Sobre a Meditação
Por
Ajahn Chah
Tradução
Davi Coêlho
Acalmar a mente significa encontrar o equilíbrio correto. Se tentar
forçar sua mente muito, ela vai longe demais. Se não tentar o bastante, ela não
chega até lá; perde o ponto de equilíbrio.
Normalmente, a mente não está quieta, ela se move o tempo todo, e carece
de força. Tornar a mente forte e tornar o corpo forte não é a mesma coisa. Para
fortalecer o corpo precisamos nos exercitar, movê-lo para fazê-lo forte, mas
fortalecer a mente significa torna-la calma, não ir pensando nisso ou naquilo.
Para a maioria de nós a mente nunca esteve em paz, nunca teve a energia de samādhi.
Se forçarmos nossa respiração a ser longa ou curta, não estamos
equilibrados; a mente não se tornará pacífica. É como quando usamos pela
primeira vez uma máquina de costura de pedal. Logo de início apenas praticamos
pedalando a máquina para conseguirmos nos coordenar corretamente, antes de
costurarmos qualquer coisa. Seguindo a respiração é algo similar. Não nos
preocupamos sobre quão longo ou curto, fraco ou forte ela está – apenas a
notamos. Apenas deixamos ser como estar, seguindo seu curso natural.
Quando estiver balanceada, fazemos dela o nosso objeto de meditação.
Quando inalamos, o início da inalação está na ponta do nariz, o meio no peito,
e o final no abdômen. Este é o percurso da respiração. Quando exalamos, o
início está no abdômen, o meio no peito, e o final na ponta do nariz.
Simplesmente notamos este percurso da respiração na ponta do nariz, no peito, e
no abdômen, e então no abdômen, no peito e na ponta do nariz. Notamos estes
três pontos para firmar a mente, para limitar a atividade mental para que atenção
plena e autoconsciência possam surgir.
Quando nos tornarmos adeptos em notar estes três pontos, podemos nos
desfazer deles e apenas notar a inalação e exalação, concentrando apenas na
ponta do nariz ou na parte superior do lábio onde o ar entra e sai. Não temos
que seguir a respiração, apenas estabelecemos a atenção plena em nossa frente,
na ponta do nariz e notamos a respiração neste local – entrando, saindo,
entrando, saindo. Não há necessidade de pensar em nada em especial, apenas
concentre-se nesta simples tarefa por enquanto, tendo contínua presença mental.
Não há mais nada a ser feito, apenas respire.
Em breve, a mente se torna tranquila, a respiração, refinada. A mente e
corpo tornam-se leves. Este é estado correto para o trabalho da meditação.
Quando sentando em meditação, a mente se torna refinada, mas seja lá
qual for o estado no qual esteja, devemos tentar estar atentos a isso, a conhecê-lo.
Atividade mental está lá juntamente com a tranquilidade. Há vitakka, a
ação de trazer a mente ao tema de contemplação. Se não houver muita atenção
plena, não haverá muito vitakka. Então vicāra,
a contemplação acerca deste tema, segue. Várias impressões mentais “fracas”
podem surgir de tempo em tempo, mas nossa autoconsciência é o que importa –
seja lá o que estiver acontecendo, reconhecemos isso continuamente. Conforme
aprofundamos, permanecemos constantemente cientes do estado de nossa meditação,
reconhecendo se a mente está ou não firmemente estabelecida. Desta forma, tanto
a concentração como consciência estão presentes.
Ter
uma mente tranquila não significa que não há nada acontecendo – impressões
mentais surgem. Por exemplo, quando falamos do primeiro nível de absorção,
dizemos que nele está contido cinco fatores. Juntamente com vitakka e vicāra,
pīti (êxtase) surge com o tema
de contemplação e então sukha (felicidade). Estas quatro coisas estão
todas presentes em uma mente estabelecida em tranquilidade. São um único
estado.
O quinto fator é ekaggatā ou foco em um ponto. Você pode se
perguntar como pode haver foco em apenas um ponto quando todos estes outros
fatores estão presentes também. Juntamente eles são chamados o estado de samādhi. Eles
não são o estado mental de todos os dias; eles são fatores de absorção. Estas
são as cinco características, mas elas não perturbam a tranquilidade básica. Há
vitakka, mas ela não perturba a mente; vicāra, êxtase e felicidade surgem, mas
não a perturbam também. A mente é, portanto, unificada com estes fatores. O primeiro
nível de absorção é assim.
Não precisamos
chamar de “primeiro jhāna”, “segundo jhāna”, “terceiro jhāna”, e assim por
diante, vamos apenas chama-lo de “uma mente pacífica”. Conforme a mente se
torna progressivamente mais calma, ela vai dispensar vitakka e vicāra, deixando
apenas êxtase e felicidade. Porque a mente descarta vitakka e vicāra? Isso
acontece porque, conforme a mente fica mais refinada, a atividade de vitakka e vicāra
são muito grosseiras para permanecerem. Neste estágio, conforme a mente deixa
vitakka e vicāra, sensações de grande êxtase podem surgir, lágrimas podem cair.
Contudo, conforme samādhi se aprofunda, o êxtase também é descartado, deixando
somente a felicidade e o foco em um ponto, até que finalmente até a felicidade
se vai, e a mente atinge o seu maior estado de refinamento. Há apenas
equanimidade e o foco em um ponto – tudo o mais foi deixado pra trás. A mente
se firma imóvel.
Samādhi é o
estado de calma concentrada resultando da prática da meditação. Uma vez que a
mente estiver em paz, isso pode acontecer. Você não tem que pensar muito sobre
isso, apenas acontece por si só. Isso é chamada a energia de uma mente
pacífica. Neste estado a mente não está com sono; os cinco empecilhos – desejo
sensual, aversão, ansiedade, sono excessivo e dúvida – todos desaparecem.
Contudo, se a
energia mental não for forte e a atenção plena estiver fraca, ocasionalmente
impressões mentais irão se intrometer. A mente está em paz, mas é como se
houvesse uma ‘neblina’ dentro desta calmaria. Contudo, não é um estado de sono
normal, algumas impressões irão se manifestar – talvez escutemos um som ou
veremos um cão ou algo. Não é algo que seja sólido, mas não é um sonho também.
Isso é porque estes cinco fatores se tornaram desequilibrados e fracos.
A mente tende a
brincar com truques dentro destes níveis de tranquilidade. Visões podem às
vezes surgir através de qualquer um dos sentidos quando a mente está neste
estado, e o meditador pode não ser capaz de dizer exatamente o que está
acontecendo. ‘Estou dormindo? Não. Isso é um sonho? Não, não é um sonho…” Estas
impressões surgem de uma tranquilidade de meio-termo; mas se a mente estiver verdadeiramente
calma e limpa, não iremos duvidar das várias impressões ou visões que possam
surgir. Perguntas do tipo, “Será que eu cochilei então? Estava dormindo? Me
perdi?” não irão ocorrer, pois estas são características de uma mente que ainda
está duvidando. “Estou dormindo ou acordado?”…” assim a mente está confusa.
Esta é a mente que se perde em suas próprias nuances ou emoções. É como a lua
que fica atrás da nuvem. Você ainda pode ver a lua, mas as nuvens cobrindo ela
deixam a imagem obscura. Não é como se a lua tivesse emergido por de trás das
nuvens – limpa, cortante e luminosa.
Quando a mente
está pacífica e firmemente estabelecida na atenção plena e autoconsciência, não
haverá dúvidas acerca dos vários fenômenos que encontramos. A mente estará
verdadeiramente além dos empecilhos. Saberemos com clareza o que é tudo que
surgir na mente. Não duvidaremos porque a mente está clara e luminosa. A mente
que alcança samādhi é assim.
Contudo, algumas
pessoas acham difícil entrar em samādhi porque não é de acordo com suas
tendências. Há samādhi, mas não é forte o bastante ou firme. Contudo, podemos
alcançar a paz através do uso da sabedoria, através da contemplação e visão da
verdade das coisas, resolvendo problemas desta maneira. Isso é usar sabedoria
ao invés do poder de samādhi. Para alcançar calma na prática não é necessário
sentar em meditação, por exemplo. Apenas pergunte a si mesmo, “Hei, o que é
isso?” e resolva o problema ai mesmo! Uma pessoa com sabedoria é assim. Talvez
ela não consiga alcançar altos níveis de samādhi, apesar de cultivar algum, o
suficiente para cultivar então sabedoria. É como saber diferenciar entre
plantar arroz e plantar milho. Um sujeito pode se alimentar mais de arroz do
que de milho para sua sobrevivência. Nossa prática pode ser assim, ou seja,
depender mais de sabedoria para resolver os problemas. Quando vemos a verdade,
paz surge.
Os dois meios
não são o mesmo. Algumas pessoas tem insight e são fortes em sabedoria, mas não
têm muito samādhi. Quando sentam em meditação, não são muito tranquilos. Eles
tendem a pensar muito, contemplando isso ou aquilo, até que eventualmente eles
contemplam a felicidade e sofrimento e veem a verdade por trás deles. Alguns se
inclinam mais para isso do que para samādhi. Quando em pé, andando, sentando ou
deitados, a compreensão do Dhamma pode surgir. Através da visão, através do
abandono, eles atingem a paz. Atingem a paz através do conhecimento da verdade
sem dúvida, porque eles viram por si mesmos.
Outras pessoas
têm apenas um pouco de sabedoria, mas seu samādhi é muito forte. Eles podem
entrar em um estado de samādhi profundo em pouco tempo, mas não têm muita
sabedoria, não conseguem enxergar suas máculas, não as conhecem. Em suma, não
conseguem resolver seus problemas.
Contudo, não
importa qual abordagem nós usamos, devemos nos livrar de pensamentos errôneos,
deixando apenas o Entendimento Correto. Precisamos nos livrar da confusão,
deixando apenas a paz. De qualquer forma, chegamos no mesmo lugar. Há estes
dois lados da prática, mas estas duas coisas, calma e insight, andam de mãos
dadas. Não conseguimos chegar ao objetivo sem uma das duas. Elas precisam ir
juntas.
Aquilo que “vigia”
os vários fatores que surgem na meditação é sati,
atenção plena. Este sati é a condição que, através da prática, pode ajudar
outros fatores a surgirem. Sati é vida. Sempre que nós não temos sati, quando
estamos descuidados, é como se tivéssemos mortos. Se não tivermos sati, então
nossa fala e nossas ações não tem significado. Esta atenção plena é
simplesmente a recordação. É uma causa para o surgimento da autoconsciência e
sabedoria. Quaisquer virtudes que tenhamos acumulado são imperfeitas se
carecermos de sati. Sati é aquilo que nos vigia enquanto estamos de pé,
andando, sentando ou deitados. Até mesmo quando não estamos em samādhi, sati
deve estar presente.
Seja lá o que
fizermos, fazemos com cuidado. Uma sensação de vergonha irá surgir. Sentiremos
vergonha pelas coisas que fizemos que não são corretas. Conforme a vergonha
aumenta, nossa compostura irá aumentar também. Quando a compostura aumentar,
descuidado irá desaparecer. Até mesmo se não sentarmos em meditação, estes fatores
estarão presentes na mente.
Estes fatores
surgem por causa da cultivação de sati. Desenvolva-o! Esta é a qualidade (dhamma) que protege o trabalho que
estamos fazendo ou fizemos no passado. Ele tem um verdadeiro valor. Devemos nos
conhecer em todos os momentos. Se nos conhecermos dessa maneira, o certo saberá
se distinguir do errado, o caminho se tornará mais claro, e o motivo para toda
vergonha irá desaparecer. Sabedoria surgirá. Podemos unificar a prática como
consistindo de moralidade, concentração e sabedoria. Estar recolhido, estar
controlado, isso é moralidade. O firme estabelecimento interno da mente que
controla é concentração. Conhecimento completo dentro da atividade no qual
estamos nos engajando é sabedoria. Em suma, a prática é apenas moralidade,
concentração e sabedoria, ou, em outras palavras, o caminho. Não há outro.
O artigo acima pode ser encontrado em sua forma
original no seguinte endereço: http://www.ajahnchah.org/book/On_Meditation1.php
muito obrigado.
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