sábado, 26 de outubro de 2013

Sobre a Meditação



Sobre a Meditação

Por

Ajahn Chah

Tradução

Davi Coêlho




Acalmar a mente significa encontrar o equilíbrio correto. Se tentar forçar sua mente muito, ela vai longe demais. Se não tentar o bastante, ela não chega até lá; perde o ponto de equilíbrio.

Normalmente, a mente não está quieta, ela se move o tempo todo, e carece de força. Tornar a mente forte e tornar o corpo forte não é a mesma coisa. Para fortalecer o corpo precisamos nos exercitar, movê-lo para fazê-lo forte, mas fortalecer a mente significa torna-la calma, não ir pensando nisso ou naquilo. Para a maioria de nós a mente nunca esteve em paz, nunca teve a energia de samādhi.

Se forçarmos nossa respiração a ser longa ou curta, não estamos equilibrados; a mente não se tornará pacífica. É como quando usamos pela primeira vez uma máquina de costura de pedal. Logo de início apenas praticamos pedalando a máquina para conseguirmos nos coordenar corretamente, antes de costurarmos qualquer coisa. Seguindo a respiração é algo similar. Não nos preocupamos sobre quão longo ou curto, fraco ou forte ela está – apenas a notamos. Apenas deixamos ser como estar, seguindo seu curso natural.

Quando estiver balanceada, fazemos dela o nosso objeto de meditação. Quando inalamos, o início da inalação está na ponta do nariz, o meio no peito, e o final no abdômen. Este é o percurso da respiração. Quando exalamos, o início está no abdômen, o meio no peito, e o final na ponta do nariz. Simplesmente notamos este percurso da respiração na ponta do nariz, no peito, e no abdômen, e então no abdômen, no peito e na ponta do nariz. Notamos estes três pontos para firmar a mente, para limitar a atividade mental para que atenção plena e autoconsciência possam surgir.

Quando nos tornarmos adeptos em notar estes três pontos, podemos nos desfazer deles e apenas notar a inalação e exalação, concentrando apenas na ponta do nariz ou na parte superior do lábio onde o ar entra e sai. Não temos que seguir a respiração, apenas estabelecemos a atenção plena em nossa frente, na ponta do nariz e notamos a respiração neste local – entrando, saindo, entrando, saindo. Não há necessidade de pensar em nada em especial, apenas concentre-se nesta simples tarefa por enquanto, tendo contínua presença mental. Não há mais nada a ser feito, apenas respire.

Em breve, a mente se torna tranquila, a respiração, refinada. A mente e corpo tornam-se leves. Este é estado correto para o trabalho da meditação.

Quando sentando em meditação, a mente se torna refinada, mas seja lá qual for o estado no qual esteja, devemos tentar estar atentos a isso, a conhecê-lo. Atividade mental está lá juntamente com a tranquilidade. Há vitakka, a ação de trazer a mente ao tema de contemplação. Se não houver muita atenção plena, não haverá muito vitakka. Então vicāra, a contemplação acerca deste tema, segue. Várias impressões mentais “fracas” podem surgir de tempo em tempo, mas nossa autoconsciência é o que importa – seja lá o que estiver acontecendo, reconhecemos isso continuamente. Conforme aprofundamos, permanecemos constantemente cientes do estado de nossa meditação, reconhecendo se a mente está ou não firmemente estabelecida. Desta forma, tanto a concentração como consciência estão presentes.

Ter uma mente tranquila não significa que não há nada acontecendo – impressões mentais surgem. Por exemplo, quando falamos do primeiro nível de absorção, dizemos que nele está contido cinco fatores. Juntamente com vitakka e vicāra, pīti (êxtase) surge com o tema de contemplação e então sukha (felicidade). Estas quatro coisas estão todas presentes em uma mente estabelecida em tranquilidade. São um único estado.

O quinto fator é ekaggatā ou foco em um ponto. Você pode se perguntar como pode haver foco em apenas um ponto quando todos estes outros fatores estão presentes também. Juntamente eles são chamados o estado de samādhi. Eles não são o estado mental de todos os dias; eles são fatores de absorção. Estas são as cinco características, mas elas não perturbam a tranquilidade básica. Há vitakka, mas ela não perturba a mente; vicāra, êxtase e felicidade surgem, mas não a perturbam também. A mente é, portanto, unificada com estes fatores. O primeiro nível de absorção é assim.

Não precisamos chamar de “primeiro jhāna”, “segundo jhāna”, “terceiro jhāna”, e assim por diante, vamos apenas chama-lo de “uma mente pacífica”. Conforme a mente se torna progressivamente mais calma, ela vai dispensar vitakka e vicāra, deixando apenas êxtase e felicidade. Porque a mente descarta vitakka e vicāra? Isso acontece porque, conforme a mente fica mais refinada, a atividade de vitakka e vicāra são muito grosseiras para permanecerem. Neste estágio, conforme a mente deixa vitakka e vicāra, sensações de grande êxtase podem surgir, lágrimas podem cair. Contudo, conforme samādhi se aprofunda, o êxtase também é descartado, deixando somente a felicidade e o foco em um ponto, até que finalmente até a felicidade se vai, e a mente atinge o seu maior estado de refinamento. Há apenas equanimidade e o foco em um ponto – tudo o mais foi deixado pra trás. A mente se firma imóvel.

Samādhi é o estado de calma concentrada resultando da prática da meditação. Uma vez que a mente estiver em paz, isso pode acontecer. Você não tem que pensar muito sobre isso, apenas acontece por si só. Isso é chamada a energia de uma mente pacífica. Neste estado a mente não está com sono; os cinco empecilhos – desejo sensual, aversão, ansiedade, sono excessivo e dúvida – todos desaparecem.

Contudo, se a energia mental não for forte e a atenção plena estiver fraca, ocasionalmente impressões mentais irão se intrometer. A mente está em paz, mas é como se houvesse uma ‘neblina’ dentro desta calmaria. Contudo, não é um estado de sono normal, algumas impressões irão se manifestar – talvez escutemos um som ou veremos um cão ou algo. Não é algo que seja sólido, mas não é um sonho também. Isso é porque estes cinco fatores se tornaram desequilibrados e fracos.

A mente tende a brincar com truques dentro destes níveis de tranquilidade. Visões podem às vezes surgir através de qualquer um dos sentidos quando a mente está neste estado, e o meditador pode não ser capaz de dizer exatamente o que está acontecendo. ‘Estou dormindo? Não. Isso é um sonho? Não, não é um sonho…” Estas impressões surgem de uma tranquilidade de meio-termo; mas se a mente estiver verdadeiramente calma e limpa, não iremos duvidar das várias impressões ou visões que possam surgir. Perguntas do tipo, “Será que eu cochilei então? Estava dormindo? Me perdi?” não irão ocorrer, pois estas são características de uma mente que ainda está duvidando. “Estou dormindo ou acordado?”…” assim a mente está confusa. Esta é a mente que se perde em suas próprias nuances ou emoções. É como a lua que fica atrás da nuvem. Você ainda pode ver a lua, mas as nuvens cobrindo ela deixam a imagem obscura. Não é como se a lua tivesse emergido por de trás das nuvens – limpa, cortante e luminosa.

Quando a mente está pacífica e firmemente estabelecida na atenção plena e autoconsciência, não haverá dúvidas acerca dos vários fenômenos que encontramos. A mente estará verdadeiramente além dos empecilhos. Saberemos com clareza o que é tudo que surgir na mente. Não duvidaremos porque a mente está clara e luminosa. A mente que alcança samādhi é assim.

Contudo, algumas pessoas acham difícil entrar em samādhi porque não é de acordo com suas tendências. Há samādhi, mas não é forte o bastante ou firme. Contudo, podemos alcançar a paz através do uso da sabedoria, através da contemplação e visão da verdade das coisas, resolvendo problemas desta maneira. Isso é usar sabedoria ao invés do poder de samādhi. Para alcançar calma na prática não é necessário sentar em meditação, por exemplo. Apenas pergunte a si mesmo, “Hei, o que é isso?” e resolva o problema ai mesmo! Uma pessoa com sabedoria é assim. Talvez ela não consiga alcançar altos níveis de samādhi, apesar de cultivar algum, o suficiente para cultivar então sabedoria. É como saber diferenciar entre plantar arroz e plantar milho. Um sujeito pode se alimentar mais de arroz do que de milho para sua sobrevivência. Nossa prática pode ser assim, ou seja, depender mais de sabedoria para resolver os problemas. Quando vemos a verdade, paz surge.

Os dois meios não são o mesmo. Algumas pessoas tem insight e são fortes em sabedoria, mas não têm muito samādhi. Quando sentam em meditação, não são muito tranquilos. Eles tendem a pensar muito, contemplando isso ou aquilo, até que eventualmente eles contemplam a felicidade e sofrimento e veem a verdade por trás deles. Alguns se inclinam mais para isso do que para samādhi. Quando em pé, andando, sentando ou deitados, a compreensão do Dhamma pode surgir. Através da visão, através do abandono, eles atingem a paz. Atingem a paz através do conhecimento da verdade sem dúvida, porque eles viram por si mesmos.

Outras pessoas têm apenas um pouco de sabedoria, mas seu samādhi é muito forte. Eles podem entrar em um estado de samādhi profundo em pouco tempo, mas não têm muita sabedoria, não conseguem enxergar suas máculas, não as conhecem. Em suma, não conseguem resolver seus problemas.

Contudo, não importa qual abordagem nós usamos, devemos nos livrar de pensamentos errôneos, deixando apenas o Entendimento Correto. Precisamos nos livrar da confusão, deixando apenas a paz. De qualquer forma, chegamos no mesmo lugar. Há estes dois lados da prática, mas estas duas coisas, calma e insight, andam de mãos dadas. Não conseguimos chegar ao objetivo sem uma das duas. Elas precisam ir juntas.

Aquilo que “vigia” os vários fatores que surgem na meditação é sati, atenção plena. Este sati é a condição que, através da prática, pode ajudar outros fatores a surgirem. Sati é vida. Sempre que nós não temos sati, quando estamos descuidados, é como se tivéssemos mortos. Se não tivermos sati, então nossa fala e nossas ações não tem significado. Esta atenção plena é simplesmente a recordação. É uma causa para o surgimento da autoconsciência e sabedoria. Quaisquer virtudes que tenhamos acumulado são imperfeitas se carecermos de sati. Sati é aquilo que nos vigia enquanto estamos de pé, andando, sentando ou deitados. Até mesmo quando não estamos em samādhi, sati deve estar presente.

Seja lá o que fizermos, fazemos com cuidado. Uma sensação de vergonha irá surgir. Sentiremos vergonha pelas coisas que fizemos que não são corretas. Conforme a vergonha aumenta, nossa compostura irá aumentar também. Quando a compostura aumentar, descuidado irá desaparecer. Até mesmo se não sentarmos em meditação, estes fatores estarão presentes na mente.

Estes fatores surgem por causa da cultivação de sati. Desenvolva-o! Esta é a qualidade (dhamma) que protege o trabalho que estamos fazendo ou fizemos no passado. Ele tem um verdadeiro valor. Devemos nos conhecer em todos os momentos. Se nos conhecermos dessa maneira, o certo saberá se distinguir do errado, o caminho se tornará mais claro, e o motivo para toda vergonha irá desaparecer. Sabedoria surgirá. Podemos unificar a prática como consistindo de moralidade, concentração e sabedoria. Estar recolhido, estar controlado, isso é moralidade. O firme estabelecimento interno da mente que controla é concentração. Conhecimento completo dentro da atividade no qual estamos nos engajando é sabedoria. Em suma, a prática é apenas moralidade, concentração e sabedoria, ou, em outras palavras, o caminho. Não há outro.


O artigo acima pode ser encontrado em sua forma original no seguinte endereço: http://www.ajahnchah.org/book/On_Meditation1.php

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