O
Poder de Cura dos Preceitos
Por
Thanissaro
Bhikkhu
Tradução
Davi
Coêlho
O Buda era como um
médico, tratando as doenças espirituais da humanidade. O caminho de prática que
ele ensinou era como um percurso de terapia para os corações e mentes sofredores.
Este modo de compreender o Buda e seus ensinamentos data por volta dos textos
mais antigos, e ainda é uma ideia bem recorrente. A prática da meditação
budista é frequentemente apresentada como uma forma de cura, e muitos
psicoterapeutas agora recomendam que seus pacientes experimentem a
meditação como parte seus tratamentos.
Após alguns anos
ensinando e praticando meditação como terapia, porém, muitos de nós acabamos
descobrindo que a meditação por si só não é o suficiente. Em minha própria
experiência, tenho percebido que os meditadores ocidentais tendem a serem atingidos
mais frequentemente por certa obscuridade e falta de autoestima do que
qualquer Asiático que já ensinei. Os seus psiques estão tão feridos pela
civilização moderna que lhes faltam a resistência e persistência precisa antes
que a concentração e práticas de insight comecem a ser genuinamente terapêuticas.
Outros terapeutas também notaram este problema e, em consequência disso, muitos
deles decidiram que o caminho Budista é insuficiente para nossas necessidades
específicas. Para preencher esta lacuna eles experimentaram com modos de
implementarem a prática da meditação, combinando-a com tais coisas como mito,
poesia, ativismo social, saunas, rituais matutinos, e até o toque ritualístico de
tambores. O problema é que, pode ser que o caminho Budista não esteja em falta
de nada, mas que simplesmente não estamos seguindo o curso de terapia prescrito
pelo Buda em sua íntegra.
O caminho do Buda
consistia não apenas de atenção plena, concentração e práticas de insight, mas
também de virtude, começando com os cinco preceitos. De fato, os preceitos
constituem o primeiro passo na jornada. Há uma tendência no Ocidente de
dispensar os cinco preceitos como regrinhas que aprendíamos na escola de
Domingo na igreja, que estão atadas às normas culturais que não se aplicam mais
a nossa sociedade moderna, mas isso acaba se desviando do papel que o Buda
intencionava para eles: eles são uma parte do percurso de terapia para mentes
feridas. Em particular, eles estão voltados para curarem duas enfermidades que
estão por trás da autoestima: remorso e negação.
Quando nossas ações não
se enquadram com certos padrões de comportamento, nós ou (1) sentimos remorso
de nossas ações ou (2) nos engajamos em dois tipos de negação, seja (a) negando
que nossas ações não aconteceram de fato ou (b) negando que os padrões são realmente
válidos. Estas reações são como feridas na mente. Remorso é uma ferida aberta,
sensível ao toque, enquanto negação é como uma cicatriz dura e retorcida dentro de um ponto sensível. Quando a mente está ferida deste modo, ela não
pode estabelecer-se confortavelmente no momento presente, pois encontra-se
estabelecida em carne exposta e viva ou nós calcificados. Mesmo quando forçada
a ficar no presente, é apenas de um modo parcial, contorcido e tenso e portanto
os insights que ela adquire são parciais e contorcidos também. Apenas se a
mente estiver livre de feridas e cicatrizes é que pode ser esperado dela que se
estabeleça confortavelmente e livremente no presente, e que dê abertura para
discernimento não distorcido.
É ai onde os cinco
preceitos entram: eles são programados para curar estas feridas e cicatrizes.
Uma autoestima saudável surge a partir de uma vida vivida a um conjunto de padrões
que são práticos, claros, humanos, e dignos de respeito; os cinco preceitos são
formulados de tal forma que eles provem esse conjunto de padrões.
Prático:
os padrões estabelecidos são simples – nenhuma matança intencional, roubo, sexo
ilícito, mentiras ou consumo de drogas e álcool. É perfeitamente possível viver
em linha com estes padrões. Nem sempre fácil ou conveniente, mas sempre
possível. Eu já vi esforços por parte de alguns para traduzirem estes preceitos
em padrões que soam mais nobres e elevados – o segundo preceito, por exemplo,
significando não abusar os recursos naturais do planeta – mas até mesmo as
pessoas que reformulam os preceitos dessa forma admitem que é impossível fazer
jus a eles. Qualquer um que já tenha lidado com pessoas psicologicamente
fragilizadas sabem que na maior parte dos casos o dano surge de ter sido dada
padrões impossíveis de serem enquadrados em suas vidas. Se você puder dar aos
outros padrões que requerem apenas um pouco de esforço e atenção, mas que são possíveis
de serem atendidos, suas autoestimas disparam dramaticamente conforme descobrem
que são capazes de se enquadrarem nestes padrões. Eles conseguem assim,
enfrentar tarefas com mais confiança.
Claros:
Os
preceitos são formulados sem nenhum tipo de “se, e, ou mas”. Isto significa que
eles dão uma orientação clara, sem espaço para ficar tentando encontrar furos, falhas
ou formas de escapá-los. Uma ação ou se enquadra ou não se enquadra com os
preceitos. Novamente, padrões deste tipo constituem uma forma saudável de se
viver. Qualquer um que teve filhos sabe que, embora eles possam reclamar de
regras duras, eles se sentem mais seguros com elas do que com regras que são
vagas e sempre abertas a negociação. Regras claras não permitem que intenções
escondidas se manifestem pelas partes mais obscura da mente. Se, por exemplo, o
preceito contra a matança permitisse que você matasse seres vivos quando sua
presença fosse inconveniente, isso colocaria sua conveniência em um nível maior
do que sua compaixão pela vida. Conveniência se tornaria seu padrão indireto –
e como sabemos, padrões indiretos proporcionam grandes terrenos férteis para
hipocrisia e negação proliferarem. Se, porém, você seguir pelos padrões dos
preceitos, então como o Buda disse, você está fornecendo segurança ilimitada para
a vida de todos. Não há condições sobre as quais você tiraria a vida de qualquer
ser, não importa o quão inconveniente eles possam ser. Em termos dos outros
preceitos, você está provendo segurança ilimitada para com a propriedade e
sexualidade alheia, e honestidade e atenção ilimitada (no caso de mentiras e o
consumo de intoxicantes) em sua relação com os demais. Quando você descobrir
que pode confiar em si mesmo em casos como este, então ganhará um senso
saudável de autorrespeito inegável.
Humano:
Os preceitos são humanitários ambos para a pessoa que os observam e para as
pessoas ou seres envolvidos por suas ações. Se observá-los, estará se alinhando
com a doutrina do karma, que nos ensina que as forças mais importantes formando
sua experiência de mundo são seus pensamentos, palavras e atos intencionais que
você escolhe no momento presente. Isto significa que você não é insignificante (grifo meu). Toda vez
que faz uma escolha – em casa, no trabalho, no lazer – você está exercendo seu
poder sobre a construção contínua do mundo. Ao mesmo tempo, este princípio
permite você a medir a si mesmo em termos que estão totalmente sobre seu
controle: suas ações intencionais no momento presente. Em outras palavras,
estes preceitos não te forçam a se medir em termos de beleza, força, intelecto,
poder financeiro, ou qualquer outro critério que dependa menos do seu karma
presente do que karma adquirido no passado. Igualmente, estes preceitos não
brincam com sentimentos de remorso ou te forçam a lamentar os seus escorregões
cometidos no passado. Ao invés disso, eles focam sua atenção na possibilidade
sempre presente de viver de acordo com seus padrões no aqui e agora. Se você
estiver convivendo com pessoas que observam os preceitos, descobrirá que a
forma como se relaciona com estes não estão maculadas por suspeitas ou medos.
Eles consideram seu desejo pela felicidade tão próximo quanto o deles. Sua
dignidade como indivíduos não dependem de situações na quais deve haver perdedores
e vencedores. Quando falam sobre desenvolver amor universal e atenção plena em
sua meditação, você vê isso se refletir em suas ações. Neste modo os preceitos
nutrem não apenas indivíduos saudáveis, mas também uma sociedade saudável – uma
sociedade na qual autorrespeito e respeito mútuo não entram em conflito.
Digno
de respeito: quando adotar um conjunto de padrões, é
importante saber de quem esses padrões são e ver de onde estes padrões surgem,
por que em consequência disso, estará se juntando a um grupo, procurando a
aprovação deste, e aceitando seus critérios como sendo o certo e o errado.
Neste caso, você não poderia pedir por um grupo melhor para se juntar: o Buda e
seus nobres discípulos. Os cinco preceitos são chamados de “padrões atraente
aos nobres”. Do que as escrituras nos dizem sobre os nobres, eles não aceitam
padrões simplesmente na base da popularidade. Eles colocaram sua vida na linha
para ver o que conduz à verdadeira felicidade, e viram por si só, por exemplo,
que toda mentira é patológica, e que qualquer sexo fora de um relacionamento
estável e compromissado é inseguro. Outras pessoas podem não respeitá-lo por
seguir os cinco preceitos, mas os nobres o respeitam, e seu respeito é mais digno
do que aquele de qualquer outra pessoa no mundo.
Porém, muitas pessoas
acham esquisito juntar-se ao um grupo abstrato, especialmente quando nem
conheceram ainda algum nobre em pessoa. É difícil ter um coração cheio de
boa vontade e generoso quando a sociedade em sua volta ri abertamente dessas
qualidades e ao invés disso valoriza coisas como poder sexual ou habilidades
predatórias de negócios. É ai que as comunidades Budistas entram. Seria muito
bom e útil se grupos Budistas divergissem abertamente com o teor imoral
predominante em nossa cultura e deixassem bem claro de uma forma amigável que
eles dão valor à bondade de coração e à conduta refreada entre seus membros. Ao fazer isto,
eles proveriam um ambiente saudável para aderir ao compromisso total com o percurso
de terapia prescrito pelo Buda: a prática da concentração e discernimento em
uma vida virtuosa. Onde quer que tenhamos este tipo de ambiente, vemos que a
meditação não precisará ser “preenchida” com elementos externos, pois estará
baseada na realidade de uma vida bem vivida. Você poderá olhar agora para os
padrões pelo qual você vive, e então respirar confortavelmente como um ser
humano de pleno direito e inteiramente responsável. Pois é isso o que você é.
Texto original em inglês disponível no endereço: http://www.accesstoinsight.org/lib/authors/thanissaro/precepts.html
Texto essencial, explica muita coisa. Acho muito importante a fé no Buddha, Dhamma e Sangha.
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