quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Quem Sou - Uma Breve Apresentação


Um Pouco Sobre Minha Trajetória de Vida

Meu nome é Davi, tenho 21 anos e resido atualmente no estado de Pernambuco, onde também nasci. Passei a infância em São Paulo (no Tatuapé), entre os dois anos de idade até os onze. Após isso, por diversos fatores, mudei-me para os Estados Unidos na perspectiva de uma vida melhor com minha mãe, irmã mais jovem e pai, para uma cidade chamada Marietta, no estado da Georgia, onde residimos por seis anos. Retornamos ao Brasil em Agosto de 2008, mas desta vez para o interior em minha cidade natal, onde residi entre 2008 e Fevereiro de 2012. Após isso, sai da casa de meus pais para ingressar na universidade onde hoje estudo.

Minha Educação Religiosa

Minha mãe foi responsável pela minha educação religiosa em minha infância. Ela se tornou uma Testemunha de Jeová quando tinha por volta dos seis ou sete anos de idade. Eu gostava de participar ativamente nas atividades do Salão do Reino em que frequentávamos, como por exemplo, a pregação de porta em porta pelas quais as Testemunhas de Jeová são tão conhecidas (e odiadas). Dentro da congregação, havia sempre paz e harmonia e um forte senso de confiança que tínhamos entre os irmãos e foi neste ambiente em que fui educado com os valores morais que formaram a minha sensibilidade e o apreço pela religiosidade que carrego comigo até hoje.  

Porque Decidi Abandonar A Minha Religião

Durante a minha infância e adolescência eu era um fervoroso pregador, e não tinha vergonha alguma em chegar para as pessoas na rua ou na escola para meus colegas e pregar a Bíblia para eles. Por muito tempo me senti satisfeito dentro da religião na qual eu praticamente nasci. Porque a deixei então? Havia certas crenças, religiões e práticas das quais as Testemunhas de Jeová condenavam e enquadravam sobre o termo coletivo “ocultismo” ou “espiritismo”, apesar de ser um termo pobre que não comporta tamanha variedade de manifestações espirituais-religiosas, como por exemplo, o Espiritismo, a meditação, o ioga, a astrologia, a Umbanda e Candomblé, o Paganismo, hipnose, leitura de cartas, estudo de fenômenos paranormais, etc. E desde muito cedo tudo isso que as Testemunhas de Jeová classificavam como “ocultismo” me parecia irresistivelmente atraente. Eu sempre quis saber o que estava por de trás destas práticas que eram tão proibidas.
Aos 15 anos comecei a frequentar uma loja de artigos esotéricos que havia próximo do condomínio onde morava. Tornei-me amigo da dona e das pessoas que frequentavam a loja, e nas minhas idas e vindas a esta loja, vários diálogos surgiam em que a dona da loja me incentivava a questionar minhas próprias crenças e descobrir a fundo porque eu acreditava no que acreditava. Resumindo – fui aos poucos me afastando das Testemunhas de Jeová até que deixei de ser um “irmão” dentro da congregação, mas continuei frequentando-a até os 17 anos.

A Procura de Um Caminho

Foi nesta época que comecei então a minha busca espiritual por um caminho que pudesse me satisfazer plenamente. Dentre tantas outras coisas, experimentei práticas, caminhos espirituais alternativos e religiões como – a leitura de cartas, a astrologia, o Hinduísmo, o Xamanismo, o Espiritismo, Bruxaria Tradicional, o movimento Hare Krishna, Satanismo (de Anton Szandor LaVey, foi meu período ‘ateu revoltado’), Paganismo em geral, Umbanda, Logosofia e Wicca (sim, até eu tive minha fase Wicca e foi logo depois deu ter saído das T.J.). Enfim, desenvolvi um saudável interesse pelo estudo da mitologia e da comparação entre as religiões. Cheguei a querer explorar também o campo da filosofia, na esperança de que pensadores do passado pudessem também me mostrar um caminho a seguir. Interessei-me em particular por Platão, Schopenhauer e Nietzsche.
Mas enfim, as vezes havia momentos em que eu pensava que havia encontrado um caminho seguro, que eu trilharia pro resto da vida. Um dos últimos caminhos que trilhei antes de chegar ao Budismo foi a Logosofia – senti por um bom tempo que esta seria a minha escolha definitiva. Mas se essa era a minha escolha, porque eu ainda pensava em querer conhecer mais outros caminhos? Não parecia este ser o suficiente?

Encontrando o Budismo

Uma querida amiga minha, com quem ainda mantenho contato apesar da distância, me deu certa vez um livro chamado O Poder do Agora de Eckhart Tolle. Havia ganhado este livro em 2006, e entre o ano em que ganhei até Novembro de 2011 eu nunca havia aberto uma página daquele livro. Ele apenas ficava lá, sentado em minha estante. Até que um dia, sem mais nada pra fazer, resolvi pegar este livro. Ao abrir me deparei logo de cara com que Eckhart chamava de “a doença da mente” – os pensamentos que não se calam. Seus ensinamentos diziam que a maioria do sofrimento humano é causado pela mente, que não cessa seu ‘dialogo interno’ nunca, e por isso, não conhece a paz de estar silenciosa. Pude pressentir que o que este homem ensinava era profundo, algo totalmente diferente de tudo que havia lido ou aprendido ou praticado até aquele momento. A felicidade não viria de como obter o que eu queria, mas sim, de eliminar este querer e estar totalmente satisfeito e feliz com o momento presente. “Como,” eu pensava “poderia a busca pela verdade ser atingida por uma mente que cessa sua atividade mental, e não pelo caminho da racionalização, como sempre pensei que era o certo?” E em vários momentos ele mencionava o nome do Buda. Era daí que muitos dos seus ensinamentos pareciam vim. “Vamos atrás do Buda”, eu disse pra mim mesmo.

Batalha Contra a Depressão

Voltando um pouco ao passado, vale ressaltar que passei por turbulentos períodos de depressão e ansiedade, entre os 12 e 16 anos de idade, onde tomava remédios controlados, e fazia terapia com uma psicóloga. Os motivos que me levaram a depressão, prefiro mantê-los para mim mesmo. Mas não foi uma luta fácil, e pode-se dizer que entre os 14 e 16 anos o que foi “curado” foram apenas os sintomas mais graves, as crises de ansiedade intensa e os altos e baixos violentos que me ocorriam. A busca por um caminho espiritual que iniciei aos 15 anos foi um fator crucial para o equilíbrio emocional, pois acrescentou um sentido maior a minha vida. Eu diria que depois dessa fase (14-16 anos), eu consegui atingir um bom equilíbrio emocional, ao ponto em que parei de tomar os remédios que minha psiquiatra havia dito que teria que tomar para o resto da vida. Mas eu ainda sofria com altos e baixos menos violentos. Tendo vencido a depressão hoje em dia, posso dizer que o seu diagnóstico não é uma sentença para vida toda e que ela é passível de ser curada.

Encontrando a Pérola Preciosa

Após a leitura do livro de Eckhart, fui atrás desse Budismo. Claro que estou resumindo muitos as coisas ao  relatá-las dessa maneira, mas o que aconteceu foi que ao me deparar com as Quatro Nobres Verdades, uma “luz” ascendeu em minha mente, e naquele momento, eu soube, sem nenhuma sombra de dúvida, que eu havia encontrado o que passei procurando por 6 anos – o Dhamma imaculado, perfeito, o Santo Graal.

Dizia o Buda:

“Agora, bhikkhus, esta é a nobre verdade do sofrimento: nascimento é sofrimento, envelhecimento é sofrimento, enfermidade é sofrimento, morte é sofrimento; tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero são sofrimento; a união com aquilo que é desprazeroso é sofrimento; a separação daquilo que é prazeroso é sofrimento; não obter o que se deseja é sofrimento; em resumo, os cinco agregados influenciados pelo apego são sofrimento.”

Certamente, muitas vezes eu já fui separado do que eu muito amava e que considerava prazeroso, muitas vezes eu já passei por situações em que eu fui posto ao lado de coisas que eram não apenas desagradáveis, mas que me faziam mal (como certas pessoas), e quantas vezes, quantas inúmeras vezes, eu não obtive aquilo que queria? E para finalizar, existe hoje em dia uma corrente da psicologia, se não me engano, que trabalha com a questão de nos livrarmos do “trauma do nascimento” durante processo de terapia. Até mesmo aquele momento que achamos tão lindo, de ver uma criança nascer – uma nova vida a vim – está repleto de sofrimento e aflição que é encoberto pela sensação de uma nova esperança a vim, para os dois seres que passam por ela – a mãe e o filho.

Mais adiante, ele diz:

“Agora, bhikkhus, esta é a nobre verdade da origem do sofrimento: é este desejo que conduz a uma renovada existência, acompanhado pela cobiça e pelo prazer, buscando o prazer aqui e ali; isto é, o desejo pelos prazeres sensuais, o desejo por ser/existir, o desejo por não ser/existir.”

Algum tempo depois deu ter começado a ler a respeito do Budismo, eu comecei a voltar em minhas memórias, e, claro! É claro que isso era mais do que óbvio, como eu não pude ver o que estava abaixo do meu nariz por tanto tempo? É claro, se não foste este desejo, este anseio, este querer que parecia ser uma chama que queimava dentro de mim – se este desejo não existisse, nas várias ocasiões em que eu sonhei, criei expectativas, quis certas cosias que estavam fora do meu alcance – teria eu sofrido? E quando este querer era saciado, como muitas vezes também foi, fiquei plenamente satisfeito com isso? Porque novos quereres estão sempre surgindo e nunca nos deixam em paz? Porque quando se tem tudo o que quer, não resta mais nada a não ser um vazio e um novo desejo de querer procurar algo a mais que possa ser feito?

A terceira e quarta Nobre Verdade assinalavam para algo ainda mais esperançoso, a cura deste mal:

Agora, bhikkhus, esta é a nobre verdade da cessação do sofrimento: é o desaparecimento e cessação sem deixar vestígios daquele mesmo desejo, abrir mão, descartar, libertar-se, despegar desse mesmo desejo.

“Agora, bhikkhus, esta é a nobre verdade do caminho que conduz à cessação do sofrimento: é este Nobre Caminho Óctuplo: entendimento correto, pensamento correto, linguagem correta, ação correta, modo de vida correto, esforço correto, atenção plena correta, concentração correta.

No momento em que tomei contato com as Quatro Nobres Verdades, compreendi porque eu vagava de religião à religião, de filosofia à filosofia, sem saber porque não conseguia me firmar em nenhuma delas – porque elas não estavam chegando à raiz, não estavam respondendo a questão central da qual eu mesmo estava apenas intuitivamente ciente – como pôr um fim definitivo ao sofrimento. Se eu conseguisse fazer isso, não restaria mais nada a não ser o surgimento da verdadeira felicidade. Ai estava – o caminho encontrado, as dúvidas cessadas, a mente satisfeita na certeza de que havia encontrado um porto para se firmar. Só me restava agora trilhá-la até o seu fim, até chegar a sua destinação, coisa que faço até hoje; capítulos que ainda não foram e esperam ser escritos.
Depois que comecei a experimentar a paz da meditação, depois que comecei a ter pequenos vislumbres do que me aguarda se seguir em frente com o caminho aberto pelo Buda e seus nobres discípulos, muitas das aflições que sentia, que antes pareciam ser tão solidas, desapareceram no ar, feito a nevoa matutina que se dissipa ao brilhar dos primeiros raios do sol. E foi com este intuito que decidi criar este blog, para ajudar com que a mensagem do Buda chegue ao maior número de pessoas possíveis, para que elas também possam ter a esperança de verem-se livres de suas próprias aflições.

O Poder de Cura dos Preceitos


O Poder de Cura dos Preceitos

Por

Thanissaro Bhikkhu

Tradução

Davi Coêlho

O Buda era como um médico, tratando as doenças espirituais da humanidade. O caminho de prática que ele ensinou era como um percurso de terapia para os corações e mentes sofredores. Este modo de compreender o Buda e seus ensinamentos data por volta dos textos mais antigos, e ainda é uma ideia bem recorrente. A prática da meditação budista é frequentemente apresentada como uma forma de cura, e muitos psicoterapeutas agora recomendam que seus pacientes experimentem a meditação como parte seus tratamentos. 

Após alguns anos ensinando e praticando meditação como terapia, porém, muitos de nós acabamos descobrindo que a meditação por si só não é o suficiente. Em minha própria experiência, tenho percebido que os meditadores ocidentais tendem a serem atingidos mais frequentemente por certa obscuridade e falta de autoestima do que qualquer Asiático que já ensinei. Os seus psiques estão tão feridos pela civilização moderna que lhes faltam a resistência e persistência precisa antes que a concentração e práticas de insight comecem a ser genuinamente terapêuticas. Outros terapeutas também notaram este problema e, em consequência disso, muitos deles decidiram que o caminho Budista é insuficiente para nossas necessidades específicas. Para preencher esta lacuna eles experimentaram com modos de implementarem a prática da meditação, combinando-a com tais coisas como mito, poesia, ativismo social, saunas, rituais matutinos, e até o toque ritualístico de tambores. O problema é que, pode ser que o caminho Budista não esteja em falta de nada, mas que simplesmente não estamos seguindo o curso de terapia prescrito pelo Buda em sua íntegra. 


O caminho do Buda consistia não apenas de atenção plena, concentração e práticas de insight, mas também de virtude, começando com os cinco preceitos. De fato, os preceitos constituem o primeiro passo na jornada. Há uma tendência no Ocidente de dispensar os cinco preceitos como regrinhas que aprendíamos na escola de Domingo na igreja, que estão atadas às normas culturais que não se aplicam mais a nossa sociedade moderna, mas isso acaba se desviando do papel que o Buda intencionava para eles: eles são uma parte do percurso de terapia para mentes feridas. Em particular, eles estão voltados para curarem duas enfermidades que estão por trás da autoestima: remorso e negação. 

Quando nossas ações não se enquadram com certos padrões de comportamento, nós ou (1) sentimos remorso de nossas ações ou (2) nos engajamos em dois tipos de negação, seja (a) negando que nossas ações não aconteceram de fato ou (b) negando que os padrões são realmente válidos. Estas reações são como feridas na mente. Remorso é uma ferida aberta, sensível ao toque, enquanto negação é como uma cicatriz dura e retorcida dentro de um ponto sensível. Quando a mente está ferida deste modo, ela não pode estabelecer-se confortavelmente no momento presente, pois encontra-se estabelecida em carne exposta e viva ou nós calcificados. Mesmo quando forçada a ficar no presente, é apenas de um modo parcial, contorcido e tenso e portanto os insights que ela adquire são parciais e contorcidos também. Apenas se a mente estiver livre de feridas e cicatrizes é que pode ser esperado dela que se estabeleça confortavelmente e livremente no presente, e que dê abertura para discernimento não distorcido.   

É ai onde os cinco preceitos entram: eles são programados para curar estas feridas e cicatrizes. Uma autoestima saudável surge a partir de uma vida vivida a um conjunto de padrões que são práticos, claros, humanos, e dignos de respeito; os cinco preceitos são formulados de tal forma que eles provem esse conjunto de padrões.  

Prático: os padrões estabelecidos são simples – nenhuma matança intencional, roubo, sexo ilícito, mentiras ou consumo de drogas e álcool. É perfeitamente possível viver em linha com estes padrões. Nem sempre fácil ou conveniente, mas sempre possível. Eu já vi esforços por parte de alguns para traduzirem estes preceitos em padrões que soam mais nobres e elevados – o segundo preceito, por exemplo, significando não abusar os recursos naturais do planeta – mas até mesmo as pessoas que reformulam os preceitos dessa forma admitem que é impossível fazer jus a eles. Qualquer um que já tenha lidado com pessoas psicologicamente fragilizadas sabem que na maior parte dos casos o dano surge de ter sido dada padrões impossíveis de serem enquadrados em suas vidas. Se você puder dar aos outros padrões que requerem apenas um pouco de esforço e atenção, mas que são possíveis de serem atendidos, suas autoestimas disparam dramaticamente conforme descobrem que são capazes de se enquadrarem nestes padrões. Eles conseguem assim, enfrentar tarefas com mais confiança. 

Claros: Os preceitos são formulados sem nenhum tipo de “se, e, ou mas”. Isto significa que eles dão uma orientação clara, sem espaço para ficar tentando encontrar furos, falhas ou formas de escapá-los. Uma ação ou se enquadra ou não se enquadra com os preceitos. Novamente, padrões deste tipo constituem uma forma saudável de se viver. Qualquer um que teve filhos sabe que, embora eles possam reclamar de regras duras, eles se sentem mais seguros com elas do que com regras que são vagas e sempre abertas a negociação. Regras claras não permitem que intenções escondidas se manifestem pelas partes mais obscura da mente. Se, por exemplo, o preceito contra a matança permitisse que você matasse seres vivos quando sua presença fosse inconveniente, isso colocaria sua conveniência em um nível maior do que sua compaixão pela vida. Conveniência se tornaria seu padrão indireto – e como sabemos, padrões indiretos proporcionam grandes terrenos férteis para hipocrisia e negação proliferarem. Se, porém, você seguir pelos padrões dos preceitos, então como o Buda disse, você está fornecendo segurança ilimitada para a vida de todos. Não há condições sobre as quais você tiraria a vida de qualquer ser, não importa o quão inconveniente eles possam ser. Em termos dos outros preceitos, você está provendo segurança ilimitada para com a propriedade e sexualidade alheia, e honestidade e atenção ilimitada (no caso de mentiras e o consumo de intoxicantes) em sua relação com os demais. Quando você descobrir que pode confiar em si mesmo em casos como este, então ganhará um senso saudável de autorrespeito inegável. 

Humano: Os preceitos são humanitários ambos para a pessoa que os observam e para as pessoas ou seres envolvidos por suas ações. Se observá-los, estará se alinhando com a doutrina do karma, que nos ensina que as forças mais importantes formando sua experiência de mundo são seus pensamentos, palavras e atos intencionais que você escolhe no momento presente. Isto significa que você não é insignificante (grifo meu). Toda vez que faz uma escolha – em casa, no trabalho, no lazer – você está exercendo seu poder sobre a construção contínua do mundo. Ao mesmo tempo, este princípio permite você a medir a si mesmo em termos que estão totalmente sobre seu controle: suas ações intencionais no momento presente. Em outras palavras, estes preceitos não te forçam a se medir em termos de beleza, força, intelecto, poder financeiro, ou qualquer outro critério que dependa menos do seu karma presente do que karma adquirido no passado. Igualmente, estes preceitos não brincam com sentimentos de remorso ou te forçam a lamentar os seus escorregões cometidos no passado. Ao invés disso, eles focam sua atenção na possibilidade sempre presente de viver de acordo com seus padrões no aqui e agora. Se você estiver convivendo com pessoas que observam os preceitos, descobrirá que a forma como se relaciona com estes não estão maculadas por suspeitas ou medos. Eles consideram seu desejo pela felicidade tão próximo quanto o deles. Sua dignidade como indivíduos não dependem de situações na quais deve haver perdedores e vencedores. Quando falam sobre desenvolver amor universal e atenção plena em sua meditação, você vê isso se refletir em suas ações. Neste modo os preceitos nutrem não apenas indivíduos saudáveis, mas também uma sociedade saudável – uma sociedade na qual autorrespeito e respeito mútuo não entram em conflito. 

Digno de respeito: quando adotar um conjunto de padrões, é importante saber de quem esses padrões são e ver de onde estes padrões surgem, por que em consequência disso, estará se juntando a um grupo, procurando a aprovação deste, e aceitando seus critérios como sendo o certo e o errado. Neste caso, você não poderia pedir por um grupo melhor para se juntar: o Buda e seus nobres discípulos. Os cinco preceitos são chamados de “padrões atraente aos nobres”. Do que as escrituras nos dizem sobre os nobres, eles não aceitam padrões simplesmente na base da popularidade. Eles colocaram sua vida na linha para ver o que conduz à verdadeira felicidade, e viram por si só, por exemplo, que toda mentira é patológica, e que qualquer sexo fora de um relacionamento estável e compromissado é inseguro. Outras pessoas podem não respeitá-lo por seguir os cinco preceitos, mas os nobres o respeitam, e seu respeito é mais digno do que aquele de qualquer outra pessoa no mundo.

Porém, muitas pessoas acham esquisito juntar-se ao um grupo abstrato, especialmente quando nem conheceram ainda algum nobre em pessoa. É difícil ter um coração cheio de boa vontade e generoso quando a sociedade em sua volta ri abertamente dessas qualidades e ao invés disso valoriza coisas como poder sexual ou habilidades predatórias de negócios. É ai que as comunidades Budistas entram. Seria muito bom e útil se grupos Budistas divergissem abertamente com o teor imoral predominante em nossa cultura e deixassem bem claro de uma forma amigável que eles dão valor à bondade de coração e à conduta refreada entre seus membros. Ao fazer isto, eles proveriam um ambiente saudável para aderir ao compromisso total com o percurso de terapia prescrito pelo Buda: a prática da concentração e discernimento em uma vida virtuosa. Onde quer que tenhamos este tipo de ambiente, vemos que a meditação não precisará ser “preenchida” com elementos externos, pois estará baseada na realidade de uma vida bem vivida. Você poderá olhar agora para os padrões pelo qual você vive, e então respirar confortavelmente como um ser humano de pleno direito e inteiramente responsável. Pois é isso o que você é.

Texto original em inglês disponível no endereço: http://www.accesstoinsight.org/lib/authors/thanissaro/precepts.html

sábado, 26 de janeiro de 2013

Meditação do Caminhar


Os Benefícios da Meditação do Caminhar

Por

Sayadaw U Silananda

Tradução

Davi Coêlho




Em nossos retiros de meditação, yogis praticam atenção plena em quatro posturas diferentes. Eles praticam atenção plena quando andando, quando parados em pé, quando sentados e quando deitados.  Eles devem manter atenção plena em todos os momentos em qualquer postura em que se encontrem. O foco primário para atenção plena é sentado com as pernas cruzadas, mas como corpo humano não consegue tolerar esta postura por muitas horas sem mudar, alternamos períodos de meditação sentados com períodos de meditação caminhando. Como a meditação do caminhar é muito importante, eu gostaria de falar um pouco sobre sua natureza, sua significância e os benefícios derivados de sua prática.
A prática da atenção plena pode ser comparada ao ato de ferver água. Se alguém quer ferver água, este coloca a água em uma panela, a panela no fogão e daí liga o fogo. Mas se o fogo estiver desligado, mesmo que por um instante, a água não ferverá, mesmo que o fogo seja ascendido novamente depois. Se o fogo for ascendido e apagado vez após vez, a água não ferverá. Da mesma forma, se houver lacunas entre os momentos de atenção plena, não poderemos ganhar momentum, e então a concentração não será obtida. É por isso que yogis em nosso retiro são instruídos a praticarem a atenção plena todo o tempo que eles estiverem acordados, desde o momento em que eles se levantam pela manhã até a hora em que forem dormir. Consequentemente, a meditação do caminhar é uma parte fundamental para o desenvolvimento contínuo da atenção plena.
Infelizmente, tenho ouvido pessoas criticarem a meditação do caminhar, dizendo que eles não conseguem derivar beneficio algum da prática. Mas foi o próprio Buda que a ensinou primeiramente. No seu Grande Discurso Sobre os Fundamentos da Atenção Plena, o Buda ensinou a meditação do caminhar duas vezes. Na seção chamada “Posturas”, ele disse que um monge reconhece “Estou caminhando” quando estiver caminhando, reconhece “Estou de pé” quando estiver de pé, reconhece “Estou sentado” quando estiver sentado, e reconhece “Estou deitado” quando estiver deitado. Em outra seção chamada “Compreensão Clara”, o Buda disse, “Um monge aplica compreensão clara quando estiver indo para frente e indo para trás”. Compreensão clara significa o entendimento correto do que alguém observa. Para entender claramente o que é observado, um yogi deve adquirir concentração, e para adquirir concentração, ele deve aplicar atenção plena. Portanto, quando o Buda disse, “Monges, apliquem compreensão clara”, devemos entender que não apenas compreensão clara deve ser aplicada mais atenção plena também e concentração. Assim o Buda esta instruindo meditadores a aplicar atenção plena, concentração, e compreensão clara enquanto caminhando, enquanto “indo para frente e indo para trás”. A meditação do caminhar é portanto uma parte importante deste processo.
Embora não esteja registrado neste sutta que o Buda deu detalhes e instruções específicas para a meditação do caminhar, devemos crer que ele deve ter dado tais instruções em algum momento. Estas instruções devem ter sido aprendidas por seus discípulos e repassadas através de sucessivas gerações. Fora isso, os mestres de antigamente devem ter formulado instruções baseadas em suas próprias práticas. No momento presente, temos um conjunto detalhado de instruções sobre como praticar a meditação do caminhar.
Vamos agora falar especificamente sobre a prática desta meditação. Caso seja um iniciante total, o instrutor deve instruí-lo a estar atento a apenas uma coisa durante a meditação: atento plenamente ao ato de andar enquanto notando isso silenciosamente em sua mente, “pisando, pisando, pisando” ou então, “esquerda, direita, esquerda, direita”. Pode ser que tenha que andar a um passo mais devagar do que o normal durante essa seção.
Depois de algumas horas, ou então depois de um dia ou dois de meditação, você deverá ser instruído a estar atento a duas ocorrências: (i) pisando, e (ii) abaixando o pé, enquanto notando isto mentalmente “pisando, abaixando, pisando, baixando”. Depois você deverá ser instruído a estar atento a três estágios: (i) levantando o pé, (ii) movendo ou empurrando-o para frente, (iii) abaixando o pé. Ainda depois disso, você será instruído a estar atento a quatro estágios em cada passo: (i) levantando o pé, (ii) movendo-o para frente, (iii) abaixando-o, (iv) tocando ou pressionando o pé contra o chão. Você será instruído a estar plenamente atento e a notar mentalmente estes quatro estágios do movimento do pé: “levantando, movendo, abaixando, tocando”.
Logo de início um yogi pode achar difícil diminuir o movimento do passo, mas conforme for instruído a prestar atenção a todos os movimentos envolvidos, e conforme eles forem prestando cada vez mais atenção, minuciosamente, eles automaticamente desacelerarão. Eles não têm que desacelerar deliberadamente, mas conforme forem prestando mais atenção, desaceleração acontece naturalmente. Quando dirigindo na estrada, pode-se estar dirigindo a sessenta ou setenta ou até mesmo oitenta milhas por hora. Dirigindo nesta velocidade, é possível que o motorista não consiga enxergar as placas que passam por ele direito. Se ele quiser poder ler estas placas, terá que desacelerar. Ninguém tem que dizer pra ele, “Vá devagar!” porque ele fará isso automaticamente caso queira ver as placas. Da mesma forma, se os yogis quiserem prestar mais atenção aos movimentos de levantar, mover adiante, abaixar e tocar, eles terão que automaticamente desacelerar. Apenas quando eles fizerem isto é que poderão verdadeiramente estar atentos e cientes destes movimentos.
Embora os yogis prestem bem atenção e desacelerem, ainda sim eles podem não ver todos os movimentos e estágios claramente. Os estágios podem não estar tão bem definidos na mente, e eles podem parecer como sendo constituído como um só movimento contínuo. Conforme a concentração amadurece, yogis perceberão mais e mais claramente estes estágios diferentes em um passo; os quatro estágios pelo menos serão mais fáceis de distinguir. Yogis saberão distinguir que o levantar não é a mesma coisa que movê-lo para frente e nem tão pouco este é o mesmo que o abaixar do pé. Eles compreenderão todos os movimentos claramente e distintamente. Tudo aquilo o qual eles estiverem plenamente atentos e cientes estará muito claro em suas mentes.
Conforme os yogis continuam sua prática, eles observarão muito mais. Quando eles levantarem seu pé, eles perceberão a leveza do pé. Quando impulsionarem o pé para frente, perceberão o movimento de um lugar ao outro. Quando abaixarem o pé, sentirão o seu pesar, pois o pé se torna cada vez mais pesado conforme ele desce. Quando colocarem o pé no chão, sentirão o toque do calcanhar sobre o chão. Portanto, juntamente com o observar do levantar, mover adiante, abaixar e pressionar contra o chão, yogis perceberão a leveza do pé ascendendo, o movimento do pé, o pesar do descer e por fim o toque do pé,  que é a dureza ou maciez do pé sobre o chão. Quando eles perceberem este processo, eles estarão reconhecendo os quatro elementos essenciais (em Pali, dhatu). Estes quatro elementos são: o elemento da terra, da água, do fogo e do ar. Ao prestar bem atenção a estes quatro estágios da meditação do caminhar, os quatro elementos em sua verdadeira essência serão percebidos, não apenas como meros conceitos, mas como processos reais, como realidades finais.
Vamos entrar em um pouco mais de detalhe a respeito das características dos elementos na meditação do caminhar. No primeiro movimento, isto é, o levantar do pé, yogis percebem a leveza, e quando esta leveza é percebida, eles estão virtualmente percebendo o elemento do fogo. Um aspecto deste elemento é o de fazer as coisas mais leves, e conforme elas se tornam mais leves, elas levantam. Na percepção da leveza do movimento ascendente, yogis perceberão a essência do elemento fogo. Mas no levantar do pé há também, além da leveza, movimento. Movimento é um aspecto do elemento ar. Mas leveza, o elemento fogo, é predominante, então podemos dizer que no estágio de levantar, fogo é o elemento primário, e o elemento ar é secundário. Estes dois elementos são reconhecidos pelos yogis quando eles prestam bem atenção ao levantar do pé. 
O próximo estágio é mover o pé para frente. Ao impulsionar o pé adiante, o elemento dominante é ar, porque movimento é uma das características primárias deste elemento. Então, quando eles prestarem bem atenção ao movimento do pé na meditação, yogis estarão virtualmente reconhecendo a essência do elemento ar.
O próximo estágio é o movimento de abaixar o pé. Quando yogis colocam seu pé para baixo, há um tipo de pesar no pé. Este pesar é uma característica do elemento água conforme goteja e está exsudando. Quando o liquido é pesado, ele exsuda. Portanto quando yogis percebem o pesar do é, eles virtualmente reconhecem o elemento água.
Ao pressionar o pé contra o chão, yogis reconhecerão a dureza ou maciez do pé sobre o chão. Isso remete a natureza do elemento terra. Ao prestar bem atenção a pressão do pé contra o chão, yogis virtualmente reconhecem a natureza do elemento terra.
Assim podemos ver que em apenas um passo, yogis reconhecem vários processos. Eles podem reconhecer os quatro elementos e a natureza destes quatro elementos. Apenas aqueles que praticam poderão esperar ver estas coisas.
Conforme um yogi continuar a praticar a meditação do caminhar, eles virão a compreender que, com cada movimento, há também uma mente que os notam, a consciência do movimento. Há o levantar do pé e também a mente que está ciente deste mesmo levantar. No próximo momento, há o mover do pé adiante e também a mente que está ciente deste movimento. Além disso, yogis compreenderão que ambos o movimento e consciência surgem e desaparecem naquele mesmo momento. No próximo momento, há o abaixar e também a mente que está ciente disso, e ambos surgem e desaparecem naquele mesmo momento de abaixar o pé. O mesmo processo ocorre quando o pé toca o chão: há o toque e a mente ciente dessa pressão. Deste modo, yogis compreendem que juntamente com o movimento do pé, há também momentos de consciência. Os momentos são chamados, em Pali, de nama, mente, e o movimento do pé é chamado de rupa, matéria. Portanto yogis reconhecerão mente e matéria surgindo e desaparecendo a cada momento. Em um momento há o levantar do pé e a consciência ciente do levantar, e no próximo momento há o mover adiante e a consciência ciente deste movimento, e assim por diante. Estes podem ser vistos como um par, mente e matéria, que surgem e desaparecem a cada momento. Assim yogis avançam na percepção da ocorrência de pares da mente e matéria a cada momento da observação, isto é, se prestarem bem atenção.
Outra coisa que yogis descobrirão é o papel da intenção em efetuar cada movimento. Eles compreenderão que levantam o pé porque querem, movem o pé adiante porque querem, abaixam porque querem, pisam no chão porque querem. Isto é, eles compreendem que uma intenção precede cada movimento. Após a intenção de levantar, há o levantar do pé. Eles chegam à compreensão da condicionalidade de todas essas ocorrências – estes movimentos nunca ocorrem por si sós, sem condições. Estes movimentos não são criados por nenhuma divindade ou qualquer autoridade, e estes movimentos nunca acontecem sem uma causa. Há uma causa ou condição para cada movimento, e esta condição é a intenção precedendo cada movimento. Isso é outra descoberta que yogis fazem quando prestam bem atenção.  
Quando os yogis compreendem a condicionalidade de todos os movimentos, e que esses movimentos não são criados por uma autoridade ou qualquer deus, então eles compreenderão que estes são criados por causa da intenção. Eles compreenderão que a intenção é a condição para o movimento ocorrer. Portanto a relação de condicionar e ser condicionado, de causa e efeito, é compreendida. Na base desta compreensão, yogis podem remover qualquer dúvida a respeito de nama e rupa por entender que nama e rupa não surgem sem condições. Com a clara compreensão da condicionalidade de todas as coisas, e com a transcendência da dúvida sobre nama e rupa, é dito que o yogi chegou ao estado de “sotapanna menor”.
Um sotapanna significa aquele que “entrou na correnteza” (do ‘rio’ que leva diretamente a Nibbana) e é uma pessoa que alcançou o primeiro estágio de iluminação. Um “sotapanna menor” não é alguém que realmente entrou na correnteza, mas é dito estar assegurado de um renascimento em um mundo de existência feliz, como nos domínios dos seres humanos e das devas. Isto é, um sotapanna menor não renascerá em um dos quatro estados de privação e miséria, nos mundos infernais ou no reino animal. Este estado de sotapanna menor pode ser alcançado só por praticar a meditação do caminhar, apenas por prestar a atenção aos movimentos envolvidos em cada passo. Este é o grande benefício de praticar a meditação do caminhar. Este estágio não é fácil de atingir, mas uma vez que um yogi consegue atingir, eles podem estar assegurados que renascerão em um estado feliz, a não ser, é claro, que eles caiam deste estágio.
Quando yogis compreendem mente e matéria surgindo e desaparecendo a cada instante, então eles compreenderão a impermanência do processo de levantar o pé, e também compreenderão a impermanência da consciência ciente deste levantar. A ocorrência do desaparecimento logo após o surgimento é uma marca ou característica por qual compreendemos que algo é impermanente. Se quisermos determinar se algo é impermanente ou permanente, devemos tentar ver, através do poder da meditação, se esta coisa está sujeita ou não ao processo de vir-a-ser e depois desaparecer. Se nossa meditação for madura o suficiente para capacitarmo-nos ver o surgimento e desaparecimento de um fenômeno, então poderemos decidir que o fenômeno observado é impermanente. Deste modo, yogis observam que há o movimento do levantar e há a consciência ciente deste movimento, e quando esta sequência desparecer, abre-se o caminho para o mover adiante e consciência ciente deste mover.   Estes movimentos simplesmente surgem e desaparecem, surgem e desaparecem, e neste processo yogis podem compreender por si próprios – eles não terão que aceitar isso baseado na fé ou confiança de uma autoridade exterior, nem terão que acreditar no relato de outra pessoa.
Quando yogis compreendem que mente e matéria surgem e desaparecem, eles entendem que a mente e matéria são impermanente. Quando veem que elas são impermanentes, eles em seguida compreendem que são insatisfatórias porque estão sempre oprimidas pelo processo constante de surgir e se dissipar. Após compreender a impermanência e a natureza insatisfatória destas coisas, yogis compreendem que não há um “eu” ou uma alma dentro de mente e matéria que podem as ordená-las a serem permanentes. As coisas simplesmente surgem e desaparecem de acordo com a lei natural. Por compreender isto, yogis entendem a terceira característica de fenômenos condicionados, a característica de anatta, ou a características de que as coisas são destituídas de um “eu” ou ego. Um dos significados de anatta é domínio nenhum – significando que nada, entidade alguma, alma alguma, nenhum poder, tem domínio sobre a natureza das coisas. Por tanto, ao chegar a este ponto, yogis compreendem as três características de todos fenômenos condicionados: impermanência, sofrimento ou estresse, e não-substancialidade na natureza das coisas – em Pali, anicca, dukkha, e anatta.
Yogis compreendem estas três características por observar atentamente o mero levantar do pé e a consciência deste levantar. Por prestar bem atenção a estes movimentos, eles veem as coisas surgindo e desaparecendo, e consequentemente veem por si sós a impermanência, insatisfação, e não-substancialidade dos fenômenos condicionados.
Examinemos agora em mais detalhes os movimentos da meditação do caminhar. Suponha que alguém tirasse diversas fotos do levantar do pé. Suponha que o levantar do pé leve um segundo pra acontecer, e digamos que a câmera possa tirar trinta e seis quadros por segundo.  Após tirar a foto, se olharmos distintamente para cada quadro separado, veríamos que dentro do que parecia ser um só movimento – o levantar – há na verdade trinta e seis movimentos. A imagem em cada quadro é levemente diferente das imagens em outros quadros, embora a diferença será tão vaga que mal perceberíamos. Mas e se a câmera pudesse tirar mil quadros por segundo? Então teríamos mil movimentos em apenas um levantar, embora os movimentos seriam quase impossíveis de se distinguir. Se a câmera tirasse um milhão de quadros por segundo – o que pode ser impossível hoje, mas algum dia poderá acontecer – então haveria um milhão de movimentos no que pensávamos ser apenas um movimento.
Nosso esforço na meditação do caminhar é poder ver nossos movimentos o mais próximo possível da forma como uma câmera veria, quadro por quadro. Queremos também observar a consciência e a intenção, precedendo cada movimento. Podemos também apreciar o poder da sabedoria e insight do Buda, pelo qual ele verdadeiramente viu todos estes movimentos. Quando usamos a palavra “ver” ou “observar” para referir a nossa própria situação, queremos dizer ver diretamente e também por dedução; talvez não possamos ver diretamente os milhões de movimentos como o Buda poderia.
Antes dos yogis começarem a praticar a meditação do caminhar, eles podem ter pensado que um passo era apenas um movimento. Após a meditação sobre aquele movimento, eles observam que há pelo menos quatro destes, e se forem mais a fundo, eles compreenderão que até um destes quatro movimentos consiste de milhões de movimentos menores. Eles veem nama e rupa, mente e matéria, surgindo e desaparecendo, como sendo impermanentes. Através de nossa percepção normal, não conseguimos ver a impermanência das coisas porque a impermanência está ocultada pela ilusão da continuidade. Pensamos que vemos apenas um movimento contínuo, mas se olharmos mais próximo, veremos que a ilusão da continuidade pode ser separada em unidades. Pode ser separada por observação direta dos fenômenos físicos parte por parte, segmento por segmento, conforme se originam e desintegram. O valor da meditação está em nossa habilidade de remover o manto da continuidade para podermos descobrir a verdadeira natureza da impermanência. Yogis podem descobrir a natureza da impermanência diretamente através de seus próprios esforços.
Após compreender que as coisas são compostas de segmentos, que eles ocorrem por partes, e após observar estes segmentos um por um, yogis compreenderão que não há nada no mundo que possamos nos apegar, nada a ser desejado. Se vermos que algo que uma vez pensávamos que era belo na verdade tem buracos, que está decaindo e desintegrando, perdemos interesse nisso. Por exemplo, podemos ver uma bela pintura sobre tela. Pensamos na tinta e tela conceitualmente como sendo um todo, algo sólido. Mas se fossemos colocar a pintura sobre um microscópio poderoso, veríamos que a pintura não é sólida – ela tem muitos furos e espaços. Após vermos a pintura compostas por largos espaços, perderíamos interesse nela e deixaríamos de estarmos apegados a ela. Físicos da modernidade estão familiarizados com esta ideia. Eles observaram, com instrumentos poderosos, que a matéria é apenas a vibração de partículas e energia constantemente mudando – não há nada substancial a isto de forma alguma. Pela compreensão desta eterna impermanência, yogis compreendem que não há nada de valor a ser desejado, nada a ser segurado pra si mesmo neste mundo de fenômenos.
Agora podemos entender os motivos de praticarmos a meditação do caminhar. Praticamos a meditação porque queremos remover nosso apego e desejo por objetos. É por compreender as três características da existência – impermanência, sofrimento e não-substancialidade das coisas – que removemos o desejo. Queremos remover o desejo porque não queremos sofrer. Se não queremos sofrer, devemos remover todo desejo e apego. Devemos compreender que todas as coisas são apenas mente e matéria surgindo e desaparecendo, que todas as coisas são insubstanciais. Uma vez que compreendemos isso, poderemos remover o apego às coisas. Enquanto não compreendermos isso, não importa quantos livros lermos ou quantas palestras assistirmos ou quantas conversas tivermos sobre remover o apego, não seremos capazes de remover essa barreira. É necessário ter a experiência direta que todas as coisas condicionadas são marcadas por estas três características.
Portanto, precisamos prestar bem atenção quando estivermos caminhando, assim quando estamos sentados ou deitados. Não estou tentando dizer que a meditação do caminhar por si só poderá nos dar esta realização final e a habilidade de remover o apego totalmente, mas mesmo assim não deixa de ser uma prática tão válida quanto a meditação sentado ou qualquer outro tipo de meditação vipassana (insight). A meditação do caminhar é conducente ao progresso espiritual. É tão poderosa quanto a atenção plena da respiração ou atenção plena do levantar e cair do abdômen. É uma ferramenta eficiente para remover impurezas mentais. A meditação do caminhar pode nos ajudar a adquirirmos insight sobre a natureza das coisas, e por isso devemos praticá-la tão diligentemente quanto em qualquer outra posição ou tipo de meditação. Pela prática da meditação vipassana em todas as posturas, incluindo a postura do caminhar, que você e todos os yogis possam atingir a purificação total nesta mesma vida!

*Texto original disponível em inglês em http://www.accesstoinsight.org/lib/authors/silananda/bl137.html

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Karma


Karma

Por 

Thanissaro Bhikkhu

Tradução

Michael Beisert


Karma é uma daquelas palavras que não traduzimos. O seu significado básico é bastante simples - ação - mas devido à importância que os ensinamentos do Buda atribuem ao papel da ação, a palavra karma em Sânscrito contém tantas implicações que a palavra ação em Português não consegue abarcar todo o seu conteúdo. É por essa razão que simplesmente absorvemos a palavra original como parte do nosso vocabulário.
Porém quando tentamos identificar todas as conotações que a palavra contém, agora que ela se incorporou à linguagem do dia a dia, nos damos conta que o seu verdadeiro significado não está claro. Aos olhos da maioria da pessoas, karma funciona como destino - má sorte, uma força inexplicável e imutável que surge do nosso passado, pela qual somos responsáveis, ainda que vagamente e que não temos forças para resistir. "Creio que deve ser o meu karma," ouvi pessoas dizerem quando atingidas pela má sorte com tal intensidade que não viram outra alternativa senão aceitar com resignação. O fatalismo implícito nessa afirmação é uma das razões porque tantos de nós rejeitamos o conceito de karma, pois soa tal como o tipo de mito insensível que pode justificar praticamente qualquer tipo de sofrimento ou injustiça na sociedade: "Se ele é pobre, é devido ao seu karma." "Se ela foi estuprada, é por causa do seu karma." A partir daí é só um pequeno passo para dizer que ele ou ela merecem sofrer e dessa forma não merecem a nossa ajuda.
Esse entendimento incorreto surgiu do fato de que o conceito Budista de karma veio para o Ocidente ao mesmo tempo que conceitos não Budistas e dessa forma acabou herdando uma bagagem indevida. Apesar de muitos conceitos de karma na Ásia serem fatalistas, o conceito Budista original não era de forma alguma fatalista. Na verdade, se analisarmos com atenção as idéias originais do Budismo acerca de karma, veremos que elas dão ainda menos importância a mitos do passado que a maioria das pessoas no Ocidente.
No Budismo original, o karma não era linear. Outras escolas Hindus acreditavam que o karma operava como uma linha reta, com ações do passado influenciando o presente, e ações no presente influenciando o futuro. Como resultado, eles viam pouco espaço para a livre escolha. Os Budistas no entanto, viram que o karma opera através do processo de feedback, com o momento presente sendo determinado tanto por ações do passado como do presente, as ações do presente influenciam não somente o futuro mas também o presente. Essa constante abertura para a influência da ação no presente no processo causal torna possível a livre escolha. Essa liberdade está simbolizada na imagem que os Budistas usam para explicar o processo: a água corrente. Em certas ocasiões a torrente que flui do passado é tão forte que pouco pode ser feito exceto manter-se firme no lugar, porém existem também ocasiões em que a torrente é suficientemente fraca e pode ser desviada quase que para qualquer direção.
Dessa forma, ao invés de promover a resignação impotente, a noção de karma no Budismo original focava no potencial libertador daquilo que a mente está fazendo a cada momento. Quem você é - de onde você veio - não se compara em termos de importância àquilo que a mente está fazendo a cada momento. Quem você é - de onde você veio - não se compara em termos de importância aos motivos da mente para fazer aquilo que está fazendo agora. Mesmo que o passado possa ser responsável por muitas das desigualdades que vemos na vida, a nossa medida como seres humanos não é aquilo que a sorte nos deu pois essa sorte pode mudar a cada momento. A nossa medida se estabelece pela maneira como lidamos com a sorte que temos. Se você estiver sofrendo, você tenta evitar continuar com os hábitos mentais inábeis que farão com que esse feedback cármico em particular se mantenha. Se você vê que outras pessoas estão sofrendo, e você pode ajudá-las, você não foca no passado cármico delas mas na sua oportunidade cármica no presente. Algum dia você poderá se encontrar na mesma situação em que elas estão agora, assim, essa é a oportunidade para agir da forma como você gostaria que elas agissem com relação a você quando esse dia chegar.
Essa crença de que a dignidade de uma pessoa é medida não pelo seu passado mas pelas suas ações no presente foi frontalmente contrária à tradição Hindu de hierarquia baseada em castas e, explica porque no Budismo original existe tanto humor acerca da arrogância e da mitologia dos brâmanes. Tal como apontado pelo Buda, um brâmane podia ser uma pessoa superior não porque ele nascera de um ventre brâmane mas somente se ele agisse com verdadeiras intenções hábeis.
Sempre que lemos acerca dos ataques dos primeiros Budistas ao sistema de castas, excluindo as suas sugestões anti-racistas, eles parecem ser inapropriados. Mas não nos damos conta de que eles atingem bem no cerne dos nossos mitos acerca do nosso próprio passado; nossa obsessão em definir quem somos de acordo com nossas origens - nossa raça, herança étnica, sexo, referencial sócioeconomico, preferência sexual -- nossas tribos modernas. Colocamos uma quantidade desproporcional de energia na criação e manutenção da mitologia da nossa tribo de modo que possamos nos orgulhar acerca da boa reputação da nossa tribo. Mesmo quando nos tornamos Budistas, a tribo tem prioridade. Nós exigimos um Budismo que honre os nossos mitos.
Do ponto de vista de karma no entanto, de onde viemos é karma antigo sobre o qual não temos controle. O que "somos" é na melhor hipótese um conceito nebuloso - e na pior hipótese prejudicial quando o utilizamos como desculpa para agir com motivos inábeis. O valor de uma tribo se encontra somente nas ações hábeis dos seus membros. Mesmo quando essas pessoas de bem pertencem à nossa tribo, o bom karma delas pertence a elas, não a nós. E, é lógico, toda tribo tem os seus membros ruins, o que significa que a mitologia da tribo é algo frágil. Apegar-se a algo frágil requer um grande investimento em termos de cobiça, raiva e delusão, conduzindo inevitavelmente a mais ações inábeis no futuro.
Dessa forma os ensinamentos Budistas acerca de karma, longe de serem uma relíquia esquisita do passado, são um desafio direto a uma crença básica - e um defeito básico - na nossa cultura. Somente quando abandonamos nossa obsessão em encontrar orgulho no nosso passado tribal e podemos na verdade sentir orgulho dos motivos que estão por detrás das nossas ações no presente, podemos dizer que a palavra karma, no seu sentido Budista, recuperou toda sua bagagem. E quando abrimos a bagagem nos damos conta de que ela nos trouxe um presente: um presente que damos a nós mesmos, e uns aos outros quando deixamos de lado nossos mitos sobre quem somos e podemos ao invés disso sermos honestos acerca do que estamos fazendo com cada momento - ao mesmo tempo que fazemos o esforço para agir da maneira correta.

Texto retirado de: http://www.acessoaoinsight.net/arquivo_textos_theravada/karma.php

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O que é Vipassanā?


O Que é Vipassanā?

Por

Cynthia Thatcher

Tradução

Davi Coêlho




"Então, Bahiya, você deve treinar assim: Com relação ao que é visto, haverá apenas o visto. Com relação ao que é ouvido, haverá apenas o ouvido. Com relação ao que é sentido, haverá apenas o sentido. Com relação ao que é cognizado, haverá apenas o cognizado. Assim é como você deve treinar. Quando com relação ao que é visto houver apenas o visto, ao que é ouvido houver apenas o ouvido, ao que é sentido houver apenas o sentido, ao que é cognizado houver apenas o cognizado, então, Bahiya, você não estará 'com aquilo.' Quando você não estiver 'com aquilo,' então você não estará 'naquilo.' Quando você não estiver 'naquilo,' então você não estará aqui, nem ali e tampouco entre os dois. Isso em si mesmo é o fim do sofrimento.” 
Ouvindo essa breve explicação do Dhamma do Abençoado, a mente de Bahiya exatamente naquele momento se libertou das impurezas através do desapego. Tendo exortado Bahiya com essa breve explicação do Dhamma, o Abençoado partiu."
 
- Udana 1. 10


O que é Meditação Vipassanā?
Vipassanā é a expressão máxima do ditado de Sócrates, “conheça a si mesmo”. O Buda descobriu que a causa do sofrimento pode ser removida quando enxergamos nossa verdadeira natureza. Isso é um insight radical. Significa que nossa felicidade não depende de manipular o mundo externo. Apenas temos que nos ver de forma clara – uma proposta muito mais fácil (mas no fim das contas, conhecer a si mesmo com clareza revela-nos que não  uma entidade permanente, assim como o Buda ensinou).        
Meditação vipassanā é um método racional para purificar a mente de fatores mentais que causam aflição e dor. Esta técnica simples não invoca a ajuda de um deus, espírito ou qualquer outro poder externo, mas depende somente de nosso próprio esforço.
Vipassana é um insight que corta a percepção convencional para poder enxergar a mente e matéria tal como  elas realmente são: impermanente, insatisfatória e impessoal. A meditação vipassanā gradualmente purifica a mente, eliminando toda forma de apego. Conforme o apego vai sendo cortado, desejo e ilusão gradualmente se dissolvem. O Buda identificou estes dois fatores – desejo e ignorância – como sendo a raiz do sofrimento. Quando estes são removidos, a mente toca algo permanente e além do mundo transitório. Este “algo” é a felicidade supramundana e imortal chamada “Nibbāna” em Pali.
A meditação vipassanā está interessada no momento presente – em permanecer no aqui e agora no maior grau possível. Consiste em observar o corpo (rūpa) e mente (nāma) com atenção ‘nua e crua’. 
A palavra vipassanā tem duas partes. “Passanā” que significa ver, ou seja, enxergar. O prefixo “vi” tem significados diferentes, um deles é “através”. O insight de vipassanā literalmente corta através do véu da ilusão que está na mente. “Vi” também pode significar o prefixo “dis,” sugerindo discernimento – um tipo de visão que vê componentes individuais separadamente. A ideia de separação é relevante aqui, porque o insight funciona como um bisturi mental, diferenciando a realidade convencional da realidade final. Por último, “vi” também pode funcionar como um intensivo, neste caso “vipassanā” significaria uma visão intensa, profunda e poderosa. É um insight imediato experimentado diante de nossos olhos, não tendo nada haver com o raciocínio ou pensamento.
A meditação vipassanā é uma religião?
Não. Apesar de ter sido descoberta pelo Buda, a meditação vipassanā não é Budismo. É o método pelo qual o Buda e seus discípulos se libertaram de toda forma de sofrimento e atingiram a iluminação. Esta técnica simples é um método democrático, aberto para qualquer fé ou aqueles que não aderem a nenhuma religião.
A meditação vipassanā é uma forma de escapismo?
Não. Muito pelo contrário, é a confrontação final com a realidade.



Dois Tipos de Meditação: Atenção Plena e Tranquilidade

O termo completo para a meditação vipassanā é “vipassanā-bhāvana”. “Bhāvana” (que significa cultivodesenvolvimento) é um sistema de treinamento mental que cultiva sabedoria ou concentração.
Todas as técnicas de meditação podem ser classificadas em dois tipos: meditação vipassanā (vipassanā-bhāvana) e meditação de tranquilidade, ou concentração (samatha-bhāvana). Na prática da tranquilidade a atenção é fixada em um único objeto até que a mente entre em um profundo estado de quietude. Concentração suficiente é desenvolvida para aquietar a mente e reprimir as impurezas mentais como a raiva, por exemplo. Quando acaba a meditação, porém, essas impurezas voltam eventualmente.
A prática do insight, por outro lado, cultiva sabedoria. O estudante desenvolve atenção plena sistemática para poder ver as reais características da existência: insatisfação, impermanência e impessoalidade. Todas as atividades da vida diária podem ser objetos de atenção plena: ações corporais, pensamentos e emoções – até mesmo as mais dolorosas. Nada é reprimido.
Na prática da atenção plena, o meditador nota e se desprende de diferentes objetos conforme eles surgem e desaparecem, ao invés de manter a mente fixada em uma coisa exclusivamente. Apesar de que alguma concentração é precisa para a prática do insight, é apenas o nível chamado “concentração momentânea”, que é mais fraco do que o tipo de concentração precisa para profundos estados de tranquilidades (jhāna).
O caminho da concentração resulta em calma momentânea, benção e quando totalmente aperfeiçoado, poderes psíquicos. O caminho do insight, por outro lado, leva a sabedoria e liberdade permanente do sofrimento. Esta liberdade é chamada de “Nibbāna”, o imortal.
Praticamos meditação vipassanā para podermos ver a mente, para conhecê-la ao invés de controlá-la, assim como Bhikkhu Sopako diz. Ver sua própria mente é ver a realidade final.
Muitos acham desculpas para evitar cultivar a mente. Há a desculpa mais comum, “Eu não tenho concentração o suficiente para meditar.” Mas uma sólida concentração, como dissemos, não é um requerimento para meditação vipassanā.
Pergunte a si mesmo: uma pessoa enferma precisa de alguma habilidade especial para tomar penicilina? Não, esta toma porque está doente. Assim como um remédio, meditação não é algo para qual precisamos de uma habilidade especial, é uma prescrição para uma doença; e quanto pior for o seu sabor, mais provável é que estejamos necessitados dela. O Buda disse que todos sofremos da enfermidade mental do desejo, aversão e ilusão. Mas qualquer um – repito, qualquer um – pode atingir a saúde mental e felicidade “tomando” vipassanā.


O Que é Atenção Plena?

A prática do insight cultiva atenção plena. Atenção plena em meditação vipassanā refere-se à atenção “nua e crua” dos fenômenos físicos e mentais ocorrendo no momento presente. Estes fenômenos incluem movimentos do seu corpo, visões, sons, cheiros, sabores e sensações táteis, sensações dolorosas ou prazerosas, pensamentos, etc.
O momento presente remete ao instante inicial em que um fenômeno (chamado de um “objeto”) tal como um som, uma visão, ou um movimento corporal faz contato com a consciência. Pense em um fósforo raspando contra o lado de uma caixa de fósforos, resultando em uma chama. Isto é o que o contato do momento presente se parece. A mente é uma coisa, o objeto é outra. Quando eles entram em contato juntos, um momento de experiência acontece: um momento de audição, visão, cheiro, movimento, toque, degustação, sentir, ou pensar.
Atenção plena é o fator mental ciente deste contato de um momento para o outro. Além disso, atenção plena reconhece o começo e fim de cada instância do contato. Quer dizer, ela vê cada visão ou som surgir e imediatamente desaparecer.
Com a atenção plena você não julga ou reage ao fenômeno efêmero, mas simplesmente nota-o imparcialmente, sem atração ou repulsa. Devemos enfatizar que atenção plena do corpo, pensamentos, emoções, impressões sensoriais, e assim por diante, não significa pensar sobre estas coisas, mas simplesmente reconhecê-las com atenção nua e crua assim que elas surgirem (isto é, no momento do contato), e então deixá-las e passar para o próximo objeto. A técnica de simplesmente reconhecer e se desprender de sensações sem reagir a elas eventualmente purifica a mente de todas as características nocivas.

O País do Agora

Estar com atenção plena no momento presente é estar no agora, estar aguçadamente ciente do que está acontecendo no corpo e mente no instante presente. Em tais momentos não há a lembrança de eventos passados ou a antecipação do futuro. Em termos simples, a última respiração que acabou de ocorrer também está no passado. Já se foi. A próxima respiração ainda não aconteceu. Apenas a respiração presente (ou visão, som, movimento, etc.) é que é real.
Mas como podemos sobreviver no mundo enquanto permanecendo no presente a tal grau? Para podermos ser funcionais na vida corriqueira, é claro, precisamos planejar e recordar. Temos que avaliar visões e sons. A maior parte do tempo temos que usar linguagem e pensamento abstrato. Neste caso não é possível permanecer precisamente no momento presente, apesar de que podemos usar atenção plena geral e compreensão clara para estarmos mais cientes de nossas atividades e pensamentos.
Mas podemos tirar uma hora ou mais de nosso dia para cultivar atenção plena. Durante este tempo podemos nos desprender de conceitos, pensamentos e ‘fabricações’ mentais de todo tipo. Não importa se for uma hora toda manhã ou um retiro de um ano, durante este período não há necessidade de pensar sobre a crise de ontem ou fazer acrobacias mentais para o futuro, nem mesmo pensar na próxima respiração. 
O que às vezes é mal-entendido, porém, é o grau de “agoridade” (estar no agora) que é preciso durante a prática do insight. É mais extremo e preciso do que a maioria das pessoas pensam. E é bem diferente do tipo de estado mental ou atenção que temos durante nossa vida diária.
Pessoas diferentes podem querer dizer coisas diferentes com os termos “agora” e “o presente”. De uma forma prática, podemos pensar em “agoridade” em termos de graus. Imagine que você está de pé sobre um alto precipício olhando para uma floresta abaixo através de um binóculo. Conforme você aproxima o zoom, detalhes de árvores individuais começam a surgir mais nitidamente. Conforme você afasta o zoom, as árvores começam a aparecer menos distintas.
Estamos usando a distância aqui como uma metáfora para o tempo. Para aqueles que estão longe da floresta, viver no presente pode significar desfrutar da vida a cada dia (uma forma de carpe diem) sem planejar o amanhã. Para uma pessoa que aproxima o zoom, permanecer no presente pode significar prestar atenção enquanto lava os pratos – mantendo a mente na tarefa adiante ao invés de ficar divagando para o que aconteceu na manhã anterior.
Mas é só até ai que nosso zoom pode aproximar? É isso que significa permanecer no presente ao último grau? De fato, não é. Podemos acreditar que é o limite apenas porque ainda não cultivamos sistematicamente atenção plena. Mas com forte atenção plena podemos nos aproximar ainda mais. Então descobrimos que o “agora” se abre em muitos níveis a mais.
Gradualmente, é percebido que nossa falta prévia de atenção distorcia nossa percepção da paisagem interna e externa. Conforme atenção plena for ficando mais afiada, poderemos perceber muitos outros detalhes, sutilezas que nunca haviam sido notadas antes, até que seremos capazes de enxergar claramente o momento em que a mente faz contato inicial com um objeto.
Se fizermos isto sistematicamente começaremos a perceber as coisas de forma diferente – como a imagem do espelho que vemos que não é o que pensávamos. O que acreditávamos ser permanente, vemos que é momentâneo. O que pensávamos ser desejável já não parece tão atrativo. O que pensávamos ser a fonte do “eu” ou de nossa identidade é visto claramente como sendo componentes impessoais. Isto serve para atravessarmos a margem da verdade convencional para o outro lado da realidade suprema e ver as coisas tal qual elas verdadeiramente são. É por enxergar estas características claramente que seremos capazes de abandonar o apego e nos tornarmos livres do sofrimento. 


Libertando-se de Memórias e Nomes

O que acontece na prática do agora no próximo nível para que possamos ver a realidade suprema claramente? A resposta é: desprender-se do conhecimento convencional temporariamente, que inclui desprender-se da memória. Não apenas memórias de infância, ou de ontem, ou de um minuto atrás, mas também da nossa última exalação um segundo atrás.
Para podermos ganhar conhecimento supremo temos que abrir mão, por um tempo, de rótulos e conceitos do conhecimento convencional. Alguns chamam isso de “mente do principiante”. Isto significa que para atingir um alto nível de insight, deve-se temporariamente abandonar o nome das coisas, porque nomear é basicamente uma forma muito sutil de se lembrar, um pequeno reflexo do passado. Mas não é preciso se preocupar, pois nada será perdido – as memórias e nomes irão retornar uma vez que você precise deles ou então assim que parar o período intenso da prática.  
O que significa “desprender-se de nomes?” Para podermos compreender isso, vamos considerar a percepção conforme descrita na filosofia Budista. Um processo perceptivo tem duas partes. Digamos que você está olhando para um piano. Primeiramente é visto uma forma não identificada colorida (este é o momento inicial de contato com o objeto, da qual mencionamos previamente). Uma fração de segundo depois a mente reconhece o nome do objeto, “piano”. Estes dois momentos ocorrem um após o outro, tão rapidamente que na vida diária eles são indistinguíveis. Mas com forte atenção plena e insight é possível ver o momento inicial em que a visão nua e crua acontece antes da memória surgir com o nome.
O mesmo estágio de percepção ocorre sempre que um som, odor, sabor ou toque é percebido. Pura onda-sonora é reconhecida primeiramente; no próximo momento é reconhecido o som. Uma fragrância é sentida antes que seu nome. O mesmo ocorre para toques, sabores e fenômenos mentais.
A verdade é que, apesar de termos atenção plena mínima durante o dia, sempre que reconhecemos uma visão, som, etc., não pode ser dito que você está exatamente no momento presente, ao grau mais alto possível. “Se pudéssemos focar precisamente no momento presente,” Achan Sobin diz, “o olho não identificaria objetos vindo na área da percepção. Som, que meramente tem a função de entrar no tímpano e causar sua vibração, não seria reconhecido como fala ou música, etc. De fato, é possível fixar no segundo fracionário entre ouvir um som e reconhecê-lo na maneira convencional.” (Do livro,  Wayfaring: A Manual for Insight Meditation).
Apesar de parecer ser impossível estar claramente cônscio de uma forma antes de reconhecê-la, este evento acontece naturalmente durante a prática de vipassanā quando a atenção plena e insight estiverem consolidados. Com a experiência na meditação, você não terá que crer ou descrer, porque saberá de primeira mão. Tomar conhecimento de um fenômeno com atenção plena antes que ele seja coberto com conceitos é ter a experiência da realidade tal qual ela é em seu estado primitivo.
Isso não significa que na vida diária você irá andar esbarrando em objetos que você não mais reconhece. Novamente, a percepção convencional, juntamente com seus nomes e conceitos necessários para vida diária, estarão lá assim que forem precisos. Poderão ser acessados a qualquer momento.
Mas ao que diz respeito à memória, alguns podem dizer, “Mas eu prezo pelas minhas memórias felizes. Porque eu devo me desprender delas?” De novo, suas memórias não serão permanentemente apagadas. Você será capaz de lembrá-las sempre que quiser. Mas quanto mais você treinar a mente para ficar no presente, mais você verá que se apegar a memórias e viver no futuro na verdade causam sofrimento. Apego a memórias agradáveis faz com que passamos um bom tempo desejando com anseio por algo que já se foi, e este anseio é em si doloroso. O que desaparece na prática de vipassanā não são as memórias em si, mas a aflição que vem por se apegar a elas.


Realidade Convencional vs. Realidade Suprema

O Buda fez uma distinção entre realidade convencional e a realidade suprema. A primeira refere-se aos nomes e conceitos através dos quais interpretamos nossa experiência. A verdade convencional é relativa e conceitual. Ela muda de pessoa para pessoa. Mas a verdade suprema é a mesma para todos. É verdadeira em seu sentido mais absoluto.
Um nome é um conceito; em última instância, não é real. É apenas uma convenção que impomos a algo. Recordar do nome de algo, não importa se estamos nos referindo a uma visão, som, cheiro, sabor, toque, sensação ou alguma outra forma, não é o mesmo que ter a experiência deste diretamente.
A realidade suprema refere-se à data sensorial bruta de momento a momento: as instancias reais da cor, ondas sonoras, sensações táteis, fragrância e assim por diante, que o cérebro continuamente registra. Estas sensações existem quer pensamos nelas ou não. Elas não são afetadas por nomes ou associações dadas a elas. 
A maioria das culturas têm um nome para o fenômeno chamado “trovão” em Inglês. Brasileiros chamam de “trovão”, em francês “tonerre”, etc. Apesar dos nomes serem distintos, o fenômeno não é. O evento denominado “trovão” é a mesma coisa não importa do que chamamos. Verdadeiramente falando, é impossível ouvir um trovão. O que ouvimos é o som. Embora um som em particular pode ter muitos nomes, ondas sonoras em si têm a mesma propriedade, e seguem as mesmas leis físicas, em todas as culturas.
A meditação vipassanā está interessada apenas com a realidade suprema, não a realidade convencional. E a realidade suprema possuí apenas dois componentes: nāma e rūpa.


Nāma e Rūpa

Acha Sobin disse certa vez, “Não há vipassanā sem nāma e rūpa.” Eles são a meditação do insight destilados à sua essência. “Nāma” significa mente. Mente é composta de duas coisas: 1) consciência, e 2) fenômeno ou fatores mentais tais como a intenção, sentimento, desejo, atenção plena, e assim por diante. A palavra “nāma” em geral pode ser usada para designar consciência e fatores mentais. 
“Rūpa” significa matéria. Praticamente falando, rūpa refere-se a impressões sensoriais bruta: cor, som, sabor, odor e sensação tátil (sensação tátil é experimentada como temperatura, pressão e movimento). Embora não as consideramos desta maneira, na filosofia Budista impressões sensoriais são consideradas um tipo de matéria. Elas são, de fato, nossa única experiência direta deste último. 
Nāma e rūpa são as únicas coisas que sobram quando nos desprendemos de nomes e conceitos. Estritamente falando, eles são os únicos objetos apropriados para a atenção plena.  
Nāma e rūpa servem duas funções diferentes em nossa experiência momentânea: 1) a função de saber ou cognizar, e 2) a função de ser reconhecido ou cognizado.
A faculdade que sabe é nāma, a mente. Ela está ciente de algo. Vamos chamá-la de “o conhecedor” (mas este conhecedor não deve ser igualado a um “eu”, “ego” ou identidade, pois é impessoal, anattā). O xis que está sendo cognizado é chamado de “objeto”. Um objeto por definição própria não possui consciência.
Rūpa, formas materiais, são sempre objetos, não conhecedores. Rūpa não é cônscia. Som não pode ouvir. Cores não podem ver. Fenômenos materiais devem ser “tocados” por uma mente para poderem ser experimentados. Quando a mente vê uma cor, visão acontece. Quando está ciente de um som, audição ocorre. Cor e som são objetos.
Cada momento de vida contém um “conhecedor” e um objeto. Quando estas duas coisas se juntam, experiência acontece. Por exemplo, vibrações sonoras são rūpa; a mente reconhece o som. Quando você move seu braço, o movimento é rūpa; nāma, a mente, está ciente do movimento. Fragrância é rūpa; a mente é cônscia do cheiro. Cor é rūpa; nāma, a mente, está ciente da cor.
Agora aqui é onde as coisas começam a ficar um pouco complicadas. Embora rūpas sejam sempre objetos, nem todos os objetos são rūpas. Um objeto remete a qualquer coisa da qual a mente está ciente. Pode ser corpóreo ou incorpóreo. Fenômeno mental tal como pensamentos e sentimentos podem se tornar objetos – objetos da mente – porque podemos estar cientes deles.
Neste caso, um fenômeno mental é reconhecido por outro fenômeno mental. Tendo dois nāmas em um momento pode parecer confuso, como se houvesse dois conhecedores. Mas apenas um nāma por vez pode ser o conhecedor. Um único momento de nāma ou unidade mental é que pode efetuar uma função de cada vez. Não há como ser ambos conhecedor e objeto simultaneamente.
O que acontece em alguns casos de reconhecer uma forma mental é que a mente no presente toma como seu objeto o momento prévio de consciência, aquele que surgiu e se dissipou na fração do segundo anterior. Em outras palavras, o fenômeno mental de ser reconhecido – o nāma servindo como o objeto – já acabou ou se foi. (Tecnicamente, quando o momento prévio de consciência se torna o objeto do presente, estamos reconhecendo um objeto do passado. Mas ainda está próximo no tempo para contar como um objeto legítimo de atenção plena, ou seja, ainda conta como sendo um objeto do “presente”. Isso é uma situação diferente de quando a mente dirige-se para a memória para buscar o nome de uma forma).
Em suma: rūpas são conhecidas. Nāmas conhecem (rūpas e outras nāmas). O conhecedor é sempre nāma. O objeto pode ser nāma ou rūpa.
Nāma
Rūpa
Conhecedor
Objeto
Fenômeno Mental
Matéria
Na meditação:
cor, som,
cheiro, sabor,
toque, movimento
A faculdade que conhece um objeto
Um fenômeno que é conhecido
Nāma
Rūpa
Conhecedor
Objeto
Função: conhecedor ou objeto
Função: Objeto
Sempre Nāma
Nāma ou Rūpa

Embora sejam fundamentais, realidades supremas (rūpas e nāmas individuais) não são permanente. De fato, elas estão num fluxo contínuo, surgindo e se dissolvendo tão rápido quanto relâmpagos. Sob condições normais seriamos incapazes de perceber este fluxo. Mas é possível, através da pratica de meditação vipassanā, treinar nossas mentes para ver este processo. Conseguir ver nāma-rūpa surgir e desaparecer é conhecer a si mesmo. Conhecer a si mesmo é conhecer o universo.

Ausência do “Eu”
Quando observando nāma e rūpa você não deve pensar em termos de um ego ou identidade ou descrever sua experiência com palavras. Quando observando o corpo, por exemplo, você não deveria pensar, “Eu sinto uma dormência na minha perna”. Você estaria apenas ciente da sensação. Como uma técnica de treinamento um iniciante pode rotular a sensação “dormência, dormência, etc.” ou “sentindo, sentindo”, mas sem considerar isso em termos de “eu” ou mentalmente conectando esta dormência a uma parte do corpo.
Veja outro exemplo: durante a meditação do caminhar um estudante está apenas ciente da sensação bruta do movimento ao invés de pensar, “Agora meu pé está se mexendo,” e nem está ciente do conceito “pé”. Não importa qual parte do corpo esteja se movendo, cada instância de movimento é rūpa, forma física. Em termos finais, todas as rūpas são iguais. A única diferença é que elas ocorrem em momentos diferentes. Nāmas e rūpas não são o “eu” ou ego. Elas também não pertencem a um “eu”.
O corpo físico é rūpa porque é feito de matéria. Ele pode ser movido em diferentes formas chamadas de “posturas”. Digamos que você coloque seu corpo na posição de sentar. Normalmente pensaríamos, “Eu estou sentando”, o que seria verdadeiro para a realidade convencional. Mas de acordo com a realidade suprema, é apenas rūpa que está sentada, apenas forma física, não um ego ou um “eu”. Em última instância, nem mesmo um homem ou mulher está sentando, mas sim apenas elementos físicos.
E nāma? Bem, falando num sentido supremo, nāma, a mente, também não é um “eu”. Nāma é a faculdade  que reconhece que o corpo está sentado. Mas esta consciência não é equivalente a um “eu”. É apenas uma consciência impessoal que surge e desaparece de instante em instante. 
A vida continua porque no próximo instante um novo momento de consciência surge. Novas unidades de consciência surgem e desaparecem uma de cada vez, e é este fluxo inteiro que geralmente consideramos como sendo um ser ou uma pessoa.  Embora pensamos numa pessoa como sendo uma entidade relativamente permanente possuindo uma alma ou espírito eterno, de fato o contínuo mental é composto de unidades separadas, porém sequenciais, de consciência. A noção de um “eu” permanente, conforme o Buda ensinou, é nada mais que pura ficção. Isto não existe verdadeiramente nem no corpo e nem na mente.
Nossa experiência de instante em instante em termos de nāma-rūpa podem ser abreviadas da seguinte maneira:

Movimento é rūpa; nāma reconhece (está ciente do) movimento.
Postura é rūpa; nāma reconhece postura.
Cor é rūpa; nāma vê a cor.
Som é rūpa; nāma escuta o som.
Odor é rūpa; nāma cheira o odor.
Sensação tátil é rūpa; nāma reconhece sensação tátil.
Sabor é rūpa; nāma saboreia o sabor.

Objetos

Em qualquer tipo de meditação temos que dar à mente algo para ela se fixar. Este “algo” é chamado de “objeto da meditação”. Na prática de meditação vipassanā os únicos objetos apropriados são aqueles que ocorrem no momento presente. Algumas vezes geramos estes objetos deliberadamente, como nos exercícios de movimento da mão. Em alguns outros casos, apenas observamos o que acontece naturalmente, como os movimentos abdominais que acontecem quando respiramos.

De fato, o movimento abdominal que ocorre na respiração é o objeto de meditação mais frequentemente usado. O abdômen se expande quando inalamos e murcha quando exalamos. Na meditação vipassanā estes dois movimentos são chamados de “surgir” e “diluir”. O movimento de surgir é um objeto, o de diluir é outro.

Já que estes movimentos nunca acabam enquanto estivermos vivos, eles se tornam objetos extremamente convenientes. Você pode praticar meditação vipassanā a qualquer hora simplesmente por observar os movimentos abdominais. Há muitos outros objetos para a meditação vipassanā, porém, que serão explicados em futuros artigos.

Persistência

Outro requerimento é persistência. Se você tentou alguma vez praticar meditação vipassanā, sabe que manter a mente no presente não é tão fácil quanto soa. Perversamente, a mente sempre divaga. Não tem problema. É preciso paciência para mudar hábitos de uma vida inteira. Mas é importante não se irritar ou deixar se abater. Você deve considerar o vaguear da mente como uma oportunidade de ver impessoalidade, o “não-eu”.

Não-eu significa que todos os fenômenos no universo surgem por causa de condições que não são passíveis de ser controlados por a vontade de ninguém. Ainda sim podemos causar mudanças, mas apenas quando criamos as condições certas, e não por mera vontade. E criar estas condições leva tempo.

Portanto como deve responder quando a consciência vaguear do objeto de meditação? Simplesmente notar, “pensando, pensando, etc.” repetindo a palavra silenciosamente em sua mente e então trazendo sua atenção de volta para o objeto de meditação. Assim que perceber que a mente está indo para o passado ou sonhando com o futuro, traga-a de volta pra o momento presente onde um novo objeto, um novo som, pensamento ou movimento já está acontecendo.

Persistência é chave porque você terá que trazer a mente de volta vez após vez – literalmente milhares de vezes, até que isso se torne habitual. Não tente reprimir nenhuma emoção ou pensamento que possa surgir. Permita estes fenômenos aparecerem naturalmente. Apenas esteja ciente de quando eles ocorrerem.


Bolhas de Sabão

Imagine uma garrafa de bolha de sabão, como aquela que éramos costumados a brincar quando criança. Antes de soprar na varinha, nenhuma bolha existe. Assim que soprar, porém, algo começa a se formar. Um filme fino torna-se redondo e forma-se em uma bolha que se liberta – uma esfera flutuante e independente. Uma forma apareceu que não existia antes alguns segundos atrás. Você a viu “nascer”.

Então diante de seus olhos a bolha explode. Agora ela não mais existe. Não é possível achar traço algum dela. Mas durante o processo você presenciou a “existência” inteira da bolha, desde seu nascimento até sua morte. Este é o conceito geral de observar um objeto na meditação vipassanā.

Em última instância, todo fenômeno, tal como movimento ou som, surge, persiste e explode como uma bolha, tudo no espaço de um momento. Na prática correta da meditação vipassanā um estudante observa um objeto durante todas as três fases.

Por exemplo, digamos que um meditador estava observando os movimentos abdominais. Durante a expansão do abdômen, o estudante iria acompanhar aproximadamente o movimento durante sua duração, desde o inicio do movimento até seu fim.

A atenção deve estar igualmente alerta durante todo o processo do movimento. O movimento de surgir tem um começo e fim. Assim como o de diluir. Não é suficiente apenas notar o desenvolvimento no meio. Devemos ver o começo – e seus pontos finais também.

Após o abdômen parar de expandir, ele murcha. Este movimento é uma nova “bolha”, assim por dizer, um novo objeto, diferente do movimento de expansão. Um estudante então observa o movimento de diluir em todas as suas fases: começo, meio e fim.

Na verdade, o surgimento e diluição não são continuo. O abdômen tem que parar de expandir por uma fração de segundo antes de começar a diluir, antes da exalação começar. Pense no movimento do surgir como o movimento para cima de uma pedra jogada para o ar. Após chegar no ponto mais alto, a pedra para um instante antes de cair. Da mesma forma, o abdômen para de expandir antes de retrair.

Permanecer no momento presente significa que quando o abdômen retrai você não está pensando no último movimento de surgir, já que este já desapareceu. Pensar nele seria voltar para o passado, continuar a pensar em um objeto que já não existe mais.

Quando estiver exalando, onde está a inalação prévia? Ela não existe. Tornou-se apenas uma memória, não é mais um objeto real do momento presente. Então depois de um segundo ou dois a exalação termina e uma nova inalação começa. Agora a exalação está no passado e a nova inalação (isto é, o novo movimento surgindo) é o objeto do presente.


Os Quatro Fundamentos da Atenção Plena

O Buda identificou quatro classes de objetos adequados para cultivar o insight: o corpo, sensações, consciência e objetos mentais. Estes são chamados dos “Quatro Fundamentos da Atenção Plena”.

O corpo remete a movimento e postura; sensações incluem sensações de dor, prazer ou neutralidade. “Consciência” refere-se à pensamentos e fatores mentais que colorem a mente, fatores tais como desejo, ilusão, atenção plena, etc.

A última categoria, objetos mentais, são um grupo variado que incluem tanto fenômenos mentais como materiais. Objetos mentais incluem emoções como desejo sensual, raiva, torpor, ansiedade e dúvida (os “cinco empecilhos” da meditação). Este grupo também inclui emoções prazerosas como alegria. No lado material, objetos mentais referem-se às cinco impressões sensoriais: visões, sons, odores, toques e sabores.
Para podermos erguer um prédio, precisamos de uma base. Com estes quatro tipos de objetos como materiais, podemos construir uma forte base para atenção plena. Sabedoria surgirá automaticamente quando esta base for estabelecida. A beleza disto tudo é que, você não tem que procurar pelos materiais de construção. Eles estão literalmente a seu dispor, dentro de si mesmo no seu corpo e mente. Mas eles devem ser notados no momento presente para contar como sendo uma base. Os fundamentos da atenção plena são descrito com detalhes no Satipatthana Sutta, a “bíblia” do meditador.

O Ritmo da Realidade

Quanto tempo dura um relâmpago? Um instante? Agora cortem este instante pela metade, e pela metade da metade outra vez, e vocês terão uma ideia da duração da mente. Falando em termos gerais, nossa experiência consiste de momentos cognitivos individuais que ocorrem um após o outro. Mente e objeto surgem como num flash e somem juntos em frações de um segundo. A velocidade de seu surgimento e desaparecimento é incrível. É dito que durante a duração de um raio, milhões de unidades de consciência ocorrem.

Em outras palavras, embora temos a tendência de achar que a consciência é uma espécie de linha reta, ininterrupta, esticando desde nosso nascimento até o momento presente, a consciência na verdade ocorre como uma série de eventos cognitivos separados e extremamente breves chamados “momentos mentais”. Cada momento mental desaparece completamente antes que o próximo surja. O Buda ensinou que nada se transfere de um instante para o outro, nem mesmo um âmago chamado “alma” ou “eu”.

Contudo, porque os momentos mentais surgem e desaparecem com tanta rapidez, nosso estado diário de consciência não conseguem vê-los individualmente. Eles se mesclam um com o outro, em fluxo contínuo, assim como as lâminas de um ventilador se mesclam juntas. Isso é importante porque a mesclagem da experiência que vai de instante a instante cria uma ilusão de continuidade e permanência. Isso nos impede de perceber a verdade da impermanência.

Normalmente nossa atenção é fraca demais para manter o passo com as rápidas mudanças ocorrendo de momento a momento. É por isso que precisamos desenvolvê-la para treinar a mente. Para podermos enxergar claramente a impermanência da consciência, precisamos fazer nossa atenção plena mais rápida e forte.

Mas como podemos notar algo que está se movendo tão rápido? Mesmo se olhássemos fixadamente para um ventilador por muitos dias, ainda sim não saberíamos se ele tem três ou cinco lâminas, já que apenas veríamos uma mescla de cores. A solução seria tirar o ventilador da tomada.

Mas ao contrário do ventilador, não podemos desacelerar o passo dos fenômenos para nossa conveniência. Eles são o que são. Mesmo assim, como observadores, podemos tentar acompanhá-los. Podemos, por assim dizer, acelerar nosso próprio passo de observação. Podemos cultivar atenção plena até que ela esteja forte o bastante para ter um vislumbre dos fenômenos tal como eles são em detalhe suficiente para reconhecermos suas características.

Digamos que você está de pé ao lado de uma estrada aberta e alguém passa dirigindo a uma velocidade muito rápida Você saberia que um carro acabou de passar, mas o rosto do motorista não estaria claro. O carro passou correndo com tanta velocidade para que você pudesse ver qualquer um de seus detalhes. Então você entra em seu próprio carro e começa a seguir o veículo até que você esteja viajando na mesma velocidade e possa ver o outro motorista claramente, até mesmo ver a cor de seus olhos e cabelo.

Quando a atenção plena está consolidada ela “acompanha o outro carro” por assim dizer. Embora na verdade não seja inteiramente ou primeiramente uma consideração do tempo, quando a atenção plena está forte ela pode ver muitas das várias mudanças da mente e do corpo (apesar de não conseguir alcançar os momentos-mentais individualmente; pelo menos não até ter chegado ao nível mais avançado da prática). Quando isto ocorre, as três características da impermanência, insatisfação e impessoalidade se tornam evidente.

Podemos acreditar ser impossível acompanhar mudanças tão rápidas. Mas a boa noticia é que mesmo um ou dois momentos de ver um fenômeno surgir e desaparecer pode mudar nossas vidas se esta percepção for clara.

Quando a atenção plena e o conhecimento de insight estiverem maduros, sabedoria e outros fatores juntam-se. As escrituras budistas nos dizem que quando todos estes fatores mentais se encontram, a mente, em uma questão de instantes, transcende nāma e rūpa. É dito que a consciência toca algo imune às mudanças, um elemento livre de todo sofrimento. Esta experiência é chamada de “despertar” ou “iluminação”.

Mas para podermos fazer a atenção plena rápida ou madura o bastante temos que treiná-la por primeiramente desacelera-la – desacelerando nossas ações. O que pode soar um pouco paradoxal, mas pense em um estudante de piano. Para que ele possa tocar tão rápido quanto o vento em um concerto, ele tem que passar meses treinando lentamente em casa.

Apenas estando consciente ou atento de uma forma geral não é o suficiente para vermos a impermanência do fluxo mental. Por este motivo, praticamos o método de atenção plena “momento a momento”.

Isto se refere à observação passo a passo do corpo e mente, literalmente de um momento individual para o outro. Na meditação do caminhar, por exemplo, cada passo é quebrado em seis movimentos separados, cada um constituindo um “momento” individual. Como dividir um fio de cabelo em dois, a consciência do meditador se torna mais sutil e precisa. Ele se torna capaz de notar os momentos mais breves cada vez mais claramente. Quanto mais ele pratica, mais energia e momento a atenção plena acumula, até que consiga “alcançar” e ver claramente nāma e rūpa surgindo e desaparecendo no momento presente.


O Malabarista

O modo de focar em objetos na meditação vipassanā difere-se do modo de focar na prática da meditação para tranquilidade (samatha). Imaginem um malabarista. Seu foco é pegar e soltar. O mesmo é válido para a meditação vipassanā. “Note e esqueça” é o lema. O estudante tem que aplicar as duas metades do lema se quiser obter o beneficio máximo da pratica.

Um malabarista tem que focar se quiser pegar a bola. Ele tem que saber onde colocar sua atenção, e então manter sua mente neste lugar. Enquanto a bola estiver indo em sua direção, ele não pode pensar na outra que já foi jogada. Ele fracassará se ficar distraído por um barulho ou se seu olhar for para outra direção. O meditador, também, deve manter sua atenção no momento presente ou ele deixará a bola cair – isso é, perderá sua atenção no objeto de meditação.

Agora para a parte de “esquecer”: assim que o malabarista catar a bola ele a solta – caso o contrário como ele conseguiria pegar a próxima? Sua atenção não se fixa em um objeto. Ele a mantém em movimento, pulando de um objeto para o próximo. Que tipo de artista pararia pra olhar a bola que ele acabou de pegar, e em seguida ficar relutante em soltá-la só porque ele gostou da cor? Da mesma forma, assim que o meditador notar um objeto ele deve soltá-lo, se desprender dele, ou então ele não será capaz de notar o próximo fenômeno. Sua atenção, apesar de não interrompida, não se finca em nada em particular.

Se o mesmo objeto – um som, digamos – aparece novamente depois de ter sido notado uma vez, o meditador pode observa-lo uma segunda vez e depois soltá-lo, e assim por diante. Ele notaria, “ouvindo, ouvindo, ouvindo, etc.” em momentos sequenciais, desprendendo-se depois de cada um.


Os Cinco Sentidos

O estudante de meditação precisa entender como observar as cinco impressões sensoriais – visões, sons, odores, toques e sabores – já que estes são os objetos que mais frequentemente ativam desejo e ódio. O Malukyaputta Sutta diz, “Enquanto os fenômenos são vistos, ouvidos, pensados, ou reconhecidos, apenas deixe que eles sejam vistos, ouvidos, pensados ou reconhecidos naquele momento. Quando ver, apenas veja; quando ouvir, apenas ouça; quando pensar, apenas pense; e quando reconhecer ou souber, apenas reconheça” (“saber ou reconhecer” inclui cheirar, saborear e tocar).

Deixar estes fenômenos serem como eles são “naquele momento” significa não se identificar ou descrevê-los de forma alguma. Assim que você ver, ouvir, cheirar, saborear, tocar, pensar ou reconhecer algo, apenas esteja ciente da sensação bruta. Não adicione descrições mentais como “boa” ou “má”, etc. E não continue a pensar sobre a visão ou som depois do memento inicial do contato. Novos contatos de objetos sensoriais estão ocorrendo o tempo inteiro. Se você se prender a uma sensação passada não poderá prestar atenção a que está ocorrendo no momento presente, já que a mente apenas pode saber um objeto de cada vez.

Quando a atenção plena e insight estiverem maduros eles serão capazes, por assim dizer, de cortar o fluxo mental em um estágio muito inicial. Conseguir ver as coisas como elas são “naquele momento” significa vê-las como elas são antes do ato de nomea-las. Atenção plena madura pode parar o fluxo mental no ponto de receber a impressão sensorial bruta, antes que a mente rotule o objeto.

Quando conseguir “pegar” a sensação antes do nome aparecer, não haverá um sentimento que seja bom ou ruim. Todas as formações serão vistas da mesma forma: neutra e sem significações com nenhuma diferença essencial entre um som, emoção, ou pensamento. Esta é a realidade. É a forma como as coisas realmente são. É apenas as formações mentais que impomos a estes fenômenos que os designam como sendo belos ou feios, prazerosos ou desagradáveis.

O objetivo durante a meditação é estar ciente apenas do bruto ato de ver, ouvir, cheirar, mover-se, pensar, e assim por diante. Quando você se restringe de conceituar um objeto, ganância, ódio e ilusão não terão uma chance de se manifestarem. Então verá que cada impressão sensorial dura apenas um instante antes de desaparecer.

Contudo, sendo um meditador iniciante ou intermediário, você provavelmente não será capaz de “apenas ver” ou “apenas ouvir”. Você estará ciente de nomes, e os valores pressupostos que os assombram. Não tem problema. Apenas não foque nestes rótulos convencionais. Não pense, “Agora eu estou vendo uma cadeira, ouvindo um pássaro, movendo meu pé, etc”. Ao invés disso é apenas: ver, ouvir, mover, etc. Deixe os significados convencionais estarem presentes, mas ignore-os. Não se deixe afetar por julgamentos como bom ou mal. E ao mesmo tempo, mantenha em vista o objetivo do fenômeno puro o máximo que puder. Conforme a compreensão clara for crescendo, você se encontrará cada vez mais capaz de distinguir a pura realidade fenomenal daquilo que é apenas conceitual.


Separe-se

Durante a meditação é possível tornar qualquer fenômeno em um objeto de atenção plena ao invés de se identificar com ele. Você pode separar-se do show das sensações que está continuamente surgindo e desaparecendo. Por fazer isto você protege sua mente do sofrimento. Torna-se aparente que pensamentos, emoções e sensações não são de fato uma parte do conhecedor. Já que estes são por sua vez objetos impessoais, e não o sujeito, você pode virar a luz da consciência ao contrário e olhá-los como se eles estivessem “fora” de você. 
Portanto sempre que se sentir que um fenômeno é uma parte inseparável do conhecedor, esta parte está próxima demais para ser observada porque está sendo vista como uma parte do seu “eu”, vire a consciência ao contrário cento e oitenta graus e observe a mesma coisa. Isto é outra forma de dizer, “Não se torne o objeto”.
Quanto mais progredir na meditação, mais será capaz de sair destas coisas que são vistas na categoria do “eu”; mais será capaz de ver que tudo pode ser observado, até mesmo a mente. E quando souber ou reconhecer um objeto com consciência imparcial, você separa-se dele. Você não está envolvido nele. Você retirou o seu “eu” dele.
Falando em termos gerais, até a mente é outro fenômeno, é impessoal porque não segue nossos desejos. Este é o significado de “não-eu”. Podemos continuar virando a consciência em torno de si mesma para observar o conhecedor cada vez mais, um instante após o outro. Desta forma atenção plena varre cada forma de aflição da mente. Eventualmente, as escrituras nos dizem, tocaremos algo além do mundo condicional da mente e matéria.
Mas normalmente nos equivocamos em relação aos objetos – especialmente pensamentos, emoções ou sentimentos – como sendo aspectos do nosso ego. Pensamos, “Eu estou com sono” ou, “Eu estou entediado”. Notem o “eu” aqui. É uma forma convencional necessária para nossa fala do dia-a-dia. Esta identificação ao “eu” acontece quase que invisivelmente. A mente, em um truque muito veloz, assume que o tédio é uma parte de si mesma ao invés de ser um objeto a ser observado.
Se tédio, ansiedade, ou qualquer outro estado mental surgir, vire o raio da consciência sobre eles e note “tédio” ou “cansaço”. Não se aproprie deles como sendo aspectos do seu ego que de alguma forma lhe pertencem. Coloque todo o seu foco longe destes objetos e veja-os para saber como eles são, para ver que essas condições surgem momentaneamente, apenas para desaparecer.
Já que surgem e desaparecem tão rápido, como então poderiam ser partes de um ser permanente? Quando você não está engajado com o tédio, sonolência, ou ansiedade, quando você compreende que eles não estão intrinsecamente juntos do conhecedor e ao invés disso os tornam objetos da consciência, tudo começa a mudar.
Se puder virar o raio da sua consciência sobre o fenômeno mental, sua mente não irá se envolver com sofrimento. Você pode direcionar este raio de atenção plena para qualquer coisa. Não há nada que fique entre o circulo imaginário do ego que não possa ser feito em um objeto. Seja lá o que acontecer, você pode separar sua consciência e observar. Se manter este passo, então, não importa o que acontecer, a atenção plena será capaz de manter a mente livre de apego, agitação e estresse.


Pare a Roda

Apesar de que os benefícios da atenção plena podem ser vistos no aqui e no agora, é apenas no contexto dos ensinamentos budistas sobre o renascimento que a razão de ser para a prática da atenção plena se torna clara. No sentido final, atenção plena é praticada com vista para melhorar e eventualmente prevenir, vidas futuras.
O Budismo ensina que todo ser renasce vez após vez em vários mundos de acordo com suas ações. Até que a mente de uma pessoa esteja totalmente purificada não há um fim para este ciclo. O objetivo final do Budismo, e da prática do insight, é a libertação deste ciclo de nascimento e morte, libertação dos ciclos de existências condicionadas chamado de “samsara”. É possível para esta libertação, chamada de “Nibbana”, acontecer na vida presente se conseguirmos desenvolver atenção plena e sabedoria a um grau suficiente. 
O Buda ensinou que nascimento e morte (e o tempo entre estes dois eventos) são sempre embutidos com algum grau de dukkha, insatisfação. Embora estejamos relativamente felizes agora, a existência está manchada em seu nível mais básico porque seus componentes, mente e matéria, são instáveis e impermanentes, continuamente surgindo e desaparecendo. Qualquer satisfação que possamos tirar destes dois componentes é temporária e maculada com o medo de perdê-la. No melhor dos casos, felicidade mundana é uma mistura de prazer e ansiedade. Felicidade e infelicidade são inseparáveis, assim como a cara de uma moeda é inseparável da coroa. É como o Rei Jogador em Hamlet disse, “Aonde a alegria mais se deleita, tristeza mais se lamenta”.
Mas o Buda ensinou que a condição chamada “Nibbana”, que transcende nascimento e morte, é uma felicidade superior e pura, livre que qualquer mácula da ansiedade. E é permanente.
Embora nossas vidas possam ser relativamente prazerosas agora, todos os seres, o Buda disse, acumularam algum grau de kamma (karma) nocivo de más ações passadas (incluindo ações feitas em vidas passadas). Estas ações passadas podem se manifestar como um resultado a qualquer momento. Não podemos predizer quando isso acontecerá. Por causa disso, há sempre a possibilidade de renascermos em um mundo de sofrimento e ter que suportar condições horrorosas como doença, destituição, fome, escassez, etc. em uma vida futura.
Mas na ausência de nascimento, não há perigo. Nenhum sofrimento pode ocorrer. Ausência de nascimento não significa o vazio do nada no senso comum. Significa o elemento chamado “Nibbana”, a cessação de ganância, ódio e ilusão, cessação esta que o Buda chamou da maior felicidade de todas.
A prática da atenção plena para ou corta eventualmente este ciclo de nascimento-morte- renascimento. Desejo e ignorância são as causas necessárias para o renascimento. A prática da atenção plena gradualmente elimina o desejo, ódio e ilusão da mente. Quando a ilusão for eliminada, renascimento não poderá ocorrer, e nem o sofrimento.


Cortando o Mal Pela Raiz

Eventos externos não são as verdadeiras causas do sofrimento. Eles são apenas os galhos. A raiz está dentro de nós. O propósito da meditação vipassanā é eliminar a causa raiz do sofrimento, e não simplesmente nos fazer sentir bem temporariamente. Mas para podermos puxar a raiz será de ajuda saber como ela se estabeleceu.
A pergunta se torna, então, como o sofrimento surge em primeiro lugar? Toda forma de sofrimento (até mesmo aqueles que parecem acidentais) é o resultado de um processo que é gerado pela mente. Um exemplo nos mostrará como dukkha (insatisfação) é gerado por uma sequência de causa e efeito, uma sequência que depende de nossas reações a visões, sons e assim por diante.
Digamos que você vá até uma loja e vê um vaso de prata. Em termos gerais, a sensação bruta de ver não é bem boa e nem má. A cor em si não é bonita ou feia. Mas ao invés de parar na sensação bruta sua mente vai além e adiciona os conceitos de beleza ou feiura.
Vamos assumir que neste caso ela acrescente o rotulo de beleza. Tendo visto a visão como bela, você gosta e deseja-a. Você continua pensando nela até mesmo depois de ter saído da loja e voltado para casa, quando a imagem do próprio vaso já não está mais diante de você. Quanto mais você pensa nela, mais o seu desejo aumenta. Incitado pelo desejo, lhe ocorre o pensamento de ir roubar o vaso.
No Budismo, pensamentos intencionais são considerados uma forma de ação. O ato físico de roubar um vaso também é uma ação. Ações intencionais físicas, verbais e mentais são chamados de kamma. Kamma sempre tem um resultado para aquele que o fez.
Quando estas ações físicas e mentais – isto é, estes kammas – estão enraizados no desejo, ódio e ilusão, eles resultam em algo desagradável.  Este resultado surge na forma de uma sensação: visões, sons, cheiros, sabores, sensações táteis ou fenômenos mentais desagradáveis. Nossas várias ações, quando enraizadas na ilusão, também resultam em renascimento. Reaparecer em samsara, a roda do nascer e morrer, significa ter que passar por vários tipos de sofrimento.
Mas se conseguirmos parar as engrenagens em determinado ponto, a sequência inteira acabará. A maquinaria causal que nos prende ao nascimento e morte entrará em colapso. Em qual ponto podemos parar o processo? No ponto entre o contato inicial com um objeto e o ato de gostar ou desgostar. Se treinarmos repetidamente e sistematicamente para reconhecermos impressões sensoriais com uma atenção imparcial, ao invés de reagir com atração ou aversão, o processo que gera sofrimento cessará. Então não precisaremos mais ter que passar por resultados kármicos desagradáveis.
Mas para isso temos que ter certeza que estamos observando nāma e rūpa, ou as impressões sensoriais brutas, ao invés dos nomes convencionais que atribuímos. Tais descrições como “agora meu pé está se movendo”, ou “eu estou acompanhando minha respiração” ainda estão no nível de nomes e rótulos. Estes objetos – “pé”, “respiração”, - ainda são conceituais, não são a verdade. A verdade nestes exemplos é só o movimento em si. Em termos gerais, não há ninguém ali – nenhuma pessoa – se movendo. E nem é uma perna ou um braço que se move, são apenas elementos físicos. Isso é rūpa. O movimento não está acontecendo a você ou em você. Está apenas aparecendo e desaparecendo, como se fosse, no espaço. Se, durante a prática da meditação, você puder evitar o erro de observar objetos convencionais e ao invés disso reconhecer nāma e rūpa, você fará progresso contínuo até a meta.
Este é o “Caminho do Meio”, um meio entre dois extremos – desejo e aversão. O truque está em perceber estas coisas cedo o suficiente para experimentar apenas o fenômeno bruto no momento do contato ao invés de coisas convencionais e nomeadas. Desta forma, ficará fácil de cortar o desejo e repulsa. Como o fenômeno bruto, nāma e rūpa, não são nem bons e nem maus, é impossível gostar ou desgostar deles. Se você ver nāma e rūpa claramente, inevitavelmente pensará, “Qual é o grande negócio disso tudo? Como foi que eu me apeguei a isto?”  Quando a realidade é vista tal como ela é, apego e aversão vão embora naturalmente, sem a necessidade de um esforço maior. Por continuar a observar a mente e matéria imparcialmente, você eventualmente cessará de gerar novo kamma, assim cortando o processo mental que resulta em sofrimento. E neste ponto, é dito, a mente experimentará a maior felicidade de todas.

*Artigo traduzido do Vipassana Dhura Meditation Society, este trabalho não é meu, apenas compartilho para  ajudar na divulgação do Dhamma, todos os direitos da autora reservados. O texto original em inglês pode ser visto em http://www.vipassanadhura.com/index.htm