes

O outro critério são as raízes da ação. Toda ação surge de certos fatores mentais chamados de raízes. Estes são os fatores causais por trás da ação ou fonte da ação. Todas as ações inábeis surgem de três raízes nocivas – ganância, aversão e ilusão. Ganância é desejo egoísta intencionado a gratificação pessoal, expresso como apego, o desejo, e agarramento. Aversão é má-vontade, ódio, resentimento, raiva e uma avaliação negativa do objeto. Ilusão é ignorância, falta de clareza mental e confusão.

Também encontramos as raízes para as ações hábeis: não ganância, não aversão, e não ilusão. Não ganância torna-se manifesta como o desapego e generosidade. Não aversão é expressa positivamente como boa vontade, afabilidade e compaixão. Não ilusão é manifesto como sabedoria, compreensão e clareza mental.

Devido a estas raízes devemos ter muito cuidado quando julgamos nossas ações ou a de outros. Muitas vezes pode haver uma gritante diferença entre a ação externa e o estado mental da qual esta ação surgiu. Podemos observar muitos trabalhos bons de outros exteriormente, mas os motivos por trás deles podem ser o desejo por fama ou reconhecimento, uma forma de raiz nociva vindo da ganância e desejo. Outra pessoa pode estar silenciosamente meditando, aparentemente indiferente, mas interiormente ele pode estar desenvolvendo uma mente de compaixão e afabilidade. Ele pode ser criticado por estar apenas procurando seu próprio bem, mas na verdade essa pessoa pode estar trazendo mais benefício para o mundo do que o outro caso da pessoa que está ativamente fazendo boas ações impulsionada por um desejo de reconhecimento e fama.

A forma como kamma funciona é tão complexa e sutil que é quase impossível fazer predições definitivas. Tudo que conseguimos saber com certeza são as tendências, mas isso não é suficiente para guiar nossas ações.

Ações Inábeis

Há dez tipos principais de ações inábeis:

Corporal
      1.      Tirar a vida.
      2.      Pegar para si o que não lhe pertence.
      3.      Engajar em atividade sexual imprópria (adultério, sedução, etc.)

Verbal
      4.      Mentir.
      5.      Caluniar.
      6.      Engajar em fofoca, conversa inútil.
      7.      Linguagem grosseira (xingamento, palavrões).

Mental
      8.      Cobiça, desejar aquilo que pertence a outros.
      9.      Má vontade (ativamente desejando que dano, sofrimento e destruição caiam sobre os outros).
   10.  Opiniões e pontos de vistas equivocados (especialmente pontos de vista equivocados que negam a eficácia de ações morais).

Ao abstermos das ações acima, desenvolvemos as virtudes opostas, ou seja, os dez cursos de ações hábeis.


PORQUE UM É INTELIGENTE E O OUTRO NÉSCIO? COMO ALGUÉM NASCE FEIO E OUTRO BELO?

Kamma produz seus resultados em meios diferentes. Há duas maneiras gerais pelo qual ele vem à fruição:

      1.      Produzindo o tipo de renascimento, a consciência básica de renascimento.
      2.      Produzindo vários resultados durante o curso de uma existência.

No momento da morte, um kamma particularmente dominante pode surgir à superfície da mente e impulsionar o fluxo de consciência a uma nova existência. Uma vez que o renascimento acontecer, certos outros kammas amadurecem durante o curso da vida trazendo resultados favoráveis ou desfavoráveis.

Os bons e maus resultados que surgem do kamma não são recompensas ou punições. Eles não são impostos por qualquer poder externo. Ações produzem seus resultados naturalmente através da lei de causa e efeito funcionando no mundo moral. Esta lei natural é chamada de “kamma niyama”, a ordem de kamma, que funciona autonomamente O Buda explica como kamma é a causa para diferenças entre o grau de bem-aventurança das pessoas.

     (a)    Algumas pessoas morrem prematuramente por que em vidas passadas elas destruíram a vida.  
     (b)   Algumas são enfermas porque elas feriram ou machucaram outros seres.
    (c)    Aqueles que eram frequentemente raivosos ou duros tornaram-se feios, aqueles que eram pacientes e alegres tornaram-se belos.
     (d)   Alguns são ricos por causa de sua generosidade no passado, alguns são pobres porque foram egoístas.
     (e)    Alguns são influenciais porque se alegraram na felicidade dos outros.
      (f)    Alguns são fracos e impotentes porque foram invejosos da felicidade dos outros.
    (g)   Alguns são inteligentes porque foram refletivos e estudiosos no passado, porque sempre inquiriram e investigavam a fundo as coisas. Alguns são lentos e estúpidos porque foram preguiçosos e negligentes, porque eles nunca estudaram ou exerceram o seu pensar.


Exame da Cosmologia Budista

O próximo tópico a ser discutido é o plano de existência onde kamma produz renascimento. Isso requer um pequeno exame da Cosmologia Budista, a imagem Budista do universo.

O Budismo divide o todo da existência senciente em três domínios básicos:

      1.      O domínio da esfera sensual
      2.      O domínio da materialidade sutil
      3.      Os domínios da imaterialidade ou não forma

1 – Domínio da Esfera Sensual

Este é o domínio mais baixo. Há seis planos de existência sob esta categoria:

    (a)    Os infernos, estados de intenso tormento e sofrimento.
   (b)   A esfera das ‘pretas’, os espíritos aflitos (ora chamados de sombras famintas). Estes são seres com fortes e atormentados desejos, fome e sede insaciáveis; eles estão sempre à procura de alimento e bebida.
    (c)    O reino animal. A característica dominante dos animais é o embotamento mental e forte desejo brutal. 
    (d)   Esfera dos asuras. Seres Titânicos dominados pelo desejo pelo poder, ambição e competitividade.

Os infernos, esfera das pretas, asuras e o reino animal são chamados de ‘planos de miséria’. Estes são estados de renascimento infelizes e indesejáveis. Na esfera sensual há dois tipos de renascimentos favoráveis:

    (e)    O mundo humano.
    (f)    O mundo das devas (mundo celestial).

Devas são seres habitando os mundos celestiais, desfrutando de longa vida, beleza, felicidade e poder. Mas a vida nos céus também é impermanente, sujeita a acabar, e portanto, o céu não é o objetivo final para aqueles que estão seguindo o caminho do Buda para a libertação.

O Buda aponta que de todos os planos de existência, o mais favorável para alguém que está procurando a libertação é o mundo humano, pois ele tem um bom equilíbrio entre os fatores opostos da vida. Por um lado, a vida humana não é sobrecarregada com sofrimento. Ela permite lazer, descanso e conforto para refletirmos sobre a natureza da existência para que possamos desenvolver nossa compreensão. Por outro lado, o mundo humano não é tão intensamente prazeroso e desfrutável que acabamos por nos enganar pelos prazeres e diversão. A duração de vida não é tão longa que nos engana em acreditar que iremos viver para sempre. É curta o suficiente para nos tornarmos cientes a respeito da verdade da impermanência.

2 – Domínio da Materialidade Sutil

Este é o plano da matéria sutil. Estes estados de existência são muito mais puros do que até mesmo os mundos celestiais da esfera sensual. Ali a mente se torna brilhante e luminosa. A duração de vida é incrivelmente longa, durando por muitos éons. E as manifestações mais grosseiras da matéria estão ausentes. Estes mundos, contudo, também são impermanentes. A vida ali eventualmente chega a um fim e o ser renascerá em outro lugar de acordo com seu kamma.

3 – Domínio Imaterial

Estes estados de existência são inteiramente mentais. A mente retrocede sem qualquer base material, absorvida em pura paz, equanimidade, por milhares de éons. Nestas esferas também a vida finalmente chega a um fim e o fluxo de consciência renasce em outro lugar conforme determinado por seu kamma.

Agora a pergunta pode ser levantada sobre se uma pessoa com uma educação em ciência pode realmente crer em uma cosmologia como esta, que parece ser antiga, desatualizada e supersticiosa. Portanto devo dar aqui uma opinião pessoal. Para mim a forma geral desta cosmologia parece defensável. Se conseguirmos ver a lógica por trás da lei de kamma, e então considerarmos os diferentes tipos de ação que as pessoas são capazes de fazerem, torna-se claro que deve haver também diferentes planos de existência apropriados para a maturação de diferentes tipos de kamma.

No caso de cama tão ruim quanto a matança de milhares de pessoas cruelmente e sem piedade, para tal kamma poder encontrar seus frutos a pessoa realizando tais ações deve renascer em um plano de extremo sofrimento, os infernos. Por outro lado, se alguém realizou ações muito nobres tais como doando um de seus membros, sua vida ou sua fortuna para o bem de outros, se um indivíduo teve uma mente afável e compassiva, também deve haver um correspondente plano de existência para tal kamma produzir seus devidos efeitos. Estes são os domínios celestiais. Além disso, quando entendemos os estados meditativos mais avançados, os jhanas e os estados imateriais, e vemos como estes níveis mais altos de consciência são tão incrivelmente diferentes do modo corriqueiro de consciência, torna-se claro que eles também correspondem a outros planos de existência. Assim a imagem inteira encaixa-se de forma bem harmoniosa.


A MENTE É O ARQUITETO DE TODO UNIVERSO

O motivo dominante para o renascimento é sempre encontrado em nossa própria mente. Se olharmos em nossas mentes, veremos que há diferentes planos de existência já contidos na mente na forma de semente.
As forças dominantes em nossas mentes serão estados humanos, estados conectados ao mundo humano. Este é o ‘tom’ básico de nossa consciência. Mas às vezes surgirá estados de intensa raiva que pode encontrar sua expressão como violência ou crueldade. Em tais momentos estamos construindo para nós mesmos um mundo infernal. Psicologicamente podemos estar vivendo no inferno e kammicamente estes estados são as sementes do renascimento para o inferno.

Em outros momentos pensamentos muito nobres poderão surgir em nós, fazendo-nos sentir divinos ou celestiais, pensamentos tais como generosidade suprema, grande bondade e compaixão. Com tais pensamentos, nosso mundo torna-se mais leve e puro, quase como um mundo celestial. Estes estados de mente são, de fato, as sementes para o renascimento em um dos mundos celestiais.

Em ocasiões de desejo cego, de brutalidade, de lascívia cega, ou topada estupidez, podemos ver em nós mesmos o estado de mente animal. Estes estados são as sementes para uma existência animal.

Podemos às vezes ver o egoísmo, possessividade, e intenso apego. Em tais momentos a mente torna-se similar aquela de uma preta, um espírito aflito, e estamos plantando as sementes do renascimento no mundo das pretas.

Outras vezes, surge estados de cobiça pelo poder, inveja e despeito, competitividade, a ânsia pelo poder. Em tais momentos temos a mente de um asura e construímos a base para o renascimento no mundo dos asuras.

Portanto o que está por trás de todos estes planos de renascimento é a mente. Por isso o Buda diz que a mente é o arquiteto do universo inteiro. Não devemos pensar neste processo de renascimento em termos de um ser humano aparecendo em diferentes planos, indo de mundo a mundo. Mas ao invés disto estes planos simplesmente proveem um campo para a mente manifestar suas tendências acumuladas. Estes planos são apenas manifestações visíveis, as projeções externas das forças que estão ativas na mente.


NÃO SOMOS IMPOTENTES PRISIONEIROS DE NOSSO PASSADO

Os ensinamentos gêmeos de kamma e renascimento têm algumas implicações importantes para a compreensão de nossas próprias vidas. 

Primeiramente, eles nos permitem compreender que somos inteiramente responsáveis por aquilo que somos. Não podemos culpar nossos problemas no nosso ambiente, nossa herança, no destino e nem no modo como fomos criados por nossos pais. Todos estes fatores têm feito de nós o que somos, mas o motivo para nos depararmos com essas circunstâncias é por causa de nosso kamma passado. Isso pode parecer à primeira vista como uma doutrina pessimista. Parece implicar que somos prisioneiros de nosso kamma passado, que temos que nos submeter aos seus efeitos. Isso é uma distorção.

É verdade que muitas vezes temos que colher os resultados de nossas ações passadas. Mas o ponto importante a entender é que kamma é atividade volitiva, e ação volitiva sempre acontece no presente, apenas no presente. Isso significa que agora no presente é possível para nós mudarmos inteiramente a direção de nossas vidas.

Se examinarmos detalhadamente nossas vidas veremos que nossas experiências são de dois tipos: primeiro, a experiência que vem a nós de forma passiva, que recebemos independentemente de nossa escolha; e segundo, experiência que criamos para nós mesmos através de nossas escolhas e atitudes. O lado passivo da experiência é pela maior parte o efeito de kamma passado. Geralmente temos de encarar isso e aprender a aceitar. Mas dentro dessas limitações há espaço, o tremendo espaço do momento presente, no qual podemos reconstruir nosso mundo com nossas próprias mentes.

Se nos permitirmos sermos dominados por egoísmo, ódio, ambição e torpor, então, mesmo que sejamos agora ricos e poderosos, ainda sim viveremos em miséria e sofrimento e continuaremos a plantar as sementes do renascimento em um mundo de sofrimento. Por outro lado, mesmo que sejamos pobres e em tristes circunstâncias, com muita dor e azar, se tivermos uma conduta pura, desenvolvemos uma mente de generosidade, bondade e compreensão, então podemos transformar nosso mundo, podemos construir um mundo de paz e amor.




INDO ALÉM DE KAMMA – O OBJETIVO FINAL DO CAMINHO

O objetivo final do caminho do Buda não é simplesmente atingir bons resultados pela realização de kamma benéfico. Este é um objetivo mundano. O verdadeiro alvo do caminho é ir inteiramente além das correntes de kamma e resultados.

Enquanto continuarmos realizando e acumulando kamma, permanecemos sujeitos ao nascimento e morte, e nos depararemos com sofrimento em suas diversas manifestações. Quer estejamos vivendo em um mundo favorável ou um mundo de infortúnios, isso é secundário. Todos os estados de existência são impermanentes, sem substância e insatisfatórios.

Kamma é gerado por causa do apego, apego por ações boas ou más. O apego está enraizado na ignorância. Ao desenvolvermos atenção plena e insight, por aprender a ver as coisas como elas realmente são, podemos por um fim ao apego e quebrarmos as correntes de kamma. Então descobrimos a liberdade além de kamma, a liberdade da libertação.

O arahant, aquele que foi liberto, não gera mais kamma algum. Ele continua a agir e realizar ações volitivas, mas sem apego. Portanto suas ações não constituem mais kamma. Elas não deixam quaisquer rastros sobre a mente. Elas não tem a potência para amadurecer no futuro para trazer o renascimento. As atividades dos arahants são chamadas “Kriyas” ou não kammas. São ações simples. Não deixam quaisquer traços sobre o contínuo mental, assim com o voo dos pássaros pelo céu.

O seguinte artigo pode ser encontrado em inglês no endereço: http://www.budsas.org/ebud/ebdha057.htm